sábado, 31 de julho de 2010

A missão do sacerdote

Dom Eugenio Sales *
A festa litúrgica do Cura d'Ars, no mês de agosto, oferece oportunidade para maior e melhor compreensão do sacerdócio católico e seu papel na sociedade. Problemas e contradições o acompanham: elogiado por uns, incompreendido e vilipendiado por outros.

João Batista Maria Vianney era um medíocre, segundo os critérios humanos. Somente sua piedade ardente conseguiria vencer as dificuldades para o acesso às ordens sacras. Ars, um lugar desconhecido e, ainda hoje, pequeno aglomerado de casas. No entanto, a santidade de um pároco transformou-o em extraordinário centro de irradiação apostólica por toda a França e conhecido no mundo inteiro.

O padre, se autêntico, é um homem profundamente marcado pela fé. Participa das limitações e anseios da humanidade e, ao mesmo tempo, é alguém invadido pelo mistério de Deus. Esta opção fundamental de sua vida transborda em suas ações e caracteriza as atividades no plano temporal.

No decreto Presbyterorum ordinis (nº 2), o Concílio Vaticano II nos ensina: “O fim a que visam os presbíteros por seu ministério e vida é ocupar-se da glória de Deus Pai em Cristo. Consiste esta glória em aceitarem os homens a obra de Deus levada à perfeição por Cristo”.

Emerge desse quadro a complexidade de uma missão. Profundamente identificado com o meio de onde é escolhido, com uma destinação da mais alta relevância, não perde as características de fraqueza de seus irmãos. A eles deve trazer o remédio salvífico e, antes, utilizá-lo para si, a fim, de melhor capacitado, transmiti-lo aos outros.

O sacerdote é pedra de tropeço para quem não o vê em sua dimensão global, divina e humana. A incompreensão o acompanha e assume posições contraditórias no julgamento de muitos. Busca fazer nascer, ressurgir ou aumentar no coração do Povo de Deus o amor de Cristo, esforçando-se por construir uma comunidade viva. Para isso tem por critério a caridade pastoral.

Pela limitação própria e dos outros, esse pastoreio é muitas vezes mal interpretado, eivado de falhas, cuja correção é lenta, gradual e jamais completada.

Assim, entre o sacerdote e os fiéis, é imperioso haver íntima colaboração e ajuda. O cristão que apoia este ministério sagrado fortifica a própria ação do Redentor. Este age pelos séculos na concretização de sua obra, particularmente através dos ministros sagrados, cujo caráter sacerdotal não faz desaparecer as limitações terrenas.

Assim, a escassez de padres, o problema do chamamento de jovens à vida consagrada, é assunto que interessa a cada um de nós. A pastoral vocacional obriga a todos.

Seu fundamento é a prece, segundo a orientação do Mestre. Ao ver a messe grande e serem poucos os operários, ele diz: “Rogai ao Senhor da messe que envie operários à sua messe” (Mt 9,38). Às paróquias, às famílias, às escolas, aos indivíduos é destinada esta ordem.

Para facilitar as atividades vocacionais, “a pastoral vocacional deve empenhar a comunidade cristã em todos os seus âmbitos. Obviamente, no referido trabalho pastoral capilar está incluída também a obra de sensibilização das famílias, muitas vezes indiferentes se não mesmo contrárias à hipótese da vocação sacerdotal. Que elas se abram com generosidade ao dom da vida e eduquem os filhos para serem disponíveis à vontade de Deus!” (papa Bento XVI, Sacramentum caritatis, nº 25)

O êxito de todo este esforço, autenticamente evangélico, pede a cada membro da comunidade eclesial que assuma sua responsabilidade. Parte especial cabe aos próprios sacerdotes. O exemplo de uma existência inteiramente consagrada ao serviço do Senhor, no desprendimento dos bens materiais, na obediência – uma face oposta às facilidades do mundo – eis uma prova válida para a mocidade idealista aceitar o chamado do Mestre. O padre feliz vale por uma campanha!

Ele é o homem do sagrado. Esse mistério do eterno, que carrega consigo, deve transparecer. Aparentemente, as pessoas podem elogiar o ministro profano. Mas somente aquele que faz Cristo viver em seu modo de falar, de agir, de vestir, consegue levar a Deus os que vivem dele afastados. Mais do que os métodos de trabalho, dos predicados humanos vale a santidade de vida, extraordinário meio para transmissão da graça.

O Cura d'Ars é um exemplo vivo ainda em nossos dias. Ele nos questiona, aos padres de modo particular, mas também a toda a comunidade eclesial. Proclama alto o valor do ministro do Senhor para toda a sociedade.

Na verdade, continuam válidas as palavras do Mestre: o seu seguidor é o sal da terra e a luz do mundo. Interessa a todos conservar essa luz acesa, pois há trevas e insegurança. No ambiente que se decompõe, em meio à corrupção generalizada, goza de grande importância alguém que, por sua palavra e, melhor ainda pelo seu exemplo, seja elemento que conserva os fundamentos da moral.
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* arcebispo emérito do Rio
Fonte: JB online - 30/07/2010

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