sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

A água no feijão

Gaudêncio Torquato*
Receoso de receber resposta atravessada, o repórter perguntou a Getúlio Vargas, à saída do Palácio do Catete: “Presidente, o que é preciso para vencer uma eleição?”. A resposta desconcertou o interlocutor: “Muita coisa. Boa memória, por exemplo. Política é como água no feijão. O que não presta flutua. O que é bom repousa no fundo”.

Entre os elementos que calam fundo na mente e no coração dos eleitores, o feijão que alimenta estômagos é um deles. Principalmente quando cultivado na roça de uma economia saudável. Para quem tem boa memória, basta lembrar que Fernando Henrique foi guindado à Presidência, em 1994, pelo trator do Plano Real, que abriu o caminho da economia estável. Bill Clinton ganhou, em 1992, a Presidência dos Estados Unidos porque ofereceu soluções econômicas mais adequadas do que seu adversário, George Bush, o pai.

Se o feijão é um rebotalho, o cidadão rejeita. A derrota de Eduardo Frei, candidato governista, no Chile, teve que ver com o bolso mais apertado dos eleitores. É ele que garante o projeto de sobrevivência. O estômago dos chilenos começou a se esvaziar com a queda do PIB e a consequente expansão do desemprego, hoje em torno de 9%. A presidente Michelle Bachelet, com mais de 80% de aprovação, não conseguiu transferir prestígio e votos para seu candidato.

E as ilações começam: Lula elegerá Dilma? Eis a primeira questão: é possível comparar o Brasil com o Chile? Não. Geografias, programas econômicos e estruturas sociais diferentes não permitem inferir resultados eleitorais assemelhados. Mas nem por isso fatores na mesa de discussão — transferência de votos, economia estável, esgotamento do modelo — devem ser deixados de lado.

Transferir votos não é uma equação simples. Deve haver compatibilidade entre doador e receptor. Lula é carismático, mas a força para incutir no eleitor a ideia de votar em sua candidata não é ilimitada. É evidente que os 28% alcançados por sua candidata na pesquisa Sensus têm que ver com sua influência. Mas a capacidade de transferir votos vai esbarrar na comparação entre perfis. Valores como experiência, confiabilidade, preparo, seriedade, história pessoal e política são medidos pelo eleitor.

Portanto, Serra e Dilma, lado a lado, serão avaliados, Luiz Inácio sem conseguir convencer que Dilma é ele e vice-versa. Aspecto relevante é o desgaste de material, cansaço do modelo. Os chilenos mostraram-se desencantados com a política e seus atores. A apatia tomou conta do país após 20 anos de domínio do mesmo grupo. Governos longos entram em declínio mais cedo ou mais tarde.

Se não houver inovação, dois mandatos consecutivos são suficientes para exaurir um modelo. Após oito anos, o ciclo FHC começou a declinar. E a era Lula? O lulismo continuará? Não se pode negar que, apesar do conforto econômico, a maneira lulista de governar começa a cansar. Para empanar ainda mais os horizontes é oportuno lembrar que o tempo faz a história.
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*Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP e consultor político

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