O ex-ministro Roberto Mangabeira Unger (foto) afirma que suas idas à Argentina têm como objetivo estimular discussões para construir "um novo modelo de desenvolvimento", que extrapola as fronteiras nacionais. Por isso, ele se diz à vontade nos contatos com a elite política argentina.
Enquanto esteve no governo Lula, entre 2007 e 2009, manteve diálogo com os principais assessores da presidente Cristina Kirchner. Depois, passou a conversar só com a oposição. "Não estou fechado a esses contatos, pelo contrário. Mas os ministros de Estado estão ocupados com outras questões", afirma. Na semana passada, Mangabeira falou ao Valor por telefone, dos EUA. (DR)
Valor: Como tem sido a sua atuação na Argentina?
Roberto Mangabeira Unger: A discussão doutrinária faz parte do meu trabalho, não só no Brasil, mas mundo afora. Considero importante e legítimo participar do debate programático em todo o mundo, e a América do Sul é um caso especial. Meus interlocutores argentinos têm sido extremamente generosos. O próprio fato de eu ser um estrangeiro na Argentina, sem fazer parte de nenhum partido e sem pretensões a nenhuma fatia de poder, facilita essa ação. Não sou uma ameaça a ninguém, estou numa ação completamente desinteressada, com uma grande admiração pela Argentina e convicção sobre a convergência dos nossos destinos nacionais.
Valor: Vários de seus interlocutores são presidenciáveis nas eleições de 2011. Esse relacionamento pode avançar para uma participação efetiva nos programas de governo deles?
Mangabeira: O meu foco é o processo eleitoral no Brasil. Vou fazer tudo o que puder para ajudar a campanha de Dilma Rousseff e o meu partido, que é o PMDB. Na Argentina, estou numa posição diferente. A minha tarefa não é assessorar candidatos, mas provocar uma discussão de projeto nacional e sul-americano, estimular um movimento de ideias. A última ocasião em que tivemos algo semelhante na América do Sul foi com o desenvolvimentismo das décadas de 60 e 70, com Raúl Prebisch e Celso Furtado. Devo dizer que o movimento atual é mais amplo porque está focado não apenas em questões de política econômica, mas na reconstrução das instituições econômicas e políticas.
Valor: Que impressões o sr. tem da política argentina?
Mangabeira: É uma cultura política que tem a virtude de partidos fortes, mas o defeito de um sectarismo que ameaça envenenar a construção de um projeto nacional. A história argentina tem uma alternância entre políticas transformadoras anti-institucionais (dos peronistas) e políticas institucionais antitransformadoras (radicais).
Valor: O sr. fala muito de um novo modelo de desenvolvimento, e é com termos parecidos que o casal Kirchner classifica o modelo argentino atual. O sr. concorda?
Mangabeira: O meu foco não é crítica, é proposta. Mas tenho sido muito franco nas minhas discussões. Assim como nós, brasileiros, os argentinos têm que resistir às tentações de certos atalhos. Uma delas é a tradição justicialista de tributar o excedente econômico da agropecuária para dirigi-lo às classes urbanas. Isso é uma maneira de não enfrentar um problema mais profundo de reconstrução do poder econômico. Em segundo lugar, há o atalho político de apelar ao personalismo, em vez de reconstruir as instituições democráticas.
Valor: Como o sr. vê a paralisia que tomou conta do Mercosul?
Mangabeira: Falta ao Mercosul um projeto comum. A construção sul-americana não pode ser apenas comercial. Ela só se afirmará quando houver algo que transcenda as preocupações mercantis. A União Europeia repousa sobre dois grandes pressupostos: por fim às guerras europeias e ser um espaço neutro, uma forma diferente de organização da dos EUA. Ainda nos falta algo dessa dimensão. Aqui, o equivalente a isso é a construção comum de um novo modelo de desenvolvimento, calcado em democratização de oportunidades econômicas e educativas, aproveitando o fenômeno social mais importante das últimas décadas nos nossos países: o surgimento de uma segunda classe média empreendedora e o desejo da maioria pobre de seguir nessa vanguarda de emergentes. Essa novidade social representa a base para um novo projeto.
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Fonte: Valor Econômico online, 22/07/2010
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