domingo, 28 de fevereiro de 2010

Colômbia, o grande eleitor

José Saraiva Sombra*

As farpas trocadas entre os presidentes colombiano e venezuelano na recente Cúpula de Cancún reforçam a ideia de ser Hugo Chávez o maior eleitor de Álvaro Uribe. Às vésperas de duas grandes eleições nacionais na Colômbia, uma legislativa em março e outra presidencial em maio, Uribe — mesmo sem aprovação formal da Corte Constitucional de referendo que o confirmaria, ou não, candidato oficial pelo Partido Social da Unidade Nacional — é o grande favorito para a quadra governamental de 2010 a 2014.

O atual presidente contabiliza mais de 70% de aprovação popular e já abocanha metade dos votos do colégio eleitoral de 30 milhões de colombianos aptos para o pleito de maio. A fragmentação política que presidiu a eleição presidencial de 2006, quando marcharam cinco candidatos contra Uribe, tende a se repetir em 2010. Mas nenhum deles, mesmo o prefeito de Medellín, alcança o primeiro dígito, pelo menos até o momento. Poucos votos possuem os demais potenciais contendores. A oposição está dispersa e sem projeto alternativo.

Por que Hugo Chávez é tão importante para as eleições colombianas? Três fatores merecem ser alinhados. A alta popularidade do presidente Uribe — ao lado de Bachelet e Lula na América do Sul, mesmo que sustentada pela manu militare e lógica do medo — é fato inconteste. Tal reconhecimento popular emana, em parte, de imagem positiva da autoestima e do combate patriótico reconhecido no governante de Bogotá contra o intruso externo de Caracas que interfere na soberania política da nação colombiana. Chávez prejudica, com suas bravatas, a grande fronteira humana e comercial entre os dois países, que prefere seguir seus negócios e cooperação familiar.

Uribe, bom aluno das escolas liberais anglo-saxônicas, mas filho de pai assassinado pela guerrilha colombiana, dosa o pêndulo da fleuma com o cálculo discursivo do nacionalismo latino-americano. Mexe com o velho imaginário das frustrações herdadas, nos Estados modernos da América do Sul, das dissensões fratricidas das guerras na época das independências da Espanha. Sabe, ao contrário de Chávez, domesticar o discurso e não ameaçar guerra contra a Venezuela.

O segundo fator é ululante. Há reconhecimento doméstico, nas mais diversas camadas sociais, intelectuais e políticas na Colômbia, dos aspectos positivos do programa de segurança democrática mantido por Uribe. Para os colombianos é preferível a estabilidade precária de Uribe e a retomada da vida cotidiana, bem como o crescimento econômico, às incertezas dos planos das Farc e suas conexões bolivarianas, sem falar na inércia do modelo econômico estatizante e petroleiro imposto por Chávez aos compatriotas.

Ainda que não tão democrática, a segurança oferecida pela mão forte de Uribe demonstra que os modelos de construção política na América do Sul são mais diversificados no início do novo século do que se previra. Não há um projeto comum à região, embora o Brasil e alguns outros países se empenhem em formar uma grande área de diferenciação política e estratégica em relação às novas geometrias globais, elevação da Ásia e novas polarizações entre os grandes da ordem pós-guerra fria.

Em terceiro lugar, no plano ideológico, Uribe demonstra ao mundo que a frente política da América do Sul que promove não é a da corrente andina da refundação da nação. A nação já existe, o que falta é a modernização conservadora, inclusão social com segurança democrática, o fim da guerrilha e dos quistos desatualizados do mundo político contemporâneo e da economia formal.

Os anseios da opinião pública colombiana, mesmo que fracionada em diferentes correntes, algumas até críticas dos acordos de cooperação militar com os Estados Unidos, coincidem com o projeto de Uribe. Chávez, na ânsia de empurrar os colombianos contra Uribe, empurra a Colômbia contra as provocações importunas do presidente venezuelano, ajudando a pavimentar a continuação de Uribe no comando do Estado sul-americano mais abandonado pelos seus vizinhos em hora difícil. Os fatos, em suma, vão dando alguma razão aos caminhos de Uribe, menos tortuosos que os de seu grande eleitor em Caracas.
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*PhD pela Universidade de Bimingham, Inglaterra, professor titular do Instituto de Relações Internacionais da UnB e pesquisador 1 do CNPq.
Fonte: Correio Braziliense online, 28/02/2010

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