sexta-feira, 30 de julho de 2010

A democracia no balcão

Torquato*


Quanto custa a democracia? Depende. Numa sociedade de cultura política desenvolvida, o custo é diferente do de nações onde as instituições políticas e sociais ainda estão em processo de consolidação. O grau de desenvolvimento de um povo é boa régua para aferir a qualidade de um sistema democrático. Sob essa hipótese, pode-se garantir que, quanto mais elevado o grau civilizatório de um povo, mais forte e menos custosa será sua democracia.

Na ciência dos comportamentos políticos e sociais, porém, as questões não podem ser simplificadas. Não se pode esquecer que a nova disposição do mundo, abrigando amplas conexões e integração de interesses, passa a ser fator essencial na avaliação da ordem democrática de países centrais e periféricos.

Os norte-americanos, por exemplo, quando avaliam a eficácia de sua democracia, levam em conta a influência que geram em outros espaços, conformando-se até com o fato de que ela começa a corroer o bolso. Veja-se a conta que pagam: US$ 1,15 trilhão para arcar com os custos das guerras no Afeganistão, no Iraque e em outras regiões do mundo. A fabulosa quantia só é menor que os US$ 4,1 trilhões gastos na Segunda Guerra Mundial.

E quanto custa a democracia brasileira? Impossível fechar a planilha. É razoável apontar uma tendência a partir de dados que se conhecem: nossa democracia vem subindo de preço. Como não somos uma nação-império, que tem de arcar com as despesas de outros (excetuando-se o perdão concedido a débitos de países africanos e um ou outro nas proximidades), a conclusão é que os buracos no tecido democrático são feitos aqui mesmo e por conta dos nossos padrões democráticos. Há maneiras diferentes de avaliar o rombo.

Dentre elas estão gastos excessivos com estruturas públicas nas três instâncias da Federação; o adensamento das massas funcionais; a multiplicação de municípios; a sempiterna disposição de expandir o número de Estados (tramitam projetos para a criação de mais três entes federativos); os excessivos dispêndios com a burocracia inoperante; o superfaturamento de obras, ilícito que já se encaixou na rotina da administração; a ausência de planejamento com metas para os serviços públicos... Não é de admirar que esse conjunto mal-ajambrado se reflita no desenvolvimento do país, a partir da distorção na taxa de poupança nacional em relação ao PIB, que em 2009 foi de apenas 14,6%, baixa em comparação com outros países. Basta lembrar que a taxa de poupança da China é de 40% do PIB. Anote-se ainda que os chineses não são bom exemplo de democracia.

Há, porém, em nosso território, um nicho que faz relação direta com o ideário democrático. Trata-se do sistema eleitoral. Para representar o povo, políticos se engalfinham numa disputa que se torna a cada ciclo eleitoral mais acirrada e competitiva. Assim, a escolha da representação, que constituía dever de honra no berço da democracia, a velha Grécia dos grandes filósofos, transforma-se em negócio dos mais rentáveis.
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*Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP e consultor político e de comunicação.
Fonte: Correio Popular online, 30/07/2010

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