domingo, 21 de fevereiro de 2010

As revoluções que faltam

Carlos Alberto Di Franco*

Dois meses e meio após a descoberta do mais explícito caso de corrupção no andar de cima da classe política, a PF recolheu à sua carceragem, em Brasília, o governador do DF, José Roberto Arruda. Na história do País, foi a primeira prisão de um governador no exercício do cargo. No momento em que escrevo este artigo, o previsível recurso ao habeas corpus ainda não atingiu a cidadania com mais uma ducha de água fria. O presidente Lula, segundo um assessor, ficou abalado e lamentou que “o escândalo tenha chegado a esse ponto” — desfecho que, em sua avaliação, não contribui para a “consciência política nacional”. Ao contrário do que pensa o presidente da República, sempre tão sensível e solidário com os que são apanhados com a boca na botija, a prisão de Arruda contribui, e muito, para a “consciência política nacional”. O que conspira contra a cidadania é a impunidade que cresce à sombra da leniência e da governança pragmática.

O Brasil ainda tem instituições razoavelmente sólidas, embora parcela significativa da sociedade já comece a questionar a validade de um dos pilares da democracia: o Congresso Nacional. O descrédito é generalizado. Daí o estratégico veneno da “democracia direta”, suavemente destilado no 3 Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3). Os estrategistas do Planalto propõem a valorização de instrumentos como “lei de iniciativa popular, referendo, veto popular e plebiscito”. É a instalação do populismo autoritário, uma fachada de democracia que se apoia em três colunas: fisiologismo político, currais eleitoriais e autoritarismo ideológico.

O fisiologismo político é responsável por alianças que são monumentos erguidos à incoerência e ao cinismo. Quando vemos Lula, José Sarney, Fernando Collor e Renan Callheiros, só para citar exemplos mais vistosos, no mesmo palanque, paira no ar a pergunta óbvia: o que une firmemente aqueles que estiveram em campos tão opostos? Interesse. Só isso.

A arquitetura democrática de fachada recebe a certidão do habite-se na força cega dos currais eleitorais. Para um projeto autoritário, o que menos interessa é gente educada, gente que pense. O sistema educacional brasileiro é de péssima qualidade. Multiplicam-se universidades, mas não se formam cidadãos. Há, sim, um apagão do espírito crítico. Desaba o Brasil na banguela de uma unanimidade que, como dizia Nelson Rodrigues, é sempre perigosamente burra.

A competitividade global reclama crescentemente gente bem formada. Quando comparamos a revolução educacional coreana com a desqualificação da nossa educação, dá vontade de chorar. Governos, independentemente de seu colorido partidário, sempre exibem números chamativos. E daí? Educação não é prédio. E muito menos galpão. É muito mais. É projeto pedagógico. É exigência. É liberdade. É humanismo. É aposta na formação do cidadão integral. O Brasil pode morrer na praia. Só a educação de qualidade será capaz de preparar o Brasil para o grande salto. Deixarmos de ser um País fundamentalmente exportador de commodities para entrar, efetivamente, no campo da produção de bens industrializados.

Para isso, no entanto, é preciso menos discurso sobre o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e mais investimento real em infraestrutura. É preciso fazer reportagem. Ir ver o que existe e o que não existe. O que foi feito e o que é só publicidade. Ver e contar. É o nosso papel. É a nossa missão. Nós, jornalistas, sucumbimos, com frequência, ao declaratório. Registramos, com destaque, a euforia presidencial com a formidável escolha do Rio de Janeiro para sediar a Olimpíada. Ótimo. Mas como andam os projetos reais para preparar o Rio para evento? É por aí que devemos ir.

Tudo isso, no entanto, reclama o corolário da ética. Rouba-se muito. Muito dinheiro público desaparece no ralo da impunidade. Educação, infraestrutura e ética deve ser o tripé da campanha eleitoral. O resto é faz-de-conta.
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*Carlos Alberto Di Franco, diretor de Master em Jornalismo (www.masteremjornalismo.org.br), professor de Ética e doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, é diretor da Di Franco – Consultoria em Estratégia de Mídia
FONTE: Correio Popular online, 21/02/2010

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