sábado, 31 de julho de 2010

Entrevista exclusiva com o Ministro da Defesa de El Salvador, Gen. David Munguía Payés

O Ministro da Defesa de El Salvador
durante discurso de abertura da Conferência Sub-Regional para a Mesoamérica,
realizada de 20 a 23 de julho em San Salvador.
(Foto: Marcos Ommati)


Pela primeira vez na história de El Salvador, delinquentes queimaram um ônibus com passageiros dentro. O crime, ocorrido no dia 20 de junho e que deixou 17mortos, inclusive uma menina de poucos meses de idade, revoltou o país e gerou uma pressão política pela implementação de novas medidas contra as quadrilhas neste país centro-americano.
Entre estas medidas está o uso das Forças Armadas em apoio ao combate a grupos como o Mara 18, acusado de ser o responsável pelo ataque ao ônibus, e outros.
O Ministro da Defesa de El Salvador concedeu a seguinte entrevista exclusiva a Diálogo, minutos depois de ter discursado na Conferência Sub-Regional para a Mesoamérica, realizada de 20 a 23 de julho em San Salvador e organizada pelo Centro de Estudos Hemisféricos de Defesa, para tratar deste e de outros assuntos.

Diálogo – Qual é o papel das Forças Armadas hoje em dia em El Salvador?
Gen. Munguía – Definimos as tarefas que vamos desenvolver em função do apoio à Polícia Nacional Civil (PNC). Existe um acordo executivo (Nº 70), onde o sr. presidente ordena que as Forças Armadas apoiem a PNC, mas limita nossas ações, ou seja, não temos funções totais de polícia. Temos ordens para realizar detenções, registros de veículos, registros de pessoas e prisões em flagrante.

Diálogo – O que acontece com as pessoas presas por militares das Forças Armadas?
Gen. Munguía – Se capturamos alguém, o entregamos imediatamente à PNC. Além disto, estabelecemos um comando conjunto com a PNC, onde se coordenam todas as atividades, de forma que, se houver um problema, ali mesmo ele será solucionado, neste comando conjunto.

Diálogo – Como acontece o cumprimento desta tarefa?
Gen. Munguía – Formamos 8 forças de 350 homens cada uma, com seus respectivos comandos. A missão que temos é ocupar as 29 zonas com o maior índice de delinquência do país. Estamos operando nestas áreas, e nossa presença é permanente.

Diálogo – É uma medida preventiva?
Gen. Munguía – Até o momento, tudo é preventivo. Há uma proposta de reforma na lei onde a participação nas quadrilhas será criminalizada, e isto nos dará a oportunidade de também prender os participantes dos bandos.

Diálogo – Ou seja, fazer parte de uma quadrilha atualmente não é considerado crime?
Gen. Munguía – Neste momento, o fato de pertencer a uma quadrilha não é considerado crime. Prevalece o princípio da presunção de inocência, ou seja, embora saibamos que alguns deles são criminosos, e as pessoas os considerem criminosos, não podemos fazer nada. É muito difícil provar os delitos. Só podemos prendê-los em flagrante. Atualmente, ainda não podemos prendê-los por presumir que eles tenham cometido delitos.

Diálogo – Mas não é verdade que para participar de uma quadrilha o futuro membro deve cometer algum delito?
Gen. Munguía – É verdade. Na realidade, hoje em dia exige-se que a pessoa cometa pelo menos um homicídio. Existem casos de quadrilhas que exigem até 6 homicídios. Por isso se pode presumir que se uma pessoa pertence a uma quadrilha, é porque já cometeu pelo menos um homicídio, mas não se pode capturá-la, nem iniciar uma investigação ou processo judicial com base nesta presunção. É preciso esperar que cometam outros crimes e que os capturemos durante o ato. Entretanto, há uma nova lei proposta pelo presidente da República que nos permitirá capturá-los por pertencerem a uma quadrilha.

Diálogo – Qual foi a participação das Forças Armadas no caso do ônibus incendiado?
Gen. Munguía – Infelizmente, não tivemos uma participação direta nesta investigação. Entretanto, nós já sabíamos que existia esta quadrilha no município onde o crime foi cometido, mas não podíamos prendê-los até o momento em que cometessem um crime; no entanto, ajudamos a Polícia Nacional a solucionar o problema, porque os avisamos que naquela área havia esta quadrilha e eles conduziram as investigações naquela direção.

Diálogo – O senhor considera as quadrilhas o principal problema de segurança em El Salvador atualmente?
Gen. Munguía – Sim. Não podemos ignorar que há outros, como o crime organizado, o narcotráfico e os crimes de colarinho branco, que poderiam estar também por trás destas quadrilhas. O principal problema constitui a combinação das quadrilhas com o narcotráfico. Isto é o que está ocasionando a violência que estamos vivendo nas ruas, e esta grande quantidade de homicídios que acontecem no país. Quando as Forças Armadas começaram a apoiar de forma mais consistente a Polícia Nacional Civil (PNC) — em novembro de 2009 — os índices de criminalidade eram de 14 a 15 homicídios por dia. Com o trabalho que estamos desenvolvendo conseguimos primeiramente conter esta espiral de crimes, e em seguida, com as últimas missões que o presidente da República nos encomendou, como tomar o controle de uma parte importante dos centros penais, conseguimos que, junto com a polícia, os homicídios baixassem para 9por dia no mês de junho de 2010.

Diálogo – O senhor poderia nos falar um pouco mais sobre a intervenção das Forças Armadas nos centros penais?
Gen. Munguía – A polícia tinha estatísticas de que mais de 80% das extorsões eram ordenadas de dentro dos centros penais. Hoje há uma baixa significativa de extorsões no país, apenas para citar um exemplo, devido à atuação e ao apoio das Forças Armadas.

Diálogo – Qual a sua opinião sobre a criação de cárceres isolados, como foi Alcatraz nos EUA?
Gen. Munguía – Seria conveniente, mas é preciso diferenciar o que gostaríamos de fazer da nossa realidade. Construir um presídio normal custa ao país cerca de US$30 milhões. Construir um presídio de segurança máxima numa ilha, pode custar-nos 3 ou 4 vezes mais. A realidade é que o país não tem condições, atualmente, de gastar tanto dinheiro para construir tais presídios. Existem alternativas mais baratas, como a construção de prisões utilizando contêineres, de forma modular, rodeando-as com uma cerca de segurança para abrigar aqueles presos de confiança, ou os que já estão prestes a cumprir suas penas, idosos ou pessoas com enfermidades muito graves. Creio que isto poderia solucionar nosso problema temporariamente.

Diálogo – Os bloqueadores de celulares nos presídios não são uma outra solução a ser implementada?
Gen. Munguía – O uso da tecnologia é uma solução, mas não pode ser a única, porque nenhum instrumento tecnológico é 100% seguro. Em primeiro lugar, porque a tecnologia ainda não está completa e, em segundo lugar, porque no final estes aparatos tecnológicos têm de ser manipulados pelo homem. Este é outro grande problema que temos nos centros penais, ou seja, há muita corrupção ali. Por exemplo, os EUA nos doaram algumas cadeiras detectoras que acusam se alguém que vai entrar em uma prisão está levando consigo algo ilícito. É uma boa tecnologia, mas percebeu-se que, várias vezes, a pessoa que administrava estas cadeiras as desconectava no momento de sua utilização. Sabemos que é de dentro dos presídios e através de chamadas de celulares que os crimes são comandados do lado de fora, e o governo está se esforçando para impedir que isto aconteça, inclusive utilizando bloqueadores de celulares, mas é uma coisa difícil de combater.

Diálogo – Existe intercâmbio pan-regional de inteligência policial-militar?
Gen. Munguía – Sim, entretanto ele é muito elementar e deficiente. Durante a última reunião do Sistema de Integração Centro-Americana (julho de 2010), este foi um dos temas tratados. Estabeleceram-se compromissos e foram feitas coordenações exatamente para manejar, de uma forma mais efetiva e mais rápida, o traslado de informações e de inteligência, para que pudéssemos ser mais eficientes no combate ao crime, inclusive com a participação do México e da Colômbia.

Diálogo – Como evitar problemas com relação aos direitos humanos?
Gen. Munguía – A primeira coisa que fizemos foi capacitar nosso pessoal quanto ao assunto dos direitos humanos, antes de passar a cumprir estas missões. Formamos equipes com os organismos defensores dos direitos humanos e outros organismos especializados, para que eles dessem aulas desta matéria aos nossos quadros de oficiais, suboficiais e tropas. Temos também uma supervisão estreita do cumprimento das missões. Até agora não houve acusações graves com relação a violações dos direitos humanos.

Diálogo – E com relação aos jovens delinquentes? O que o governo está fazendo para evitar que eles entrem para as quadrilhas, e o que fazer com aqueles que já fazem parte delas?
Gen. Munguía – Em primeiro lugar, é preciso controlar as regiões para impedir que os criminosos dominem uma área, para que depois o governo possa entrar nesses locais com seus programas sociais. Estes programas sociais, na sua grande maioria, são orientados a resgatar os jovens em risco para que eles não entrem para as quadrilhas. Existem também planos de reabilitação e reinserção para aqueles que querem deixar as quadrilhas. Agora, como as leis penais juvenis são muito protecionistas quanto aos menores, as quadrilhas fazem uso de crianças para cometer os crimes. No país, atualmente, 90% dos crimes cometidos são de autoria de membros de quadrilhas e, entre eles, 60% são cometidos por crianças. Nossa sociedade, inclusive, está discutindo a possibilidade de reduzir a idade mínima para que uma criança criminosa seja tratada como um adulto.
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Por Marcos Ommati/Diálogo
Fonte:  http://www.dialogo-americas.com/index.php/article/1388/ 28/07/2010

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