Paulo Nogueira*
Antônio Ermírio de Moraes tinha uma obsessão pelo trabalho.
Criticava constantemente o que julgava ser o número excessivo de feriados no Brasil.
Trabalhava todos os dias.
Quase no fim da vida, fez uma conta. Todos os finais de semana e
feriados que ele trabalhara somavam 14 anos. “Não é uma lamentação, é
uma constatação”, avisou.
Dizia que seu sonho era morrer trabalhando, mas isso não foi
possível. Uma combinação de doenças – Alzheimer a principal delas – o
afastou do escritório alguns anos antes da morte, aos 86.
Valeu a pena trabalhar tanto?
Quantas horas, dias, anos talvez, ele deixou de aproveitar, por exemplo, a companhia dos dois dos nove filhos que perdeu?
Penso na sabedoria ancestral grega, e lembro uma frase de Demócrito. “Ocupe-se de pouco para ser feliz.”
As pessoas mais atormentadas que vi em minha carreira eram exatamente as que mais trabalhavam e menos tinham vida pessoal.
Boa parte delas morreu cedo.
O culto ao trabalho não é exatamente novo. Na Revolução Industrial
inglesa, esse culto teve a intenção de legitimar as intermináveis horas
que os trabalhadores passavam nas empresas que os empregavam.
Contra isso se insurgiu Paul Lafargue, um esquerdista que só podia
ser francês – o povo que melhor estabelece limites ao trabalho. (O
francês evita até ter amizades pessoais com gente da empresa para não
correr o risco de conversar sobre trabalho fora do escritório.)
Lafargue publicou, em 1880, um clássico do combate à apologia do trabalho, O Direito à Preguiça.
Selecionei dez frases:
1) “Sejamos preguiçosos em tudo, exceto em amar e em beber, exceto em sermos preguiçosos.”
2)”O trabalho é a causa de toda a degenerescência intelectual, de
toda a deformação orgânica. Comparem o puro-sangue das cavalariças de
Rothschild, servido por uma criadagem de bímanos, com a pesada besta das
quintas normandas que lavra a terra, carrega o estrume, que põe no
celeiro a colheita dos cereais.”
3) ”Os filósofos da antigüidade ensinavam o desprezo pelo trabalho,
essa degradação do homem livre; os poetas cantavam a preguiça, esse
presente dos Deuses.”
4) ”Jeová, o deus barbudo e rebarbativo, deu aos seus adoradores o
exemplo supremo da preguiça ideal; depois de seis dias de trabalho,
repousou para a eternidade.”
5) ”O provérbio espanhol diz: Descansar es salud (Descansar é saúde).”
6) “A nossa época é, dizem, o século do trabalho; de fato, é o século da dor, da miséria e da corrupção.”
7) “Introduzam o trabalho de fábrica, e adeus alegria, saúde,
liberdade; adeus a tudo o que fez a vida bela e digna de ser vivida.”
8 )”Que se proclamem os Direitos da Preguiça, milhares de vezes mais
nobres e sagrados do que os tísicos Direitos do Homem; que as pessoas
se obrigue a trabalhar apenas três horas por dia, a mandriar e a andar
no regabofe o resto do dia e da noite”
9) “O trabalho desenfreado é o mais terrível flagelo que já atacou a humanidade.”
10) “A paixão cega, perversa e homicida do trabalho transforma a
máquina libertadora em instrumento de sujeição dos homens livres: a sua
produtividade empobrece-os.”
Lafargue não teria a aprovação de Antônio Ermírio, naturalmente.
E é certo que, como provocador que era, ele pode ter exagerado aqui e ali.
Mas entre suas ideias e as de Antônio Ermírio fico, convictamente, com as dele.
Trabalhar demais – atenção: eu disse demais — é bom apenas para a empresa para a qual você trabalha.
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* O jornalista Paulo Nogueira é fundador e diretor editorial do site de notícias e análises Diário do Centro do Mundo.
Fonte: http://www.diariodocentrodomundo.com.br/sobre-o-culto-de-antonio-ermirio-ao-trabalho/
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