quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Os avisos do Apocalipse

 Mauro Santayana*

Os nova-iorquinos estão chamando Apocalipse 2 à tempestade de neve que se abate nestas últimas horas sobre o noroeste dos Estados Unidos. O primeiro teria sido registrado durante a semana passada. Não é ainda o fim do mundo, mas não deixa de ser um aviso. A concentração humana nas grandes metrópoles, com a perturbação da natureza, agrava as consequências dos desastres. Enquanto a neve desaba no Hemisfério Norte, atingindo a região mais densamente povoada e de ocupação pioneira dos Estados Unidos, no Brasil e em outros países do Sul as grandes chuvas fazem desabar as casas pobres e matam impiedosamente. Há também os terremotos, esses males inseparáveis do destino do planeta, posto que a ele congênitos. Mas, também no caso dos terremotos, desde os registrados na Antiguidade, os danos são equivalentes à densidade da ocupação nas áreas atingidas.

A partir do terremoto de Lisboa, ocorrido no dia 1 de novembro de 1755, discute-se essa relação, e o desastre chegou a alimentar a ideia de que a sede do Império deveria deslocar-se para o Brasil. Não há cifras confiáveis, mas se calcula que entre 30 mil e 90 mil pessoas tenham morrido, em uma população de 270 mil. Como relatam os historiadores, o terremoto causou profundo impacto no pensamento europeu. Todas as crenças, filosóficas e religiosas, sofreram grande abalo e, até hoje, filósofos ainda discutem os seus efeitos na razão humana.

A grande discussão que se faz é em torno do chamado “progresso”. Qualquer restrição ao desenvolvimento da técnica, com seus efeitos sobre a natureza, costuma ser considerada atitude reacionária. O mito do progresso infinito, no entanto, se choca com a consciência dos limites da vida humana e dos recursos do mundo. Parece impossível impor rédeas à busca do conhecimento e à aplicação tecnológica das descobertas. O físico brasileiro José Israel Vargas resume o raciocínio em uma frase linear: é impossível “desinventar”. Uma vez descoberto qualquer processo de intervenção na natureza, imediatamente surge seu proveito industrial, isto é, tecnológico. Se aceitarmos esse postulado, o homem pode estar sendo condenado a sucumbir vitimado pela própria razão, a razão que garantiu sua sobrevivência até o momento.

Há os que recusam a tese de que o homem está envenenando o meio ambiente, e atribuem as mudanças climáticas a fenômenos absolutamente naturais, sobre os quais só podemos ter escassa influência, na previsão de sua ocorrência e nas providências que reduzam os seus efeitos. Outros, no entanto, tentam provar que somos os responsáveis pela degradação do meio ambiente e que estamos nos condenando ao extermínio. É melhor considerar que o homem é um ser precário, e sua sobrevivência é ameaçada pelos fenômenos naturais e pela própria insensatez, como a submissão da técnica à ambição do lucro.

Sófocles, em Antígona, depois de manifestar sua profunda admiração pelos inventores, revela seu pessimismo, ao afirmar que eles ultrapassam toda a expectativa, “o talento e habilidade que conduzem o homem ora à luz, ora a malvados conselhos”. Não obstante o seu culto à inteligência e à razão, que levavam os grandes pensadores gregos à certeza de que a tarefa do homem era a de igualar-se aos deuses, havia os que advertiam contra essa presunção. Há sempre, ao lado do fulgor da inteligência, o perigo de que ela nos conduza aos “malvados conselhos”, identificados por Sófocles. Dentro desse raciocínio, a ciência deve estar submetida à razão política, mas isso só ocorrerá, quando formos capazes de dar razão à política, submetê-la à ética do humanismo. Isso significa planejar a vida para todos, buscando a igualdade e a justiça. Por enquanto morrem sobretudo os pobres, mas é provável que, diante da intensidade dos desastres, os grandes comecem a pensar de outra forma.

A neve sobre Nova York – onde começam a faltar alimentos – é um aviso, assim como foi o tsunâmi da Indonésia e o terremoto de Lisboa. Pouco importa se esses desastres – como o terrível terremoto de Porto Príncipe, com muito mais vítimas do que o de Lisboa – se devem só às terríveis forças cósmicas, ou também ao desvario do homem. O que importa é usar a razão e a ciência na busca da igualdade e da justiça, de forma a que o homem viva melhor, enquanto o mundo existir.
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*Jornalista.
FONTE: http://www.jblog.com.br/politica.php 11/02/2010

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