terça-feira, 27 de julho de 2010

Precisamos de alguns chefes e professores incompetentes

Lucy Kellaway*

Durante a reunião final do ano escolar de minha filha, na semana passada, os alunos se despediram de uma professora que estava sendo substituída. A senhorita T era conhecida por sua debilidade na transmissão de conhecimentos; o novo diretor decidiu que faria mais sentido transmitir o cargo para alguém que soubesse de fato ensinar. Mesmo assim, as garotas subiram nas cadeiras e aplaudiram e gritaram. Elas adoravam a senhorita T. Ela era uma mulher querida e gentil, que já trabalhava na escola muito antes de as alunas nascerem. De todas as coisas que elas tinham contra o diretor que estava promovendo reformas, a demissão da professora era a mais imperdoável.

No fim de semana anterior, a diretora do Office for Standards in Education (Ofsted), o órgão do governo britânico que inspeciona o padrão das escolas e professores, havia afirmado que era preciso ter um professor ruim em cada escola primária. Previsivelmente, houve uma grita geral. Mas Zenna Atkins estava certa.

Precisamos ocasionalmente de um professor ruim. E mais do que isso: precisamos ocasionalmente de um administrador ruim e também de um trabalhador ruim. O ponto de vista de Atkins é o de que um professor ruim ensina as crianças a respeitarem a autoridade do cargo, mesmo que o encarregado não mereça respeito nenhum. Essa lição, observou ela corretamente, é útil mais tarde na vida. Lidar com idiotas com autoridade é uma habilidade necessária em todos os locais de trabalho e quanto antes ela for aprendida, melhor.

Ela também poderia ter usado outros argumentos. O mau ensino nos faz respeitar mais o bom ensino, uma vez que sem o ruim, o bom não significa nada. E o mais importante: os professores ruins encorajam os alunos a serem astuciosos. Tive sorte de ter professores ruins no ensino primário, uma vez que isso me preparou para Oxford, onde o mau ensino foi levado a um novo patamar. Na verdade, muitos dos professores que me "ensinaram" nem se preocupavam em esconder que faziam aquilo por fazer, de modo que não tive escolha a não ser aprender sozinha.

Nos escritórios, os argumentos a favor dos perdedores são ainda mais fortes. Trabalhar num lugar onde todos são excelentes seria um inferno. E também perigoso: veja só o que acontece nos bancos de investimento. Todas aquelas pessoas espertas e competitivas juntas, sem uns poucos perdedores para desencorajá-los de inventar derivativos tão complicados que ninguém conseguia entendê-los.

Também precisamos de trabalhadores ruins como meio de medida. O bom senso administrativo dita que todo mundo precisa se avaliar diante das melhores práticas. Na verdade, avaliar-se contra as piores práticas é uma ideia muito melhor: no fim das contas, ela leva você ao mesmo lugar, mas eleva o moral no processo. De fato, nada me estimula mais em certos dias em que estou tendo dificuldades para escrever, do que ler o texto ruim de um jornalista sem talento. Aí, me sinto como se fosse Marcel Proust, e as palavras começam a fluir.

No entanto, o argumento mais premente não é a necessidade de as organizações terem alguns administradores ruins ou as escolas terem alguns professores ruins. Existe um grande excesso de oferta de perdedores em todas as situações da vida; o problema é o que fazer a respeito.

Há várias opções. A primeira é tentar, por meio de treinamento e uma mistura de recompensas e punições, converter perdedores em não-perdedores. Isso é admirável, mas um trabalho duro quando as chances de sucesso são pequenas. A característica que define um verdadeiro perdedor é que ele ou ela resiste, resoluto(a), em melhorar.

A segunda opção é se engajar na limpeza étnica dos trabalhadores fracos e problemáticos e demitir os 10% piores todos os anos. Esse sistema se tornou famoso por Jack Welch, mas ele é tão detestável que hoje nem mesmo a General Electric o usa com a religiosidade do passado.

A terceira opção é encontrar uma saída para a situação, demitindo alguns funcionários ruins e tolerando o resto. Isso é o que a maior parte das empresas acaba fazendo, mas o problema é que elas não fazem isso bem. Elas não descobriam o princípio que minha filha e suas colegas aprenderam na despedida da professora: livrem-se dos perdedores repulsivos se quiserem, mas mantenham os agradáveis.

Dois anos atrás, li um artigo na "Harvard Business Review" que dizia que as pessoas agradáveis são valiosas porque mantêm as equipes unidas. O artigo constatava que todos nós preferimos o tolo agradável em detrimento do idiota incompetente.

Mas há outro motivo para que sejamos gentis com o tolo agradável. Faz com que todos se sintam melhores. Quando vejo alguém que é incompetente e se agarra de maneira brutal a um bom emprego, isso me deixa irritada com meu empregador por má administração. Mas quando eu vejo alguém que não tem jeito, mas é amável, sendo colocado em um cargo em que não representará perigo, isso me faz concluir que meu empregador tem bom coração e que o mundo não é um lugar tão ruim, afinal.
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* Lucy Kellaway é colunista do "Financial Times". Sua coluna é publicada às segundas-feiras na editoria de Carreira
Fonte: Valor Econômico online, 26/07/2010

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