segunda-feira, 26 de julho de 2010

Fronteiras abstratas

Ariel Jiménez Curador da exposição “Desenhar no Espaço”

 Composição nº 5” (1954), de Lygia Clark

Para Ariel Jiménez, 52 anos, a exposição Desenhar no Espaço, na Fundação Iberê Camargo, será uma oportunidade para uma descoberta mútua. A arte abstrata brasileira e venezuelana se reconhecem pelas afinidades. Mas, talvez devido à herança pós-colonial, ainda hoje os latino-americanos preferem direcionar suas atenções para a Europa ou para os Estados Unidos em vez de mirar seus vizinhos continentais. Curador-chefe da Coleção Patricia Phelps de Cisneros, da Fundação Cisneros, e mestre em História da Arte pela Universidade de Paris 1 – Panthéon Sorbonne, Jiménez explica o conceito da exposição que será inaugurada esta semana e defende que se deve repensar a história da arte no continente.

Zero Hora – Por que a abstração geométrica aparece na arte de apenas alguns países da América do Sul?
“4 Planos Rojos” (1967), de Gego
ENQUANTO A MAIORIA DOS ARTISTAS da exposição utiliza técnicas
que eliminam o rastro manual das obras,
pois aspiram à modernidade e ao progresso,
Gego e Mira Schendel optam por metáforas orgânicas,
nas palavras do curador.
De origem judaica, ambas fugiram da Europa durante a II Guerra.
 Vêm, portanto, sem a necessidade de legitimação dos centros artísticos,
pois foi lá que tiveram suas formações um contexto no qual a modernidade já era uma realidade.

Ariel Jiménez – Entre outros motivos, o Brasil, a Venezuela e a Argentina, onde isso ocorre, são mais abertos à Europa, inclusive do ponto de vista geográfico: estão na costa leste, de frente para o oceano Atlântico. O rechaço à abstração geométrica no Peru ou no México indica que suas necessidades são diferentes. Há uma vinculação maior com seu passado pré-colombiano. Já os movimentos abstratos começam como uma vontade clara de vinculação com a Europa.

ZH – Qual é a posição do abstracionismo na arte do Brasil e da Venezuela?
Jiménez – É uma posição central. Diria que é impossível entender a arte brasileira ou venezuelana na segunda metade do século 20 sem levar em consideração o impacto do movimento abstrato. Qualquer artista contemporâneo destes países teve necessariamente uma relação de proximidade ou oposição à arte abstrata dos anos 1950 e 1960.

ZH – O que se pode depreender da comparação entre as obras brasileiras e as venezuelanas na exposição que chega a Porto Alegre?
Jiménez – O fascinante, para mim, é compreender como alguns destes artistas partiram das mesmas referências artísticas históricas, como Mondrian e Malevich – frequentemente das mesmas obras, como o Quadrado Branco sobre Fundo Branco (1918), de Malevich –, mas as perceberam sob aspectos diferentes. Isso se vê claramente no diálogo proposto pela exposição.

ZH – Como a mostra está estruturada?
Jiménez – São três eixos. O primeiro mostra o que ocorre com o corpo material da obra (a tela, a moldura etc.) quando ela se abre para o espaço e passa a estabelecer uma relação com o espectador. O segundo eixo é um diálogo sobre a utilização da cor. Percebe-se, nesse caso, que os venezuelanos se preocupam mais com a luz, e os brasileiros, com a materialidade das cores. O terceiro e último eixo da exposição coloca lado a lado artistas que vieram da Europa fugindo da II Guerra – Gego para a Venezuela e Mira Schendel para o Brasil. Nessa parte, diferentemente das outras, encontramos mais proximidades do que diferenças.

ZH – As premissas das vanguardas têm suas referências na Europa. Seria preciso repensar a história da arte de modo que a produção latino-americana não seja vista apenas como uma manifestação tardia destes movimentos?
Jiménez – Desde jovens, costumamos ler abordagens da arte que nos excluem. Em A História da Arte, de Gombrich, que é um best-seller, a América Latina é referida apenas no mundo primitivo. Praticamente todas as histórias da arte foram feitas na Europa ou em uma perspectiva europeia. São registros que entendem que a produção artística latino-americana seria dependente do que é feito lá. De fato, nossas sociedades surgiram daquele continente, nossos idiomas são europeus e nossa religião é europeia. Tudo isso ganha características locais, que alguns veem com desprezo, mas nós devemos encarar com respeito. Assim, a exposição é uma tentativa – pequena, minúscula, mas ainda assim uma tentativa – de apresentar estas diferenças com a importância que têm para nós, sem desprezar a relação com suas origens europeias.
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Por FÁBIO PRIKLADNICKI
Fonte: ZH online, 26/07/2010

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