O psiquiatra Fernando Grilo Gomes* analisa que as diferentes visões do motorista gaúcho sobre si e sobre os outros estão na dificuldade das pessoas de reconhecer seus defeitos.
Para o especialista, as pessoas se sentem poderosas dentro de seus carros, o que leva ao sentimento de superioridade e de pouca cordialidade sobre os demais envolvidos no trânsito. Ontem à noite, ele conversou por telefone com Zero Hora:
Zero Hora – Por que as pessoas se consideram bons motoristas e veem os outros como ruins?
Fernando Grilo Gomes – As pessoas sabem que têm defeitos, mas costumam colocá-los fora de si. O motorista tem dificuldade para identificar e assumir seu comportamento errado e sua agressividade no trânsito. Por isso, a tendência é colocar a responsabilidade nos outros. O problema é não perceber que esse comportamento coloca a própria vida e a das outras pessoas em risco. E não é só no trânsito, é em todas as atividades da vida que isso acontece.
ZH – Por que algumas pessoas se transformam quando estão ao volante?
Gomes – Como diz uma frase conhecida, para conhecer uma pessoa, dê poder a ela. Dentro de um carro, as pessoas se sentem poderosas. Com a potência do carro, é como se pudessem mostrar toda a sua superioridade sobre as demais. Então, transformam o ato de dirigir numa competição em vez de uma condução propriamente dita.
ZH – Então a vida que as pessoas levam nas outras atividades da vida se relaciona diretamente com a forma como elas agem no trânsito?
Gomes – Certamente. Esses motoristas que se expõem ao perigo normalmente não têm como mostrar essa parte agressiva e instintiva a não ser no trânsito, onde isso costuma aparecer.
ZH – E onde se encontra a explicação para a falta de cordialidade no trânsito?
Gomes – Porque dirigir se transforma numa competição. A parte racional do dirigir fica fora do primeiro plano, então o motorista vê o outro não como alguém com quem se divide o mesmo espaço, mas como um inimigo. Um inimigo que tu tens de superar e vencer. E a cordialidade, claro, desaparece. É como num jogo de futebol, em que se vê jogadores amigos, que se abraçam, se cumprimentam, mas na hora que o jogo começa, sai da frente. Aí é cada um por si.
ZH – De que forma esse clima de animosidade se reflete nas outras atividades, acaba tendo mais reflexos negativos?
Gomes – No esporte aparece, como falei. O trânsito se presta mais para isso em função da máquina, porque ali não é a força do homem. A força fica representada pela máquina que ele está dirigindo. Então, alguém que se sente fraco pode superar o outro por ter uma máquina mais potente, mais veloz, por ser mais audacioso.
ZH – Como é possível mudar o comportamento dos motoristas para se ter um trânsito mais seguro?
Gomes – Tem duas coisas fundamentais. Uma é a educação para o trânsito, a prevenção disso. Mas educação não é só na escola, mas também dentro de casa. Os pais têm papel fundamental pelo exemplo que eles dão. Não adianta dizer para o filho “não ultrapassa o sinal vermelho” se ele dirige e ultrapassa. E a segunda coisa que considero importante é a punição. Acho que, nós homens, ainda conseguimos viver em sociedade porque há um limite. O que a gente vê, infelizmente, é uma impunidade muito grande. Então, o motorista comete infração e se envolve em acidentes e vemos que não é punido. Infelizmente, a nossa lei está falhando nesse sentido.
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*Fernando Grilo Gomes, membro da Associação de Psiquiatria do Rio Grande do Sul e professor da UFRGS. Membro da Associação de Psiquiatria do Rio Grande do Sul
Fonte: ZH online, 24/07/2010
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