Marcos Coimbra*
Lula e seu antecessor são, para o candidato do PSDB,
igualmente responsáveis por não termos ainda feito
a reforma política de que o Brasil precisa
Outro dia, o ex-governador José Serra fez uma declaração surpreendente. Falando a uma rádio de Pernambuco, disse que Lula e Fernando Henrique “são iguais”. Como, provavelmente, suas palavras foram recebidas com incredulidade, teve logo que aduzir que falava com fundados motivos, pois “conhecia bem os dois”.
Quem ficasse com a manchete teria uma impressão equivocada do que ele pretendia dizer. Serra não fez a comparação para externar algo que muita gente pensa, que os dois últimos presidentes se parecem nas suas opções para as principais políticas de governo (a começar pela política econômica) e que as semelhanças entre o que fazem concretamente suplantam, muitas vezes, suas diferenças retóricas.
Seria até uma declaração normal, considerando a época em que estamos e as características de sua candidatura. Afinal, Serra tem procurado se equilibrar entre a crítica e o aplauso a Lula, para não alienar (em definitivo) os que admiram o presidente. Por isso, a frase poderia ser vista como habilidosa, uma maneira de afirmar que PSDB e PT não são tão antagônicos.
O curioso, no entanto, é que Serra não falou que os dois eram iguais no bom sentido. Ao contrário, disse-o para salientar que ambos fizeram errado e que ele faria certo, se eleito presidente. Lula e seu antecessor são, para o candidato do PSDB, igualmente responsáveis por não termos ainda feito a reforma política de que o Brasil precisa. Se ele ganhar, ela acontecerá.
Para demonstrar o empenho que teria para levá-la a cabo, disse que se preocupa com o assunto há muito tempo, tendo chegado a conversar com Lula para convencê-lo a se engajar na luta. Pelo visto, não conseguiu, pois ela não se concretizou. Assim como não teve êxito em persuadir o antecessor dele no Planalto, com quem Serra terá tido milhares de oportunidades para tratar do tema. Ou seja, por mais que tenha tentado, a reforma política não andou. Mas não por sua causa. A culpa é de Fernando Henrique e de Lula. Daí que são iguais.
É fácil concordar com ele a respeito do pouco que nossos dois últimos presidentes fizeram a respeito. Ambos tiveram condições, mas, por motivos diferentes, acabaram ficando aquém do que poderiam. Especialmente Lula, que governou com níveis estratosféricos de aprovação e que tinha muito mais poder de influenciar o Congresso.
O que se ignorava é a atuação de Serra na batalha pela reforma política. Embora, como todo político brasileiro, tenha se manifestado protocolarmente sobre sua conveniência, desconhecia-se que fosse um militante da ideia. Como liderança maior das oposições (a ponto de ser seu único representante nas eleições presidenciais), como político maduro e experiente, ex-deputado e ex-senador, ex-presidente do PSDB, ex-governador de São Paulo, é pena que sua voz não tenha sido ouvida. Fora a conversa privada que revelou ter mantido com Lula, a opinião pública não foi informada do que mais terá feito pela reforma.
Para sublinhar que suas palavras eram para valer, Serra acrescentou: “Vou bancar a reforma política neste país, vou peitar e bancar”. Releve-se o tom popular da declaração, comum nas entrevistas que os políticos dão a emissoras de rádio. Eles acham que os ouvintes só os entendem se usarem uma linguagem “bem povão”. Mas é uma frase estranha.
Os dicionários registram dois sentidos para a palavra peitar. O antigo é de pagamento de uma obrigação, mas também de “dar uma coisa para que se faça outra (...) subornar com dádivas”, segundo o Houaiss. Certamente, não foi pensando em fazer algo parecido no Congresso para aprovar a reforma política que Serra a empregou.
A segunda acepção, mais próxima do clima da entrevista, é “abrir caminho com o peito”, “arrostar de frente, de modo destemido”, “dar encontrão ou batida”. Parece que está prometendo que, se eleito, vai fazer com que Câmara e Senado aprovem a reforma, nem que seja à custa de trombadas.
Como José Serra nunca foi disso na sua vida pública (ainda bem!), só se pode debitar ao nervosismo de campanha sua declaração. Que nada mais é que querer navegar na onda do inconformismo das pessoas comuns frente ao que veem na política. E lhes oferecer a (perigosa) ilusão de que é “na marra” que iremos adiante.
Uma pergunta: o que diriam alguns de nossos jornais se a declaração fosse de Dilma?
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*Sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi
marcoscoimbra.df@dabr.com.br
Fonte: Correio Braziliense online, 22/07/2010
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