Marcelo Barros*
À medida que aceitamos e partimos de nossas limitações,
é que mais podemos caminhar e crescer
As empresas procuram a otimização de seus quadros e as escolas melhor nota para seus alunos e professores. Adolescentes somam pontos no ENEM para ser aprovados nas universidades. E é sempre maior o número de pessoas, jovens e adultas, que, constantemente, correm atrás de concursos para garantir um emprego, cada vez menos certo e mais precário. Pela Declaração Universal da ONU (1948), todo ser humano teria direito a um trabalho remunerado e digno. Apesar disso, a sociedade se considera mais avançada, à medida que garante mais lucros e com o mínimo número possível de assalariados.
Neste tipo de mundo, a pessoa tende a se sentir frustrada consigo mesma, quando não consegue ser genial ou não alcança a perfeição “necessária” para vencer na vida. De alguma forma, todos nós somos vítimas de uma “psicologia da perfeição”. Sonhamos com o sucesso. A família na qual crescemos, a escola na qual recebemos educação e até igrejas e religiões nos apontam um ideal de perfeição. Em todos os campos da vida, devemos não só vencer, mas aparecer como vencedores. Sentimo-nos tristes e frustrados, quando lidamos com nossos limites. O próprio fato de alguém reconhecer que é limitado soa como uma confissão de culpa. Não sabemos o que fazer com nossos limites físicos, psicológicos e morais. Mesmo quando teoricamente reconhecemos nossos limites, no concreto da vida, somos tentados a desconhecê-los e a sempre procurar ultrapassá-los.
É bom não nos prendermos em um conformismo estreito ou uma mediocridade sem horizontes. Faz parte de nossa natureza sempre alçar vôo e almejar alturas, sejam espirituais, sejam de outra ordem. Entretanto, exatamente, para que realizemos esta vocação de uma busca permanente da elevação espiritual, um instrumento importante é o que os místicos antigos chamavam de “humildade”. A cada ano, no 11 de julho, a Igreja Católica celebra a memória de São Bento, monge que viveu no século VI e teria escrito uma regra de vida para monges e monjas. Nesta regra, ele dedica um dos mais importantes capítulos à humildade. Em sua concepção, humildade vem de húmus, solo da terra. Humilde é quem se mantém com os pés na terra e não se pretende ou imagina aquilo que não se é. Humildade seria, então, quase sinônimo de veracidade interior e simplicidade de coração em conviver com suas limtações. Um quadro artístico tem limites definidos por sua moldura e ninguém considera isso negativo. Um rio tem margens que o limitam. Um rio sem margens pode ser perigoso para quem vive ao seu redor. Os animais já nascem com uma capacidade inata. O pássaro voa, o peixe nada, o cabrito corre. Ao contrário, o ser humano nasce nu e carente. Não anda, não fala e não sabe se defender. São Tomás de Aquino definia o ser humano por sua profunda fragilidade e sua carência ontológica. Precisa do outro (mãe, pai ou alguém que o proteja) para sobreviver e se tornar plenamente pessoa humana. A perspectiva do limite reorienta a pessoa para o que ela realmente é. Justamente, à medida que aceitamos e partimos de nossas limitações, é que mais podemos caminhar e crescer.
De certa forma, na vida humana, o erro constitui a matéria prima para uma transformação permanente. O erro pode dar lugar a numerosos recursos. Na Bíblia, o livro do Êxodo diz que “Deus não levou o povo de Israel da escravidão para a terra da liberdade por um caminho reto, mas o fez dar muitas voltas no deserto, durante 40 anos, até encontrar o caminho justo” (Ex 13). Na tradição judaica, os rabinos interpretam que isso significa que todo ser humano tem direito a alguns erros e desvios na vida até encontrar o rumo correto. É preciso não apenas aceitar, mas assumir, acolher e abraçar os próprios limites.
Só lida de forma bondosa e magnânima com o outro quem não rejeita ou ignora os próprios limites. Quem não se assume como ser limitado dificilmente tolerará o limite das outras pessoas. Uma das características das ditaduras e dos regimes como o nazismo é mascarar os limites humanos e eliminar as pessoas nas quais eles não possam ser escondidos. Pessoas com deficiências físicas e mentais eram eliminadas. E o ideal era se ser sempre jovem, belo e perfeito. Será que a idolatria do mercado não nos leva um pouco a este tipo de modelo?
Para se exercitar a compaixão pelo ser humano, é preciso se compreender frágil e ontologicamente pobre. Para quem é cristão, é sempre atual a recordação do apóstolo Paulo que se sentiu extremamente ferido por alguma fraqueza pessoal. Ele a chamou de “um anjo de Satanás que me golpeou”. E confessa: “Três vezes pedi a Deus que me livrasse daquilo, mas ele me respondeu: Basta-te a minha graça. É na tua fraqueza que se revela a minha força. Então, me orgulho das minhas fraquezas, (dos meus limites), para que habite em mim a força do Cristo” (2 Cor 12, 7- 10).
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*Marcelo Barros é monge benditino.
*Marcelo Barros é monge benditino.
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