quarta-feira, 28 de julho de 2010

Família: ataque científico

ANDRÉ GONÇALVES FERNANDES*


A união conjugal decorrente do matrimônio tem uma antropologia implícita: diversidade sexual, igual dignidade dos cônjuges, complementaridade e abertura à procriação, alimentada pela natural atração entre homem e mulher e sobre a qual se articula a livre vontade de ambos, fundada pelo amor e não pela simples afetividade, à doação e aceitação mútua.

O amor sustentado sobre o matrimônio não se limita a uma mera expressão de afetividade ou à volatilidade e o tumulto das emoções. Aliás, o amor humano pleno, em quaisquer de suas formas, não somente no amor esponsal, é oblativo. Não me parece possível que a justaposição de dois egoísmos possa engendrar algum tipo de amor, ao menos digno de tal nome.

O amor matrimonial demanda o compromisso aberto à transmissão da vida, donde decorre que a sexualidade, neste âmbito, não é singelamente um dado fortuito, nem somente uma maneira alternativa pela qual os esposos podem canalizar seu apetite sexual com exclusividade.

Às vezes, o casal não pode conceber de forma natural. Nesse caso, a ciência em muito colabora para a superação deste revés, quando estabelece técnicas de reprodução que preservem a dignidade humana. Ou ainda, quando a ciência, de mãos dadas com a ética natural, preserva a natureza do ato conjugal e do matrimônio. Certamente, as tecnologias reprodutivas da fecundação in vitro, da mãe de aluguel e da inseminação artificial atentam diretamente contra estes princípios.

Na fecundação in vitro, deu-se um passo atrás: por imperativos técnicos, produzem-se mais embriões do que o necessário para uma eventual transferência para o útero. Há um excedente de embriões congelados, os quais podem servir para a experimentação científica (em prol do “progresso da ciência”), estudo científico (do DNA, a fim de corrigir um patrimônio genético alterado que servirá como terapia de aberrações cromossômicas ou de doenças genéticas) ou mesmo fazer companhia a instrumentais cirúrgicos dentro do mesmo saco de lixo hospitalar...

A mãe de aluguel, não raro com nome e sobrenome nas revistas de consultórios ou de cabeleireiro, mediante pagamento (em regra), desenvolve até o fim, por conta de terceiros, a gestação de embriões fecundados in vitro com óvulo e esperma de um casal. O útero materno é substituído por outro e a “mãe substituta” fica intimamente ligada ao filho por vínculos de estreita comunicação biológica na gestação. Manipula-se a corporeidade do filho, uma espécie de “frankenstein” biológico formado pela carga genética do casal e pelo sangue, nutrição e comunicação vital intra-uterina da mãe “alugada”.

A inseminação artificial, quando o sêmen é de um doador (terceiro e, às vezes, parente), favorece a eugenia, porque se escolhe alguns zigotos (os mais perfeitos entre aqueles já fecundados in vitro), que são implantados no útero, já devidamente preparado para acolhê-los.

Assim, consegue-se um grau considerável de sucesso na gestação e, se todos vingarem, o casal, que pretendia ter um filho apenas, ainda pode “desistir” do restante dos quadrigêmeos em formação, solicitando ao médico a prática da “redução de embriões”, ou seja, o aborto do “excedente”.

Estes métodos têm, em comum, o desrespeito à unidade do matrimônio, à dignidade da procriação da pessoa humana e à unidade parental física, psíquica e biológica. Em relação à família, tais efeitos corrompem toda a relação humana, na qual se constitui e se define a vida familiar. As crianças, podendo ser concebidas fora do corpo, do ato sexual conjugal e do amor, serão o resultado de uma mera manipulação genética que, a longo prazo, tornará a família um sistema ultrapassado de procriação.

Cada novo poder conquistado “pelo” homem é, ao mesmo tempo, um poder “sobre” o homem. Cada avanço o deixa mais forte e, ao mesmo tempo, mais fraco. Em toda conquista da natureza pelo homem, há uma certa beleza trágica: o homem é o general que triunfa e, ao mesmo tempo, o escravo que segue o carro do exército vencedor (C. S. Lewis).
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*André Gonçalves Fernandes é juiz de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Sumaré
Fonte: Correio Popular online, 28/07/2010

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