Crise: Ex-economista-chefe do FMI quer regulação mais dura para bancos
EUA têm muito a aprender com o Brasil, diz Johnson
O professor Simon Johnson, ex-economista do FMI, respondeu às críticas de ter uma proposta populista: "Eles não dão esse tipo de emprego para populistas"
O professor Simon Johnson, do Massachusetts Institute of Technology (MIT), ganhou projeção nos últimos meses por defender uma regulação mais dura sobre os bancos e, assim, evitar que se repita uma crise financeira de grandes proporções como a atual.
O receituário defendido por ele, que inclui limitar o tamanho dos bancos e triplicar a exigência de capital sobe o sistema, teria grandes chances de ser taxado de populista, como vem acontecendo com a abordagem regulatória mais severa recentemente anunciada pelo governo Obama. Mas Johnson é um ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI). "Eles não dão esse tipo de emprego para populistas", afirmou, entrevista ao Valor, que segue.
Johnson acha que os Estados Unidos têm muito a aprender com a experiência brasileira, que passou relativamente bem pela crise. "O Brasil é um belo exemplo de como o governo consegue controlar um sistema financeiro excessivamente poderoso", sustenta. "Precisamos seguir o exemplo do Brasil."
Para o professor Johnson, da Sloan School of Management do MIT, os bancos não deveriam ter ativos maiores do que 2% ou 4% do Produto Interno Bruto (PIB), para evitar o fenômeno econômico conhecido como "grande demais para quebrar" (too big to fail) - ou seja, banco tão gigantes que os governos são obrigados a socorrê-los para evitar danos maiores a toda a economia.
O ex-economista-chefe do FMI (2007-2008) defende que o índice de Basileia, que fixa o capital mínimo dos bancos, deve subir dos atuais 8% para algo entre 20% e 30% dos ativos dos bancos. Esses eram os níveis de capitalização, explica, que os bancos tinham antes da criação do Federal Reserve (Fed), o banco central americano. Portanto, a regra que os banqueiros seguiam antes de terem certeza de que, em caso de dificuldades, serão salvos pelo Fed.
Johnson escreve o blog BaselineScenario.com, que se tornou popular por defender posições sobre complicados temas de regulação bancária de forma bastante acessível, e se prepara para publicar em março o livro "13 Bankers", em que sustenta que a desregulamentação ocorrida desde o governo Ronald Reagan criou um ambiente financeiro bastante perigoso.
Valor: Por que colocar um limite no tamanho dos bancos?
Simon Johnson: Essa é uma condição necessária, mas não suficiente, para o sistema bancário se tornar mais seguro. Quando os bancos são muito grandes, sua falência pode causar muitos danos. Consequentemente, eles conseguem socorros mais generosos do governo. A expressão "grande demais para falir" é muito apropriada para descrevê-los. O limite no tamanho dos bancos não é a medida salvadora que irá resolver tudo. Mas é uma coisa muito importante e, ao mesmo tempo, algo politicamente difícil de implementar.
Valor: E qual seria a definição de grande demais?
Johnson: Deveríamos definir um volume máximo de ativos em relação ao tamanho da economia, um percentual entre 2% e 4% do PIB. Já existe um teto para o tamanho dos bancos, definido pela lei Riegle-Neal, em 1994, que diz que nenhum banco pode ter mais do que 10% dos depósitos de varejo. Mas, de lá para cá, a maior parte do crescimento não veio de depósitos do varejo, mas sim do atacado. O teto não foi colocado em prática.
Valor: Isso não limitaria os ganhos de escala dos bancos, fazendo os clientes pagarem mais pelos produtos financeiros?
Johnson: O tamanho que estamos falando atingiria apenas os seis maiores bancos nos Estados Unidos, com ativos entre US$ 150 bilhões e US$ 300 bilhões. Não há evidência de ganhos de escala quando bancos operam com mais de US$ 100 bilhões em ativos. Em relação aos produtos financeiros, diria que se tornaram muito mais perigosos nos últimos 10 anos ou 15 anos. Não deveríamos nos iludir apenas com os preços de tabela dessas inovações. Temos que olhar seus verdadeiros custos. São produtos financeiros que custaram muito para a sociedade.
Valor: Os Estados Unidos estão avançando sozinhos na regulação bancária, sem se preocupar com as discussões entre países que estão sendo feitas em Basileia. Isso não poderá criar oportunidades de arbitragem regulatória para os bancos?
Johnson: Talvez vá dirigir alguns dos serviços financeiros mais perigosos para outros países. Devemos ajudar os outros países a entender os perigos envolvidos e as alternativas para reprimi-los. Mas, honestamente, esse é o tipo de decisão que cada país deve fazer por si mesmo, é uma responsabilidade de cada país. O Comitê de Basileia não fez um bom trabalho para propor maneiras de medir e controlar os riscos. E, se outros países operam sistemas bancários que você considera perigoso, você pode impedir os bancos desses países de fazer negócios com pessoas e empresas do seu país. Talvez esse seja o caminho que estamos trilhando.
Valor: Os salários e bônus pagos aos banqueiros são altos demais?
Johnson: Sim. Mas a remuneração no sistema financeiro, em especial nos grandes bancos, é um sintoma de um problema mais profundo. Não diria que limitar a recompensa para os grandes bancos seja a solução para qualquer problema. Se você limitá-la, simplesmente o problema reaparecerá sob a forma de uma outra distorção. O problema maior é dos bancos que são grandes demais para quebrar. Esse problema precisa ser resolvido e, com outras medidas, como maiores requerimentos de capital no sistema financeiro, a remuneração desses banqueiros vai diminuir.
Valor: O sr. propôs aumentar o índice de Basileia, hoje em 8%, para 20% ou mais. É algo possivel de colocar em prática?
Johnson: Sim. Antes de 1913, antes de o Federal Reserve existir e, consequentemente, antes de existir a possibilidade de ele resgatar bancos, os bancos tinham capital muito mais alto, na faixa entre 20% e 30%. Deveríamos voltar para os níveis de capital que os bancos consideravam adequados antes de existir a possibilidade de resgate pelo Federal Reserve.
Valor: Mas, de novo, isso não aumentaria os juros que os bancos cobram dos clientes para emprestar?
Johnson: Não acho. Não existe evidência de que mais capital aumenta os juros. Os acionistas teriam que colocar mais dinheiro em relação ao que os bancos podem tomar emprestado. Isso não muda os juros, muda a estrutura de "funding" dos bancos. Os juros são determinados pela competição entre bancos, pela diferença entre os custos de captação e de empréstimo. Os bancos basicamente emprestam nosso próprio dinheiro para nós. E, lembre-se, o atual nível de capital dos bancos se mostrou bastante caro para todos os contribuintes.
Valor: O sr. tem criticado o governo por contratar gente do mercado bancário para regular os bancos. Por quê?
Johnson: Se o presidente Obama apontasse um general de quatro estrelas para ser ministro da Defesa, para comandar o Pentágono, o que você pensaria disso?
Valor: O que aconteceria?
Johnson: Seria um grande problema nos Estados Unidos. Os civis não permitem que os militares comandem eles mesmos. O controle dos militares pelos civis é algo fundamental na democracia americana. O controle civil do sistema financeiro se tornou tão ou mais essencial.
Valor: Muita gente diz que a postura severa do governo Obama contra os bancos é uma estratégia política. Seria uma nova forma de populismo?
Johnson: O "New York Times" publicou há alguns dias uma reportagem mostrando que destacados financistas, todos do pensamento econômico dominante, como John Reed, John Bogle e George Soros, entre outros, defendem uma regulação mais firme. Essa história de populismo é espuma. Eu não sou um populista. Fui o economista-chefe do FMI. Acredite em mim, eles não dão esse tipo de emprego para populistas...
Valor: Outros dizem, por outro lado, que não vale a pena impor pesadas regras para evitar uma crise que se repete a cada século...
Johnson: (O secretário do Tesouro) Tim Geithner disse que temos crises a cada período de cinco a sete anos, e o mesmo foi dito pelo (ex-secretário do Tesouro) Henry Paulson, assim como pelo (chefe da assessoria econômica do presidente Obama, Larry) Summers. Como são pessoas que estão no centro de toda essa confusão do sistema financeiro, eu acredito neles. As crises não acontecem a cada século, elas acontecem a cada cinco ou sete anos. O socorro ao sistema piorou ainda mais as coisas. Agora, os bancos são ainda maiores, têm menos competição e são capazes de assumir riscos ainda mais temerários. Acho que teremos uma outra crise no mesmo curto ciclo das anteriores.
Valor: A regulação realmente funciona? Os bancos parecem capazes de driblar todas as regras criadas...
Johnson: Essa é uma disputa entre gatos e ratos. Você sabe pela experiência brasileira que, às vezes, o gato pega o rato e coloca na jaula. Talvez o rato vá escapar e sair correndo de novo. Não dá para excluir essa possibilidade. Mas o Brasil é um belo exemplo de como o aperfeiçoamento da regulação foi capaz de aumentar a resistência do sistema financeiro. É um exemplo de como o governo conseguiu controlar um sistema financeiro excessivamente poderoso. Devemos fazer o mesmo nos Estados Unidos. Precisamos seguir o exemplo do Brasil. Essa é a minha palavra de ordem.
Valor: O que a política monetária pode fazer para evitar uma nova crise?
Johnson: A política monetária tem que observar outros limites, como reduzir desemprego. Precisamos é de lideranças políticas nos Estados Unidos e em outros países que entendam que os riscos assumidos pelo sistema financeiro devem ter limites. Enquanto não ocorrer, nada mais fará diferença alguma.
Valor: Existe o risco de a economia americana mergulhar uma segunda vez na recessão?
Johnson: Pode ocorrer uma desaceleração no segundo semestre, mas não será um segundo mergulho na recessão porque, para tanto, teríamos que ter um número negativo. Me refiro a uma desaceleração, não um número negativo.
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Reportagem: Alex Ribeiro - Washington Fonte: Valor Econômico online, 25/02/2010
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