terça-feira, 27 de julho de 2010

Marçal Aquino, escritor em entrevista

'No juízo final eu gostaria de entrar na fila dos escritores.
Só a literatura me justifica', diz

Foto: Renato Parada/Divulgação
Um dos autores do seriado 'Força Tarefa' tem dois livros
sendo adaptados para o cinema e
vai lançar no ano que vem
 'Como Se o Mundo Fosse Um Bom Lugar'.

SÃO PAULO - A biblioteca da casa do escritor Marçal Aquino ganhou ares de casa de boneca. Uma cama coberta por colcha em tom bebê abriga ursos de pelúcia sentados de frente para 3 mil livros. É assim desde que ele passou a dividir seu sobrado na Vila Mariana, em São Paulo, com a única filha, Alice, 17 anos. Enquanto ela estuda ou pratica cosplay (fantasiar-se de personagens de mangá, por exemplo) ele se isola no escritório, que fica no quintal - "o melhor dos mundos, onde bate sol ou a chuva cai". Lá, ele e Fernando Bonassi escrevem o seriado Força-Tarefa, da TV Globo, que caminha para a 3ª temporada. Com mais de dez livros publicados, dois deles namoram, no momento, com o cinema. Cabeça a Prêmio estreia dia 6 e Eu Receberia as Piores Notícias dos Seus Lindos Lábios começa a ser rodado dia 9, no Pará, por Beto Brant.

Está acompanhando a produção de Eu Receberia...?
Devo visitar o set no Pará, mas agora é com o Brant. Os personagens agora são dele, não tenho ciúmes. Literatura é uma coisa, cinema é outra. Nunca saí do cinema pensando que o livro era melhor que o filme.

O seriado Força-Tarefa vai para a 3ª temporada. Sente preconceito quando passou a escrever para a TV?
Algumas pessoas ironizam. Eu ouço e recebo com ironia também. Muita gente acha que quem escreve para TV é vendido, mas não imagina o trabalho que dá. No cinema, você rubrica no roteiro: "Fulano dá três tiros". E o produtor fala: "Dois, que é pra economizar". É um privilégio escrever que um carro vai explodir e saber que a Globo vai fazer isso bem. Mas, no juízo final eu gostaria de entrar na fila dos escritores. Só a literatura me justifica.

Você escreve roteiro, colabora com jornais e revistas... já conseguiu viver só de literatura?
Nunca. Recebi dinheiro com livros, claro, mas não dá para sobreviver porque é uma atividade irregular. Mas tenho liberdade para escrever quando quiser e sobre o que quiser. O mercado quer história de vampiro? Paciência, eu não tenho.

É a favor de bolsa para escritor?
Respeito essa luta, mas não me encaixo nela. No lugar de dar bolsa para escritor, deveriam dar bolsa para leitores.

Você saiu de Amparo, interior de São Paulo, com 27 anos. É famoso por lá?
Será? Em termos de filhos ilustres, o Luisão, que foi zagueiro da seleção, é bem mais pop do que eu. Quantas pessoas se interessam por literatura?

O seu juvenil A Turma da Rua 15 costuma ser adotado nas escolas. Como vê a formação de leitores no ensino público?
Por dez anos visitei colégios dando palestras sobre o livro. Vi uma derrocada geral do ensino. Vi muita gente dando aula porque não conseguiu vencer em outra coisa. Para criar leitores é preciso uma aproximação diferente dessa de fazer o livro valer nota. Pedir Dom Casmurro na prova pode fazer o aluno crescer com raiva de Machado de Assis. Veja isso, o livro juvenil traz dentro um guia de trabalho com exercícios de apreensão. A coisa é tão vagabunda que o do professor já vem respondido e ele nem tem que se dar ao trabalho de ler. E muitos não leem. Ficava escandalizado.

O livro Eu Receberia... está disponível para download na internet. A pirataria te incomoda?
Sonho com um país cheio de pirataria de livro (risos). Adoraria ver um meu na banquinha. O importante é a literatura andar.

Nosso corpo de escritores está bem representado na atual formação da ABL?
Nem sei quem são todos os acadêmicos. Pessoalmente, não tenho nenhum interesse. Até é representativo, o erro é pensar que só aquilo é a literatura brasileira. Ou pensar que não é. Tem escritores maravilhosos e que eu leio como o João Ubaldo Ribeiro, a Lygia Fagundes Telles...

O Sarney...
O Sarney não é escritor, né? Nem gosto de falar isso porque não gosto de atacar os outros. Ler Sarney não está no meu campo de interesse, com todo respeito. Mas não criticaria.

Tem também o Paulo Coelho...
Taí outro exemplo. Muitos dizem que ele não é escritor. Como não é? O cara vende livro pra c*. Mas tenho o direito de não ler, assim como não li Proust. Aliás, o Paulo tem um livro maravilhoso que ele renega chamado Arquivos do Inferno. Ou seja, ele sabe escrever, evidentemente.

Sua família tem tradição literária?
Não. Dia desses meu irmão disse que havia lido e gostado do meu último livro, mas só não sabia de onde eu havia tirado aquela história. Respondi que do mesmo lugar de onde tirei as outras. E ele disse: "Não, não, as outras fui eu que te contei". Venho de uma família capaz desse tipo de maluquice. Quando disse que queria escrever livros meu pai me deu um ótimo conselho: "Arrume algo para fazer e seja escritor".

Como será seu novo livro?
Vai se chamar Como se o Mundo Fosse um Bom Lugar, devo lançá-lo no ano que vem. É sobre uma derrocada familiar. Eles tinham poder no crime, mas por conta de uma paixão, desmoronam. O velho patriarca apaixona-se por uma menina de 18 anos. Mas não pode viver o amor porque é um italiano extremamente católico que tem que esperar sua esposa doente morrer.

E a menina gosta dele?
Gosta, sim. Mas gosta de outras coisas também. Ela é periférica, do Parque Novo Mundo. Ela enxerga nesse romance uma chance de ascensão social.

Os ingressos para a Flip se esgotam rapidamente. Acha que é um evento democrático?
As pessoas tendem a enxergar como a coisa comercial como se isso fosse ruim. Não vejo assim. Livro é produto, tem que vender. O evento está super democrático. Se houver interesse em ouvir a mensagem do escritor, há telões no evento. Claro, tem muita gente que vai lá para sair com balãozinho do Mickey.

Qual dos candidatos à Presidência daria um bom personagem para um livro seu?
Uau.. os três. Mas acho que a Marina porque ela acredita no mistério. Não por ser evangélica, isso dispenso. Mas por ser ligada às coisas da terra. O Serra e a Dilma são pragmáticos, deve ter pouco espaço para a poesia na cabeça deles.
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Reportagem:Por Débora Bergamasco
Fonte: Estadão online, 26/07/2010

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