quinta-feira, 29 de julho de 2010

Internet emburrece?

Michael Merzenich, pioneiro no campo de neuroplasticidade,
conta como a web está alterando nossos cérebros


A internet pode contribuir para uma epidemia futura de senilidade,
diz neurocientista Michael Merzenich (foto),
pioneiro no campo de neuroplasticidade,
conta como a web está alterando nossos cérebros.


Nas décadas de 1970 e 1980, o neurocientista norte-americano Michael Merzenich conduziu uma série de experimentos em cérebros de primatas que revelaram como os circuitos neurais e sinapses dos animais mudavam rapidamente de acordo com sua experiência ou atividade. Merzenich reorganizou os nervos na mão de um macaco, e, como resposta, as células neurais do córtex sensorial do animal rapidamente se organizaram para criar um novo mapa mental daquela mão. “Da mesma maneira, um fenômeno cultural recente como a internet pode alterar o funcionamento das nossas cabeças por funcionar como um mediador”, diz.
Segundo Merzenich, a web está treinando o cérebro dos usuários a tentar fazer várias coisas simultanteamente, enquanto ignora os circuitos neurais responsáveis pela reflexão e pensamento aprofundado – mesmo quando estamos longe de um computador. E disse a Galileu que a internet deverá atrapalhar o desenvolvimento intelectual da humanidade a longo prazo, podendo até causar uma “epidemia futura de senilidade”. Confira a conversa:

Nossos cérebros são remodelados pelo uso intenso de internet?
Eles mudam com a evolução da cultura, isso está acontecendo agora, com o jeito que absorvemos quantidades elevadas de informação na internet. É claro que o cérebro de cada um é diferente, e a pessoa comum que tem essa dose pesada de informação tem mais tendência a mudar. Há milhares de anos, a leitura universal não estava espalhada, e agora nós passamos uma boa parte dos nossos dias lendo. Os nossos cérebros se especializaram nisso, e estão muito diferentes do cérebro de uma pessoa normal há milhares de anos. Da mesma maneira, o cérebro de uma pessoa que usa muita internet é diferente do cérebro de alguém há 10 ou 20 anos.

Isso é bom ou ruim?
Há algo incrivelmente positivo sobre a internet, temos uma quantidade enorme de informação com aquisição muito mais eficiente. É um recurso incrível, como se tivéssemos todas as bibliotecas do mundo perto das nossas mãos. Carregar seu cérebro com bastante informação dá várias maneiras dela ser usada, integrada ou afeta sua imaginação, criatividade e atenção.
Por outro lado, a internet muda a maneira que você usa seu cérebro para adquirir informação. O internauta não precisa enfrentar uma luta pessoal para encontrar o que precisa. Agora, ele lida com uma tabela prática de referências, e não precisa mais raciocinar tanto. Passou a usar uma estratégia de pesquisa e busca, e deixou de exercitar várias habilidades cognitivas. É muito fácil resolver qualquer problema olhando sua resposta em vez de tentar resolvê-lo com inteligência e raciocínio. Esse é o perigo real, porque envolve uma manipulação de informação muito menos agressiva, do uso de suas habilidades cognitivas.
Agora, nós olhamos para outra pessoa para fazermos um julgamento, para comprar uma viagem ou produto. Não estamos pensando neles. Procuramos uma conclusão tomada por alguém, para escolhermos a direção em que pularemos. Muita gente está tão imersa nisso que não percebe o que está acontecendo.

E qual seria o efeito a longo prazo?
O internauta, enquanto consome informação, terá que lidar com uma série de dados desnecessários, de “ruídos”, que podem afetar o cérebro. Em um experimento, se acostumarmos o cérebro de um animal a um ambiente continuamente “ruidoso”, visual ou auditivo, seu desempenho é degradado. Tem mais dificuldade em realizar suas tarefas e parece ter vivenciado menos coisas. Há diferenças até em seus hábitos e brincadeiras.
É um engano pensar o excesso de informação é inofensivo. Toda ação que contribui para as operações do seu cérebro ficarem “ruidosas” aumentará o risco de você ter uma saúde mental ruim no futuro. Alguns outros experimentos apontam que a senilidade tem relação com o comportamento cerebral “ruidoso” da pessoa quando ela ainda é jovem. A internet talvez possa contribuir para uma epidemia futura de senilidade. Há dados que mostram um crescimento enorme de indivíduos senis. Não há uma conexão comprovada e direta com a internet, mas creio que há demonstrações indiretas disso.

Qual é a melhor coisa que podemos fazer a respeito? Precisamos balancear o uso da internet com a leitura de livros?
É preciso lembrar que a vida cultural moderna é bem bizarra. Não fomos construídos para ler. Na verdade, a leitura é uma aventura. O mesmo serve para estas ferramentas que nos permitem passar todo esse tempo na internet. Há muito pouco a fazer em relação ao que realmente fomos feitos para fazer – operarmos em ambientes reais, físicos, tomando decisões rápidas e táticas sobre o que estamos vendo e sentindo.
Agora evoluímos para estes comportamentos complicados e abstratos. Certamente haverá conseqüências neurológicas nisso. É importante pensar num balanço não somente em termos de leitura. Em um senso geral, talvez devêssemos operar em um mundo sem máquinas, pensando em uma humanidade fundamental, para voltarmos a ter a saúde original do cérebro. Mas isso é um pouco complicado.

Ainda temos tempo para mudar?
A humanidade provavelmente perceberá as conseqüências do uso da internet quando elas ficarem mais visíveis. Isso porque somos muito ignorantes para compreender os riscos que estamos passando agora. Uma das coisas básicas que as pessoas não entendem é que nosso cérebro é plástico, e essa plasticidade é bidirecional.
Posso pegar qualquer outra pessoa e destruir sua habilidade de entender o que falo, degradar sua capacidade de controlar as mãos ou de compreender o que está vendo. Assim como posso treiná-lo para refinar sua habilidade de usar suas mãos, entender melhor o que está vendo. As pessoas não entendem que o que elas fazem mudam seu cérebro, suas características operacionais e de performance. O ideal seria que elas soubessem das conseqüências neurológicas antes delas começarem a acontecer.
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Por Felipe Pontes
Fonte: http://revistagalileu.globo.com/Revista

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