Economia: Para economista "evolucionário", período agudo da crise parece ter passado e agora há espaço para as instituições financeiras evoluírem.
Geoffrey Hodgson, que aplica a teoria de Darwin à economia: "É mais importante a capacidade de adaptação de uma empresa às mudanças no mundo do que o lucro final"
A apropriação da teoria de Charles Darwin sobre a evolução da vida em outros campos da ciência já provocou muita controvérsia e, não raro, ainda é vista com alta dose de desconfiança. Em particular, interpretações discriminatórias advindas do que se chamou de darwinismo social na virada do século XIX criaram as salvaguardas que perduram até hoje. Há, porém, pesquisadores ao redor do mundo que aplicam a lente darwiniana sobre a economia. Conhecidos como economistas evolucionários e institucionais, o grupo avalia como a produção da riqueza e a organização de empresas refletem conceitos de variação, herança e seleção nascidos em "A Origem das Espécies".
Um dos ícones dessa linhagem é Geoffrey Hodgson, professor da Escola de Negócios da Universidade de Hertforshire, no Reino Unido, que esteve recentemente no Brasil. Autor de 12 livros e editor do "Journal of Institutional Economics", publicado pela Cambridge University Press, o pesquisador de 64 anos fez palestras na Universidade Federal do Espírito Santo, onde tratou da turbulência econômica sob a ótica de Darwin.
Em entrevista ao Valor, de sua casa no interior da Inglaterra, Hodgson observa que o momento mais agudo da crise aparenta ter passado, com sinais de recuperação no mundo desenvolvido e entre alguns emergentes. O professor reforça, no entanto, a impressão de que ainda faltam passos a ser dados. Essa crise teria mostrado, sobretudo, como as instituições financeiras estão frágeis. "A maior incerteza é se a reforma do sistema financeiro foi o suficiente. Talvez devêssemos pensar em algo mais radical, uma verdadeira reconstrução", propõe.
Essa reconstrução não deveria transformar o mercado em grande metáfora darwiniana, adverte. Para Hofgson, o que está na pauta ainda é a disputa clássica dos economistas sobre a liberdade que os mercados devem e podem ter. Mas sua opinião é de que, agora, há espaço para as instuições financeiras evoluírem.
Tal evolução seria possível com a maior abertura para a regulamentação e a necessidade de reverter a liberalização das últimas duas décadas. "O problema é que o setor especulativo do sistema financeiro se misturou com tudo e, quando veio abaixo, levou todo o resto. Isso é muito sério para a economia moderna", afirma.
No turbilhão da crise e na revisão de quem sobriveverá a ela, a contribuição da economia evolucionária poderia vir do conceito de "seleção natural das organizações", cunhado por um dos precursores da economia institucional, o norueguês Thorstein Veblen. Essa é uma linha de pensamento que Hodgson segue em seu espectro de investigação, ao buscar dados sobre a adaptação de empresas aos momentos de adversidade. O professor lidera um grupo de estudantes que há anos registra a rotina de companhias. "Somos capazes de provar por nossa observação que é mais importante a capacidade de adaptação de uma empresa às mudanças no mundo do que o lucro final."
Seria essa, portanto, a verdadeira seleção natural aplicada à economia? A sobrevivência dos mais fortes? Hodgson lembra, de fato, que a recente instabilidade econômica levou consigo uma enorme quantidade de pequenas empresas, enquanto as grandes conseguiriam se salvar. Isso causou danos na dinâmica dos negócios, principalmente ao ceifar empregos. Mas, neste momento, ele se mostra satisfeito com o revival das teorias de John Maynard Keynes no gerenciamento de investimento públicos e principalmente na política econômica. A seu ver, o desempenho do Brasil perante a crise só foi possível graças a um aumento do investimento do Estado em programas sociais e em obras públicas. "O Brasil não está sofrendo os mesmos efeitos da reviravolta econômica por causa de boas políticas de desenvolvimento", diz.
A prospecção de Hodgson é de que a crise pode dar origem a uma economia com mais "valores". Com a biologia, diz ele, é possível apreender que, enquanto a competição nunca deixará de existir, há grande quantidade de cooperação ocorrendo. "Isso é verdade na natureza e na sociedade." Países e empresas cooperam há anos, aponta o pesquisador. Ao utilizar a teoria de Darwin, não se pode valorizar apenas o aspecto da competição expresso na ideia da seleção natural. O naturalista inglês nunca deixou de reconhecer uma parcela de cooperação no processo evolucionário das espécies, aponta.
Cooperação é exatamente um dos temas que crescem no interesse de pesquisadores da economia evolucionária. A discussão, mais uma vez, não parece ser simplesmente uma transferência de conceitos darwinistas aos mecanismos de oferta e demanda. O que alguns acadêmicos sustentam é que no campo econômico, ao contrário do que se observa entre muitas espécies, a cooperação não é guiada apenas por interesse próprio. Existe altruísmo e reciprocidade. Isso é o que defendem os autores Samuel Bowles e Herbert Gintis no artigo "Can Self Interest Explain Cooperation?", leitura mais do que recomendada por Hodgson. "Outras escolhas, como reciprocidade e altruísmo, podem explicar por que os humanos, entre os animais, são uma espécie única, uma espécie cooperativa", escrevem.
Recentemente, nas comemorações dos 150 anos do lançamento de "A Origem das Espécies", o biólogo Edward O. Wilson disse que, atualmente, à ciência da vida faz falta uma figura como Darwin, que foi capaz de sintetizar o conhecimento da época em uma grande teoria. O repórter pergunta a Hodgson se seria possível na economia ter um sintetizador como Darwin. Talvez Keynes pudesse ganhar este status? "Acho difícil, pois existem muitos campos na economia, muito específicos. O que sei é que há uma oportunidade, neste momento, para mudar a economia."
____________________________________
Reportagem: Gustavo Faleiros, para o Valor, de LondresFonte: Valor Econômico online, 26/02/2010
Nenhum comentário:
Postar um comentário