quinta-feira, 22 de julho de 2010

Divórcios contagiosos

CONTARDO CALLIGARIS*


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Se casais fogem de amigos recém-desquitados,
é porque separações e divórcios
são contagiosos

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MUITOS RECÉM-SEPARADOS se queixam (com razão) de que sua relação com os amigos de antes não é mais a mesma. Não é tanto porque, diante de uma separação ou de um divórcio, os amigos se dividiriam em dois times opostos. Isso é raro.

Mais frequentemente, os casais que eram próximos do casal que se separou tendem a evitar qualquer um dos recém-separados.

Às vezes, os desquitados entendem seu afastamento como uma condenação moral por eles terem se separado. Isso lhes resulta intolerável, vindo de amigos que, em muitos casos, foram confidentes ao longo do drama da separação.

Outras vezes, os desquitados entendem que os casais de amigos, ao se afastarem deles, protegem-se contra alguma tentação erótica. É o cúmulo, eles dizem: se a simples aparição de um desquitado ou de uma desquitada é suficiente para ameaçar o casamento, talvez devessem fazer como a gente, separar-se.

Uma pesquisa recente, de R. McDermott, J. Fowler e N. Christakis (http://migre.me/Y90v), mostra que os casais talvez tenham alguma razão quando decidem fugir dos amigos desquitados, pois separações e divórcios não são apenas dramas privados (que afetam o casal e seus rebentos), mas são também fenômenos coletivos porque, curiosamente, eles são contagiosos.

Os autores da pesquisa usaram o banco de dados de um estudo (originalmente sobre o risco de doença cardíaca) que acompanha a população de Framingham, EUA, desde 1948. Para a segunda geração de pesquisados (5.124 indivíduos), entre outras informações, continuam sendo anotadas, a cada dois anos, as diferentes listas dos que cada um identifica como seus amigos, parentes, vizinhos e colegas. Obviamente, muitos dos que são indicados nas listas fazem, eles mesmos, parte da amostra da pesquisa.

Recortando os dados, os autores constataram que as chances de um indivíduo se divorciar aumentam em 75% quando ele se relaciona diretamente com alguém que está se divorciando ou acaba de se divorciar. Quando o desquitado está a dois graus de separação (ou seja, é o amigo de um amigo), o efeito é menor, mas permanece: as chances de nosso indivíduo se divorciar aumentam em 33%.

Será que a causa disso seria a ruína que a sedução erótica exercida pelos desquitados levaria ao casamento dos outros? Ou será que os próximos que se divorciam nos parecem mais alegres e nos tentam com a imagem de sua nova vida? Uma leitura atenta da pesquisa permite afinar a explicação.

De fato, o aumento de 75%, que mencionei antes, é a média dos efeitos diferentes produzidos pelo divórcio de amigos, parentes, colegas e vizinhos. Quando o "amigo" de alguém se divorcia, a probabilidade de esse alguém também se divorciar dentro de dois anos aumenta em 147%. E, no caso do divórcio de parentes, colegas e vizinhos, quase nada acontece. Em outras palavras, o "contágio" do divórcio funciona mesmo entre amigos e, fato significativo, numa direção apenas: o divórcio se transmite de quem é identificado como amigo para quem assim o identifica. Explico.

As relações de amizade registradas pela pesquisa são, em grande parte, não recíprocas: os que fulano indica como seus amigos não indicam fulano como amigo deles. Entende-se que muitos identificam como "amigos" não seus reais companheiros de cada dia, mas indivíduos que eles admiram, que eles gostariam que fossem seus amigos.

Esse tipo de "amigo", idealizado (e duvidoso), é sempre o porta-estandarte de nossos devaneios. Se ele se divorciar, será, automaticamente, para nós, o exemplo (tentador) da felicidade livre e solteira à qual receamos ter renunciado.

Pouco importa que, eventualmente, o tal amigo lamente amargamente a solidão; preferiremos pensar que ele está vivendo um de nossos sonhos frustrados. Invejá-lo é a revanche contra o que não dá certo (e sempre há algo que não dá certo) em nosso casamento. Invejá-lo e, quem sabe, querer imitá-lo.

Moral da história. Para preservar seu casamento, não é preciso afastar seus amigos recém-separados. Basta (e é mais saudável) parar de identificar como amigos indivíduos que não incluiriam você na mesma categoria.
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* Psiquiátra. Escritor.
Fonte: Folha online, 22/07/2010

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