“A questão religiosa, a fé em cada uma de suas acepções são fatos culturais de extraordinário relevo. Uma laicização erroneamente concebida que veja a questão religiosa como superstição é uma péssima laicização”.
Massimo Cacciari*
A entrevista é de Lorenzo Fazzini e publicada pelo jornal italiano Avvenire, 11-02-2010. A tradução é de Alessandra Gusatto.
O Papa pede por um renovado diálogo com quem não crê. Sendo você um filósofo, o que pensa disso?
Gosto de relembrar uma iniciativa pioneira sobre este tema. É a cátedra dos não crentes instituída em meados nos anos 80 em Milão pelo cardial Martini, uma escolha audaciosa. Quanto aos não crentes, é necessário fazer algumas distinções.
Quais?
Existem três versões de ateísmo: uma posição resoluta, para quem Deus é um mero nome sem conteúdo semântico. E esta é a forma de ateísmo que a maioria segue e segundo a qual a posição do crente é insensata. Esta versão se apóia um pouco num certo Iluminismo e nos seus netinhos tais como Piergiorgio Odifreddi (cientista italiano, nota da IHU On-Line) e na imprensa, se bem tenha pais nobres e domine a filosofia analítica. Depois há o ateu que acredita estar “abandonado” por Deus e, porém não sabe se este abandono é definitivo. É uma posição de dúvida absoluta com relação ao fato de que Deus tem algum tipo de relação com ele. O ateu que acredita não sabe se este “abandono de Deus” depende dele ou Dele, de si mesmo ou de Deus. Encontrei tal condição em muitos autênticos crentes: a sua fé combate com esta incerteza que é o grito de Jesus na cruz ao Pai. ("Meu Deus, meu Deus por que me abandonaste" - Marcos 15, 34 - nota da IHU On-Line). É o mesmo ateísmo de Jó e o segredo da grandeza do Cristianismo, ou seja, o crente em luta com Deus.
O “terceiro ateísmo”?
“É aquele que acha que o próprio pensamento deva desenvolver-se até que falte a estrada e não quer parar antes. Não quer somente denominar a coisa, quer ir além da dialética das idéias: é um pensamento voltado constantemente ao último, intrinsecamente ligado às idéias teológicas, mas não pensa que Deus “é”, pois se fosse assim, se pensaria em Deus como um ente e é superior ao próprio ato de pensar nele: o exemplo é Santo Anselmo de Aosta.
O Papa afirma ainda que existem aqueles que não querem chegar perto de Deus como desconhecido.
Eu gostaria de uma comparação que superasse a onto-teologia do tomismo e conduzisse a uma filosofia que vá em direção ao fim. É possível confrontar-se com uma posição filosófica que veja a transcendência como uma parte constitutiva do nosso sermos humanos.
Mas não é o ateísmo que parece preocupar os crentes, hoje, mas sim a indiferença...
A coisa mais perigosa não é o ateísmo de mercado, aquele que tira sarro dos crentes. O mais arriscado, que vejo como não crente é a religião como 'instrumentum regni', assim como concebida por Spinoza ou Maquiavel: A crença como instrumento de conservação. É uma tentação da qual a Igreja deve estar atenta e que está muito presente no Islã. É a religião sendo reduzida à forma política, ou seja, Moisés e Maomé são vistos como comandantes militares e políticos. É aqui que está a grandeza de Cristo e a força da sua denúncia com relação ao Judaísmo de seu tempo. No século XIX se viu o perigo das religiões prontas para ficarem à disposição dos poderes políticos em troca de favores. Mas existiu, e foi muito importante, o fenômeno dos mártires dos grandes totalitarismos e sobretudo no âmbito protestante.
E ao mundo das idéias o o senhor pediria?
Eu gostaria que se pensasse de forma mais ‘difícil’. Ainda penso na cátedra dos não crentes cirada em Milão: Reabramos espaços e recriemos gestos de tal audácia.
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*Massimo Cacciari, hoje professor de estética na Universidade Vita-Salute San Raffaele, em Milão, há algum tempo é protagonista ativo do diálogo entre quem crê e quem fica aquém da fé. FONTE: IHU online, 15/02/2010
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