Luiz Paulo Barreto*
O federalismo brasileiro é marcado pela aliança indissolúvel entre União, estados-membros, Distrito Federal e municípios, cujo objetivo é permitir a estabilização das relações entre esses entes federados, necessária em decorrência da descentralização política, da autonomia federativa e da consequente incidência de diversas ordens jurídicas sobre o mesmo território, características próprias do modelo federativo.
A Federação no direito brasileiro remonta à época da República e é consagrada logo no artigo 1º da Constituição Federal de 1988 como a forma de Estado adotada no Brasil. A importância do princípio federativo extrai-se, ainda, da sua previsão como cláusula pétrea, no artigo 60, § 4º, inciso I, da Constituição Federal, que significa a sua inalterabilidade, ainda que por emendas à Constituição.
A intervenção federal, instituto próprio do Estado federal, consiste no afastamento temporário da autonomia do ente federativo para garantir a unidade federativa, a integração nacional ou, em outros termos, o restabelecimento da ordem constitucional. Trata-se, assim, de instrumento que configura a antítese da autonomia dos entes federados, característica marcante da Federação, devendo ser, portanto, utilizado apenas como medida excepcional, nas hipóteses em que outros meios não se mostrem eficazes para solucionar o problema.
A decretação de intervenção é da competência do presidente da República, cabendo somente nos casos taxativamente previstos na Constituição Federal. A depender da hipótese constitucionalmente estabelecida, a intervenção pode ser espontânea, quando o ato for praticado por iniciativa própria do presidente, ou provocada, quando se der por solicitação de outro Poder ou por requisição do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça.
O atual pedido de intervenção federal no Distrito Federal, feito pelo Procurador-Geral da República junto à Suprema Corte (IF 5179), alcança os poderes Executivo e Legislativo do Distrito Federal, tendo como pressuposto a violação de princípios constitucionais sensíveis, mais precisamente a forma republicana, o sistema representativo e o regime democrático, tendo em vista ser fundamento da República como forma de governo a não-patrimonialização do poder e sua não-disposição a serviço de pessoas (1).
A partir do eventual deferimento, pelo STF, do pedido de intervenção, que provavelmente abordará a questão da constitucionalidade da ordem sucessória estabelecida na Lei Orgânica do Distrito Federal, caberá ao presidente da República a adoção das providências no sentido de dar cumprimento à decisão, a começar pela edição de decreto no qual se especificará a amplitude, o prazo da medida, as condições da sua execução e a nomeação de interventor, se couber.
Importante consignar que a decretação de intervenção federal é medida excepcional e inédita no Estado brasileiro, no período pós-democratização, e que é precedida, necessariamente, da observância de um rito definido no próprio texto da Constituição.
Dessa forma, as medidas interventivas a serem eventualmente adotadas pelos órgãos competentes dos poderes da República serão concretizadas ao seu tempo, restando, por ora, ao Poder Executivo Federal auxiliar na garantia da manutenção da ordem pública no Distrito Federal e colocar-se à disposição das autoridades locais para, nos limites do ordenamento jurídico, proceder ao auxílio necessário à garantia dos direitos dos cidadãos aqui residentes.
No mais, assim como a população do Distrito Federal e o povo brasileiro, o Poder Executivo Federal aguarda a decisão do Supremo Tribunal Federal, colocando-se de prontidão para executá-la da forma que melhor propicie a superação desse lamentável episódio da política nacional.
_________________________________________*Ministro da Justiça
(1) SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo, 24. ed. ver. e atual. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 103.
Fonte: Correio Braziliense online, 26/02/2010
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