Jung Mon Sung*
O
segredo do poder do capitalismo não está na sua
força bruta ou no seu poder
econômico,
mas na sua capacidade de fascinar o povo e,
a partir de e em nome
dessa fascinação,
justificar e até fazer invisíveis as injustiças
sociais e as
mortes dos pobres.
Um
tempo atrás, eu participei, nos Estados Unidos, de um Seminário que reuniu
budistas (da Ásia e dos Estados Unidos) e cristãos (especialmente teólogos/as)
engajados na luta pela justiça social. Como era de se esperar, o primeiro
painel foi sobre a globalização capitalista. Todos os expoentes enfatizaram
como o capitalismo tem produzido injustiça, desigualdade social, destruição do
ambiente, exploração etc. Realmente a pintura feita do capitalismo era muito
feia, um sistema econômico-social deplorável. Para quem estava acostumado com
esse tipo de painel, não havia muita novidade (talvez citação de algum autor
novo ou alguma teoria nova); as críticas de sempre.
O
que me incomodou não foi a repetição ou a qualidade comunicativa das exposições
– que eram boas –, mas a sensação de que havia algo de errado no modo como nós
da esquerda, religiosa ou não, analisamos criticamente o sistema capitalista.
Se o capitalismo só produz resultados sociais, ambientais e pessoais tão
negativos, para não dizer catastróficos, porque há tantas pessoas no mundo, por
exemplo, na China, querendo entrar no mercado capitalista? Eu não me contive e,
na hora de debate aberto, pedi a palavra e apresentei a minha questão. Ao
falar, percebi que uma mulher chinesa concordava plenamente com a minha
referência ao que está acontecendo na China.
Muitas
das análises que fazemos da globalização econômica ou das situações sociais não
levam em conta um aspecto fundamental do capitalismo: o seu poder de sedução,
de fascinação. As luzes das propagandas que iluminam, por ex. Time Square em
New York, escondem, de fato, histórias de exploração e injustiça; mas não
podemos esquecer que essas luzes brilham e fascinam pessoas de todas as partes
do mundo.
O
que eu quero dizer é que as nossas críticas ao capitalismo que não são capazes
de reconhecer esse poder de fascinação do capitalismo e de desmascará-lo não
serão eficazes junto a um público mais amplo da sociedade. A maioria das
pessoas se cansa rapidamente com discursos só negativos e repetitivos (com
algumas novas informações ou dados, mas no fundo repetitivos); e mais do que
isso, com análises e críticas que não parecem falar do que eles experimentam
nas suas vidas. Sensação parecida que eu falei no início.
Desmascarar
essa fascinação também não é suficiente. Como diz o povo: "um amor antigo só se
esquece com um novo”. A fascinação provocada de forma muito consciente e
planejada pelo pessoal do marketing preenche algo na vida das pessoas
(retomarei esse assunto da "dimensão mística das marcas” em um dos próximos
artigos). Se simplesmente criticamos essa fascinação provocada por o que Marx
chamou de "fetiche da mercadoria” e não somos capazes de oferecer outra fonte
de fascinação ou de sentido mais profundo para a vida, o vazio será preenchido
novamente por um novo tipo de sedução do capitalismo.
O
segredo do poder do capitalismo não está na sua força bruta ou no seu poder
econômico, mas na sua capacidade de fascinar o povo e, a partir de e em nome
dessa fascinação, justificar e até fazer invisíveis as injustiças sociais e as
mortes dos pobres. (Como a crise ambiental também afeta os ricos e a classe
média, essa é visível e importante para o sistema.) Fascinação que vem
acompanhada de injustiças e mortes, sacrifícios, tem a ver com as
características centrais da noção de sagrado. E o sagrado define o que é
profano e a forma concreta que toma essa relação entre o sagrado e o profano, a
estrutura básica da religião, é a lógica básica que organiza o nosso modo de
ver e viver a vida em sociedade.
O
capitalismo, com seu poder de fascinação sacrificial, formata o modo como as pessoas
veem a realidade social. Por isso, a maioria das pessoas pode criticar a
desigualdade social que não lhes permite consumir como os mais ricos, mas não
fazem um questionamento mais sério do próprio sistema capitalista. Eles veem o
capitalismo com as estruturas de pensamento fornecido pelo próprio capitalismo.
E essa estrutura fundamental está perpassada por essa fascinação, esse desejo
de consumir mais para poder ser mais.
Em
resumo, se não formos capazes de desvelar o caráter sagrado do mercado
capitalista, com seu sacrificialismo e sua espiritualidade de consumo e de
acumulação, e de oferecer uma espiritualidade alternativa baseada em uma noção
não-sacrificial de Deus e da vida, as nossas críticas terão muita dificuldade
de convencer pessoas a assumirem a difícil tarefa de ir contra a "maré” e de
lutar por uma sociedade mais justa e humana (conversão).
As
ciências sociais modernas, pela própria forma como foram criadas e operam, não
conseguem lidar bem com esse tema da dimensão sagrada-místico-espiritual do
capitalismo, muito menos com a proposta de uma nova espiritualidade. Teorias
sociais podem convencer, mas para a conversão de vida é preciso algo a mais. Isto
é, precisamos oferecer uma nova "sedução” que atraia novas pessoas para a luta.
É aqui que a teologia pode e tem que dar a sua contribuição. Especialmente o
cristianismo e a teologia da libertação.
É
claro que as críticas "só ácidas e negativas” continuarão sendo aceitas e
aplaudidas por nosso grupo que já está mais do que convencido de como esse
sistema econômico-social é um mal; mas escrever ou falar para ser aplaudido
pelos mesmos que sempre nos leem e aplaudem não faz muito sentido, a não ser
alimentar a nossa convicção de que estamos certos. (A continuar)
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* Graduado
em Filosofia (1984) e em Teologia (1984) doutorado em Ciências da
Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (1993) e pós-doutorado
em Educação pela Univ. Metodista de Piracicaba (2000). Atualmente é
professor titular da Universidade Metodista de São Paulo, no Programa de
Pós-Graduação em Ciências da Religião e ocupa o cargo de Diretor da
Faculdade de Humanidades e Direito dessa universidade. Tem experiência
na área de Ciências da Religião e Teologia, com ênfase em Religião e
Educação para a Solidariedade e na Crítica teológica à economia
política.
Autor,
junto com J. Rieger e N. Miguez, de "Para além do Espírito do Império”,
Paulinas.
Twitter:
@jungmosung)
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