sábado, 24 de julho de 2010

De Nostradamus ao polvo Paul

Antônio Mesquita Galvão*

É notável como a humanidade sente necessidade de acreditar em alguma coisa. Há os que têm suas crenças definidas, delas se nutrem e buscam ali um sentido para suas vidas. Há, no entanto, quem, como uma borboleta, ande adejando de flor em flor, à procura do que acreditar, e nessa busca multiforme de crenças, acaba não elegendo nenhuma fonte que valha a pena.

Desde a Antiguidade, o ser humano se dedica à necromancia (consulta aos mortos), à sideromancia (consulta às estrelas) e tantas outras formas que evidenciam o vazio, a necessidade de crer, o desejo de se agarrar a alguma coisa. A visão da “sorte” através das palmas das mãos também é uma forma antiga de consulta, assim como os tarôs (cartomancia). Os harúspices da Roma antiga colhiam oráculos a partir da visão das vísceras dos animais (hepatomancia), e por aí vai...

Por muitos séculos, o povo do Ocidente tem voltado seus olhos para as previsões de Nostradamus († 1566), que com suas centúrias, a maioria delas vagas, tem assustado a humanidade, com datas do fim do mundo, do ressurgimento do anticristo etc. Eu não acredito em previsões. Acho que as de Nostradamus, por exemplo, são como meia de tamanho único: cabe em qualquer pé. Quando ele fala na quinta luz da montanha azul do homem de branco, pode ser muita coisa, desde o rebaixamento do Vasco até a vitória da Beija-Flor de Nilópolis. Seus textos se prestam muito para acomodações.

Durante a Copa do Mundo da África, surgiu na cidade alemã de Oberhaus um polvo, a que deram o nome de Paul, que vivia no aquário de um restaurante e que fazia “previsões”, escolhendo entre duas caixas de acrílico, cheias de alimento, com bandeiras dos países digladiantes. Acertou todas as semifinais, menos o que decidiu o terceiro lugar. Teria o polvo Paul poderes de adivinhação? Não creio! É curioso observar que ele sempre escolhia a caixa da direita. Eu sou muito cético quanto a visões, previsões e adivinhações, ainda mais provindo de um polvo que, coitado, a esta altura já deve ter ido para a panela.

Sempre que me dizem que alguém viu o futuro ou previu certos fatos, eu pergunto: quantas vezes ele/ela ganhou sozinho na loteria? Se a resposta for “nenhuma”, eu lasco a clássica frase do padre Quevedo: “É um vigarista, charlatão, devia estar na cadeia!”.

Já imaginaram como seria trágico a pessoa conhecer seu futuro? Você vai morrer em três anos, de gripe suína, sem medicação que resolva. Já pensaram que drama? A pessoa talvez até se matasse antes. É melhor ir vivendo assim, confiando que Deus vai fazer o melhor por nós, trabalhando e frutificando amores e amizades. Deste modo construímos nosso futuro...
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*Filósofo, escritor e doutor em Teologia Moral
Fonte: ZH online, 24/07/2010

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