A conclusão é de um professor de Harvard que
estudou nossas reações a símbolos de status e riqueza
Antes de procurar entender a influência do luxo sobre as decisões que tomamos, o professor Roy Chua* estudou as diferenças de liderança e gestão no ambiente empresarial dos Estados Unidos e da China. Foi quando percebeu que uma reunião feita numa sala modesta pode levar a conclusões distintas daquelas a que o mesmo grupo de pessoas chegaria se estivesse rodeado de telões de plasma e pisando sobre mármore. “Talvez limitar os excessos e luxos corporativos possa ser um passo à frente para que os executivos se comportem de forma mais responsável”, afirma.
ÉPOCA – Quais foram as principais revelações das três experiências que exploraram a ligação entre os produtos que simbolizam o luxo e as atitudes egoístas?
Roy Chua – Pudemos comprovar que o mero contato com artigos de luxo afeta as decisões. Quem convive com carros esportivos, relógios caros e roupas de grife toma mais decisões em interesse próprio. Não é necessário ter os objetos. Trabalhar em um ambiente rodeado por eles mexe com a cognição. Uma reunião de negócios em uma sala modesta pode chegar a conclusões totalmente distintas de uma realizada em um escritório com piso de mármore e telões de plasma.
ÉPOCA – Qual é o método usado no estudo para chegar a essa conclusão?
Chua – Entrevistamos quase 800 estudantes universitários, divididos em dois grupos. Na primeira experiência, exibíamos para um grupo fotos e vídeos de produtos luxuosos como relógios Cartier, sapatos Ferragamo, carros superesportivos. Em outro grupo, exibíamos apenas imagens de produtos baratos e de segunda mão. Em seguida, dávamos aos dois grupos um questionário com decisões que deveriam tomar. Percebemos que as pessoas no grupo exposto a imagens luxuosas tomavam mais decisões em seu interesse próprio.
ÉPOCA – Como isso foi comprovado?
Chua – Para responder ao questionário, as pessoas precisavam tomar decisões. Algumas poderiam até prejudicar outras pessoas, mas aumentariam, ainda que de forma pouco ética, o lucro das empresas. Perguntamos se a pessoa colocaria no mercado um carro com possíveis problemas mecânicos, lançaria um software com falhas ou um jogo de videogame que induzisse à violência. Quatro em cinco pessoas do grupo exposto às imagens de itens luxusos optaram pelo lançamento desses produtos. No grupo exposto a itens baratos, a maioria sempre decidiu por não lançar nada que fosse prejudicial. No segundo experimento, camuflamos algumas palavras num emaranhado de letras. Elas tinham sentidos opostos, como “gentil” e “rude”. Ao pedir para que as pessoas identificassem essas palavras, a maioria dos expostos ao luxo escolheu as palavras negativas. No terceiro experimento, usamos duas situações: uma em que a pessoa deveria contribuir para resolver um problema público, outra em que poderia se beneficiar de dinheiro público. O grupo exposto a artigos de luxo deu menos e pegou mais do que o outro grupo. Essas descobertas iluminam as dinâmicas psicológicas de alguns comportamentos.
ÉPOCA – Que tipos de comportamento?
Chua – Talvez possamos explicar o modo de agir de alguns executivos antes e durante a recente crise financeira mundial. Houve um número grande de pessoas que viviam e conviviam com o luxo e que, ao perceber os sinais da magnitude da crise, tomaram decisões egoístas – a despeito do sofrimento que poderiam causar aos outros. Ainda hoje, passado um ano da crise e apesar de toda a indignação pública e a exigência de uma regulamentação eficaz do mercado financeiro, a mentalidade de muitos não mudou. Banqueiros continuam planejando bônus astronômicos para si próprios.
"Uma reunião de negócios numa sala com piso de mármore chega
a decisões diferentes de uma reunião igual numa sala modesta"
ÉPOCA – Mas esse comportamento pode ser explicado pelo simples acesso aos bens de luxo?
Chua – Não é mera coincidência. A experiência demonstra um padrão de comportamento. Não estamos dizendo que o luxo induz necessariamente um comportamento maldoso em relação ao próximo. Apenas que ele aumenta, e muito, a indiferença quanto ao bem-estar dos outros. Quando rodeadas de luxo, as pessoas tendem a focar suas decisões naquilo que é melhor para elas e para suas empresas.
ÉPOCA – Qual é o mecanismo que faz o luxo aumentar o egoísmo?
Chua – Nós ainda estamos tentando entender. Há vários mecanismos envolvidos. A exposição a bens luxuosos pode ativar uma “norma social” que obriga a pessoa a perseguir seus interesses – pessoais, profissionais, ou ambos – acima de tudo. Mesmo que isso tenha de ser feito à custa de outras pessoas. É provável que essa norma social afete o julgamento e a tomada de decisão dessas pessoas. Além disso, é bem provável que a exposição ao luxo ative e aumente o desejo, fazendo com que elas priorizem seus lucros, e não sua responsabilidade social.
ÉPOCA – Isso quer dizer que o ambiente estimula a ganância?
Chua – A explicação preferida de muitos para essa ganância é um descompasso moral, uma lacuna ética. Isso levaria essas pessoas a pensar apenas em si mesmas, a ponto de prejudicar os outros. Nosso estudo oferece outra perspectiva: esse ambiente de fausto e ostentação dificulta decisões mais preocupadas com os outros. As decisões aparentemente imorais provêm menos de uma real intenção de prejudicar os outros do que de uma autoabsolvição de pequenos delitos morais: lançarei este produto com reais riscos ao ambiente pelo bem do lucro da empresa. Talvez limitar os excessos e luxos corporativos possa de fato ser um passo à frente para que os executivos se comportem de forma mais responsável.
ÉPOCA – O simples desejo de consumir o luxo pode mudar as pessoas?
Chua – O estudo não tentou responder a essa pergunta. Queríamos descobrir qual é a consequência psicológica nas pessoas do contato com o luxo. Há inúmeros estudos que comprovam que as pessoas procuram esses bens para preencher desejos pessoais. Ou seja: a noção de luxo envolve mais prazer pessoal do que necessidade, funcionalidade ou ostentação. Não estava claro como o luxo influencia o modo como as pessoas pensam e agem. Nossa pesquisa preenche essa lacuna ao mostrar que o luxo está ligado ao interesse pessoal, e pensar em luxo ativa relações mentais que afetam as decisões em detrimento dos outros.
ÉPOCA – A ambição é uma das características de muitos bem-sucedidos. As conquistas materiais tornam as pessoas mais individualistas?
Chua – Sem dúvida. Pesquisas anteriores comprovaram que quando expostas ao dinheiro as pessoas se comportam de modo autossuficiente. Preferem manter uma distância social e evitam pedir ajuda. E mostram que ambientes de negócios aumentam a vontade de competir. É um círculo vicioso. Claro que nem todos se comportam da mesma forma. Mas tanto o luxo quanto o dinheiro alteram as atitudes e as decisões das pessoas.
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QUEM ÉReportagem: RODRIGO TURRER
Fonte: http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI123971-15228,00-O+ACESSO+AO+LUXO+NOS+TORNA+EGOISTAS.html
Nascido em Cingapura, Roy Chua é professor assistente de liderança e comportamento organizacional da Harvard Business School (EUA)
O QUE FEZ
É Ph.D. em gestão pela Columbia Business School (EUA)
O QUE PUBLICOU
Artigos no Journal of International Business Studies e Academy of Management Journal. A pesquisa sobre a influência do luxo no comportamento foi feita com a colega Xi Zou, da London Business School
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