Não é só para o grande público que Michael Jackson era uma referência. O cantor dava sinais de reverenciar a própria figura em diversas formas (o que, para muitos, foi o motivo de tantas transformações). O fotógrafo David LaChapelle percebeu este lado narcisista do astro ao visitar o rancho Neverland. Havia lá um quadro com uma curiosa imagem: Michael vestido de cavaleiro, cercado por figuras angelicais. Foi então que ele teve um insight: Michael Jackson era um mártir. Uma forma contemporânea de mártir.
O fotógrafo, que começou a trabalhar com a família Jackson nos anos 80, retratando o início da carreira de Janet Jackson, passou alguns meses na criação de trabalhos inspirados em Michael. O resultado é uma exposição que acaba de ser inaugurada em Nova York, na Paul Kasmin Gallery, intitulada American Jesus (em português: Jesus americano).
O título da mostra não é a única polêmica. As imagens retratam Michael como uma personagem bíblica, ao lado de Virgem Maria, pisoteando um demônio, ou sendo amparado pelo próprio Cristo.
“Não acho que ele fosse capaz de machucar ninguém. Acho que há algo de bíblico no que aconteceu”, disse o fotógrafo à imprensa internacional, sobre as acusações insistentes de pedofilia. “Suas letras eram tão ingênuas e tão belas. É uma das histórias mais épicas de nosso tempo, ter tantos altos e baixos. Ele é um mártir moderno.”
Arredio
LaChapelle sempre quis fazer um trabalho com Michael. Mas não conseguiu fotografá-lo. “Ele passou a ter medo”, diz. “Fotos não eram boas para ele”. Para a exposição, ele utilizou um modelo com físico parecido, além de técnicas diversas, como colagem. As fotos foram clicadas no Havaí. O modelo que se faz as vezes de demônio em uma das fotos é um dançarino do Cirque du Soleil.
Dois pesos
O artista aponta uma grande ironia da sociedade: “Existe uma instituição que protege padres pedófilos. E então temos Michael Jackson e a corte da Califórnia, que gastou milhões de dólares tentando processá-lo e não conseguiu, pois era inocente.”
Releitura
Uma das obras que está na exposição é uma releitura de Vênus e Marte, de Botticelli (de 1484). A obra original descreve a bela Vênus, deusa do amor, depois de ter domado Marte, o deus da guerra, enquanto querubins pequenos pans brincam com suas armas.
Na versão de LaChapelle, batizada de The Rape of África (em português: O Estupro da África), o artista subverte o significado original do trabalho ao colocar uma Vênus negra (que é, na verdade, a modelo Naomi Campbell), impressionante em sua beleza, porém impotente diante da destruição de sua terra, com um cenário de guerra ao fundo. Marte aparece dormindo, satisfeito por suas vitórias, deitado sobre uma pilha de objetos dourados (entre eles, um osso), enquanto crianças brincam com fuzis.
A referência a temas bíblicos continua nas obras Thy Kingdom Come, que tratam da ganância de órgãos da Igreja.
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Fonte: Estadão online, 17/07/2010 http://blogs.estadao.com.br/moda/2010/07/16/a-paixao-de-michael/
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