domingo, 2 de maio de 2010

A crueldade dos adolescentes

Rubem Alves*

Caipira, adolescente, recém-mudado para o Rio de Janeiro, sotaque de mineiro de roça, fui objeto dessa coisa cruel que se chama “bullying”. Sofri e conheci o medo como nunca antes conhecera.

Em inglês o “bully” é o valentão, um tipo que, valendo-se do seu tamanho ou musculatura, frequentemente acompanhados da atrofia de inteligência e de sentimentos, tem prazer em bater nos mais fracos. Por vezes o “bullying” não se expressa por meio de murros e tapas. Basta a chacota e a zombaria. Sentem-se felizes vendo o medo da vítima.

O “bullying” é diferente das brigas que acontecem entre iguais, provocadas por algum motivo. Essas brigas acontecem e acabam. O “bullying”, ao contrário, é contínuo e sem motivo. A vítima, ao se preparar para ir à escola, sabe o que a aguarda. Gostaria de fugir mas não pode. E não há nada que possa fazer para que o “bullying” não aconteça. Informar os professores só pode agravar a sua situação. Misturado ao medo cresce o ódio, o desejo de vingança e as fantasias de destruir os agressores que, um dia, poderão se transformar em realidade. Ir à escola é um sofrimento diário e silencioso.

Sadismo é uma deformação espiritual. O sádico é uma pessoa que sente prazer ao produzir ou contemplar o sofrimento de um outro. Relata-se que torturadores chegam a ter ejaculações ao ver o torturado contorcendo-se de dor.

Cléo Fante escreveu um livro perturbador sobre isso: O fenômeno “bullying” (Verus Editora) do qual vou retirar alguns casos dramáticos.

Edimar era um jovem humilde e tímido de 18 anos que vivia na pacata cidade de Taiúva, no Estado de São Paulo. Os seus colegas fizeram-no motivo de chacota porque ele era muito gordo. Puseram-lhe os apelidos de “gordo”, “mongoloide”, “elefante cor-de-rosa” e “vinagrão”, por tomar vinagre de maçã todos os dias, no seu esforço para emagrecer. No dia 27 de janeiro de 2003 ele entrou na escola armado e atirou contra seis alunos, uma professora e o zelador, matando-se a seguir. Foi o caminho que encontrou para vingar-se e escapar das humilhações que não tinham fim.

Denilton era um adolescente de 17 anos, tímido e introvertido. Na cidade de Remanso, na Bahia, foi submetido por anos a fio a humilhações e chacotas por parte dos colegas. Até que chegou o momento de não aguentar mais. Resolveu se vingar. Com esse objetivo foi à escola, que estava fechada. Dirigiu-se então à casa do seu agressor principal. Lá chegando chamou-o pelo nome e o matou na porta da casa com um tiro na cabeça. Dirigiu-se então à escola de informática onde estava matriculado, em busca daqueles que lhe haviam roubado a alegria de viver. Atirou em funcionários e alunos, atingindo fatalmente na cabeça uma secretária. Quando tentava recarregar a arma foi imobilizado e detido.

Em Patagones, na Argentina, Rafael, um jovem de 15 anos, tímido e com dificuldades de relacionamento e considerado esquisito pelos colegas, foi apelidado de “bobão”. Diziam que ele era de um outro mundo. Após a execução do Hino Nacional o garoto dirigiu-se para a sala de aula dizendo: “Hoje vai ser um lindo dia”. De repente começou a atirar contra as paredes, contra pessoas, matando três meninas, um menino e ferindo mais cinco. Finalmente ajoelhou-se em estado de choque e entregou-se à polícia.

Luis Antônio, um garoto de 11 anos, sempre gostou de estudar. Ao se mudar de Natal para Recife, entretanto, começou a apresentar um comportamento estranho: não mais queria ir à escola. Seu sotaque diferente passou a ser motivo da caçoada e da violência de colegas que “não iam com a sua cara”. Batiam-lhe, empurravam-no, davam-lhe murros e chutes. Na manhã do dia fatídico, antes do início das aulas, apanhou de alguns meninos que o ameaçaram com a “hora da saída” – essa é a hora preferida para as violências. Aterrorizado, por volta das dez e meia saiu correndo da escola e nunca mais foi visto. Um corpo com características semelhantes ao dele, em estado de putrefação, foi conduzido ao IML para perícia.

Não são casos isolados. O “bullying” é um fenômeno universal. Diariamente ele atinge milhares de crianças e adolescentes que são marcados emocionalmente na sua autoimagem e na aprendizagem. Uma criança apavorada não pode aprender. Mas não conheço nenhuma teoria pedagógica que preste atenção a esse fato. No entanto, os seus efeitos são mais importantes do que tudo que possa ser ensinado.

Você não suspeita: mas é possível que seu filho ou filha esteja sofrendo, vítima silenciosa e amedrontada de “bullying”...
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*Rubem Alves é escritor, teólogo e educador
Fonte: Correio Popular online, 02/05/2010

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