quarta-feira, 21 de julho de 2010

Mídia, religião e política

Paul Freston
Entrevista 


"Não se pode atribuir o crescimento do pentecostalismo
unicamente ao uso da mídia",
constata o pesquisador.
O uso da mídia faz parte de um "pacote maior".


“A maioria dos meios religiosos ocupa algum ponto intermediário. Alguns mencionam apenas de vez em quando o processo eleitoral, de maneira sutil, colocando orientações mais gerais, princípios de atuação e de escolha, valores que candidatos e partidos deveriam defender. Outros órgãos não chegam a dizer com todas as letras o nome do partido ou candidato que apóiam, mas deixam poucas dúvidas ao público de como deve se portar como eleitor”, constata o professor Paul Freston(foto), diretor do Programa de Estudos da Religião na América Latina da Baylor University, em entrevista concedida, por telefone à A IHU On-Line..
O britânico Paul Charles Freston é graduado em História e Antropologia Social pela University of Cambridge. Na University of Liverpool realizou o mestrado em Latin American Studies. Também é mestre em Christian Studies pela Regent College. É doutor em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas e pós-doutor pela University of Oxford. Atualmente, é diretor do Programa de Estudos da Religião na América Latina da Baylor University (EUA) e professor na Universidade Federal de São Carlos. Seu mais recente livro é Evangelical Christianity and Democracy in Latin America (Nova Iorque: Oxford University Press, 2008).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Como o senhor vê a inserção do tema da política em mídias religiosas nesse período eleitoral?
Paul Freston – As religiões, principalmente as cristãs, têm uma relação muito íntima com os meios de comunicação, por razões teológicas que decorrem de sua natureza. Atualmente, muito em função das mídias eletrônicas. Essa relação tem a ver com a política que, na democracia, possui ligação com a divulgação passiva de ideias e de apelos. Nesse sentido, há um paralelismo muito forte, que leva aos grupos e indivíduos religiosos com presença nos meios de comunicação a desempenharem um papel importante em períodos eleitorais. Facilita por terem propriedade, acesso e conhecimentos das técnicas dos meios de comunicação. O pentecostalismo ilustra, de maneira muito forte, a ligação entre os meios de comunicação religiosos e a política. Há uma porcentagem bastante grande de deputados pentecostais.
São pessoas com presença midiática anterior e, os que não tinham, acabam criando depois de se eleger. Muitas vezes os candidatos oficializados por algumas igrejas pentecostais são conhecidos por sua presença midiática, o que lhes dá um melhor trânsito no estado em que concorrem. É uma vantagem em termos de reconhecimento por parte dos eleitores, prestígio diante do eleitorado religioso. É alguém que é conhecido por “pregar o evangelho”, tem prática e habilidade para se comunicar, falar e ter presença pública. Isso acaba dando certa afeição às bancadas eleitorais que aparecem nos parlamentos, muito influenciadas por esse tipo de pessoa que se projetou através do uso religioso dos meios eletrônicos.

IHU On-Line – Nesse sentido, podemos considerar a Rede Record como uma mídia religiosa também, uma vez que a ligação com a Igreja Universal está intrínseca?
Paul Freston – A propriedade da Record é de um grupo religioso. No entanto, boa parte da programação não é dedicada ao uso explicitamente religioso. Claro que pode haver normas e orientações mais sutis, decorrentes da natureza religiosa da instituição, que influenciam na programação, como por exemplo, exibir um tipo de novela diferente de outras emissoras. Isso é diferente de canais por assinatura com conteúdo integralmente religioso. É outro tipo de influência, que não é qualitativamente novo. Antes disso se tinha outros meios de comunicação pertencentes a igrejas, como jornais. As duas formas podem influenciar, mas de formas diferentes.

IHU On-Line – As mídias religiosas se tornaram mesmo, em períodos eleitorais, veículos de doutrinação?
Paul Freston – Depende muito do veículo. Há um leque de possibilidades. Um dos extremos seria ignorar completamente o processo eleitoral, e o outro seria dar uma ênfase muito forte, com a adoção explícita de candidaturas e posições. A maioria dos meios religiosos ocupa algum ponto intermediário. Alguns mencionam apenas de vez em quando o processo eleitoral, de maneira sutil, colocando orientações mais gerais, princípios de atuação e de escolha, valores que candidatos e partidos deveriam defender. Outros órgãos não chegam a dizer com todas as letras o nome do partido ou candidato que apóiam, mas deixam poucas dúvidas ao público de como deve se portar como eleitor.

IHU On-Line – Passados 100 anos da entrada do pentecostalismo no Brasil, que elementos o senhor destaca na trajetória deste movimento religioso em nosso país e sua ligação com a mídia?
Paul Freston – Embora o pentecostalismo tenha 100 anos, os primeiros 40 anos não viram tanto sucesso. A partir dos anos 1950, começa a haver um crescimento significativo, notado por pesquisadores que fazem os primeiros estudos apontando esse aumento. Isso tem relação com os meios de comunicação. A divulgação religiosa no rádio se intensificou em 1950. A partir dos anos 1970, começa a aparecer na televisão, primeiramente com programação estrangeira, com cunho pentecostal. Nos anos 1980, se transforma em uma indústria nacional. Muitas vezes, as novas iniciativas são de igrejas pentecostais recém-criadas, que surgem com maior desinibição e ousadia. Em seguida, as igrejas pentecostais mais antigas começam a imitar as novidades.
Dentro do pentecostalismo há uma diversidade muito grande neste sentido. Em uma ponta, estão igrejas como a Universal do Reino de Deus e Internacional da Graça de Deus, cujas trajetórias são totalmente ligadas à presença na televisão e rádio. É difícil até imaginá-las sem essa combinação. Por outro lado, há igrejas que não têm nada disso, como a Congregação Cristã, a segunda maior do país em número de freqüentadores. Ela rejeita o uso de todos esses meios. A não ser o impresso, mas sem caráter de evangelização, apenas para outras finalidades. O crescimento numérico da igreja ocorre por outros meios, não pelos massivos de comunicação. Há casos ainda como o da Deus é Amor, que sempre usou massivamente o rádio, mas não a televisão.

IHU On-Line – A relação do pentecostalismo com a mídia explica o crescimento dessa religião?
Paul Freston – Explica em partes. Não se pode atribuir todo o crescimento a isso. O meio de comunicação não funciona isoladamente, está dentro de um pacote maior, que inclui o contato com familiares, vizinhos, colegas de trabalho e também a ida à congregações locais. O contato da pessoa que ainda não é membro da Igreja com a mídia religiosa raramente acontece de maneira isolada. Quando há alguma influência dos meios na evangelização este é um item dentro de um processo mais amplo. Nas metrópoles, a importância dos meios de comunicação é maior. A congregação que rejeita o uso dos meios se dá melhor no interior, em cidades menores.

IHU On-Line – Podemos dizer que a relação do pentecostalismo com a mídia é mais forte do que o vínculo formado pela Igreja católica e os veículos de comunicação?
Paul Freston – A Igreja católica, obviamente, tem uma história imensa de ligação com os meios de comunicação. Em muitos momentos, ela se valeu do pioneirismo protestante. Para muitos historiadores, a Reforma Protestante seria impossível sem a invenção da imprensa. Esse uso dos meios é incorporado pela Igreja Católica. No caso dos meios eletrônicos, no Brasil há uma repetição desse padrão, principalmente na utilização não só como simples retransmissão de eventos, mas como veículo de catequização e evangelização.
Os grupos dentro da Igreja Católica que mais assimilam isso são os ligados à Renovação Carismática. A força da mídia católica é muito grande hoje e não perde para o uso pentecostal dos meios. Os grupos evangélicos em geral têm certa vantagem nas formas de divulgação e disseminação da fé e na inovação. Mas essa vantagem é logo eliminada, pois o catolicismo também incorpora os novos métodos. Na televisão, o uso católico é tão evidente e significativo quanto o evangélico.

IHU On-Line – Como o senhor analisa a presença das religiões na internet?
Paul Freston – A internet permite uma diversificação muito maior, por se tratar de um espaço democrático, talvez mais que o próprio rádio. A internet possibilita que grupos pequeno e que nunca teriam oportunidade de ter presença televisava, possam fazer a sua divulgação. Também permite um processo mais democrático dentro de uma determinada igreja, com grupos dissidentes, por exemplo. Isso acontece inclusive dentro do pentecostalismo. Pode-se ver outras linhas de pensamento, que não conseguem presença nos meios mais antigos, sendo divulgadas na internet. Nuançam o estereótipo pentecostal que, muitas vezes, é caracterizado pela presença televisava.
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Fonte: IHU online, 21/07/2010

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