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Poucas
coisas são mais cultuadas que a paixão romântica. É bonito, dizem,
estar apaixonado. Você volta a ser um adolescente sonhador, iconoclasta,
mesmo que já tenha passado dos 30 ou mesmo dos 40. Você retoma a
criatividade embolorada. É capaz até de mandar flores e, mais ainda, de
escrever versos lindamente medíocres. Você se olha com renovado
interesse no espelho. Capricha no penteado depois de anos de desleixo.
Refaz o guarda-roupa. Considera até a possibilidade de se depilar para
ficar na moda ou parecer mais atraente para ela.
Viagra, talvez, para não correr riscos de mau desempenho. Alguns
pensam até na hipótese de aprender a tocar violão para impressioná-la
com um dedilhado que será inevitavelmente tosco. E todos com certeza
cantam alto em seu carro as músicas adocicadas prediletas que colocam
para ouvir e se inspirar neste momento mágico de deslumbramento.
A paixão é linda, é o que dizem. E é também horrível. Uma das
aberturas de romance mais aclamadas da história da literatura diz o
seguinte: “Era o melhor dos tempos, e também o pior”. O autor é Dickens.
O mesmo se aplica para a paixão. Ela nos eleva e nos rebaixa ao mesmo
tempo. Vou ser direto: a paixão nos faz burros, ridículos,
irresponsáveis. O mais complicado é que ela faz tudo isso e além do mais
nos engana: temos a convicção de que ela nos torna o oposto. Charmosos,
quase irresistíveis.
O apaixonado é um sofredor. Ele não dorme. Ele come mal. Se ela
telefona, ele tem uma crise de euforia. Se o telefone emudece
obstinadamente, é motivo de aguda depressão. Se ela corresponde, ele é o
rei do mundo. Se não, ele pensa alternadamente em matar ou morrer. Às
vezes, nas duas alternativas. Ou numa terceira, se ela estiver
interessada em outro cara.
Nenhum apaixonado de verdade escapa da gastrite. A gastrite é a prova
definitiva do amor verdadeiro. E não qualquer gastrite, mas aquela que
leite nenhum ameniza ou cura. Porque o problema está na mente insana, e
não no estômago castigado.
Os filósofos discordam uns dos outros em quase tudo. Montaigne disse
que não há nada que alguém diga, nem o seu contrário, que não tenha sido
defendido por algum pensador. Um dos raros pontos em que os sábios
concordam é exatamente na paixão: se você conseguir se livrar dela, se
você for forte e perseverante o suficiente para dominá-la, você vai ser
um cara feliz.
Não será escravo de antidepressivos e de calmantes. Não vai acordar
seus amigos e amigas durante a madrugada para desabafos intermináveis.
Nem se deixará entrar no egocentrismo insuportável do apaixonado, para
quem a vida se resume a ela e ela. O resto, dane-se. A paixão fecha
nossos ouvidos. Só falamos. Não conseguimos escutar nada e ninguém fora
dos limites do nosso amor. Tente conversar com um apaixonado. Ele não
vai registrar nada do que ouvir. Ele não vai derramar uma mísera lágrima
pela história mais triste que você lhe contar.
Uma paixão está rondando você? Chute.
E trocará uma eternidade de angústia por um minuto de desalento. Mas —
como Montaigne escreveu – eu poderia estar aqui defendendo o contrário,
com a mesma convicção.
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* O cubano Fabio Hernandez é, em sua autodefinição, um "escritor barato".
Fonte: http://www.diariodocentrodomundo.com.br/a-paixao-e-a-melhor-das-coisas-e-tambem-a-pior/
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