segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Morte de Robin Williams põe em discussão a sensibilidade dos que fazem rir

 Abrão Slavutzky*
 Morte de Robin Williams põe em discussão a sensibilidade dos que fazem rir United International Pictures/Divulgação
 Suicídio do ator, na última terça-feira, faz pensar sobre como a depressão por vezes pode sobrepor-se até à mais poderosa arma do espírito humano, o humor

Os símbolos do Teatro Grego são duas máscaras. Uma é a do riso, como expressão da comédia, e a outra é a tristeza da tragédia. Quando morre um humorista, a máscara da alegria desaparece. O mundo fica mais triste, e só com o tempo o riso voltará. A notícia da morte de Robin Williams, do filme Patch Adams: O Amor é Contagioso, inquietou o mundo, que busca explicações dos porquês. Na verdade, foi um homem que lutou muitos anos contra as drogas e a depressão. Mesmo assim, é difícil entender como um palhaço ou um humorista interrompem suas existências. O efeito imediato é não aceitar, sentir-se angustiado, depois viver o peso traumático da morte.

“A única arma que temos é o humor”, disse Robin numa de suas entrevistas. Por que, então, o humor, uma vacina contra o desespero, falhou com o talentoso humorista? Na verdade, vários profissionais do riso destruíram suas vidas. No livro autobiográfico de Charles Chaplin, Minha Vida, há relatos de alguns cômicos que optaram por um destino destrutivo devido às depressões. A proximidade entre humor e depressão também deu origem a uma recorrente lenda de que todo palhaço é um homem triste. O palhaço, como o humorista, vê o mundo à distância, brinca com as crenças. O humor busca o sem sentido do excesso de sentido da seriedade e assim desconstrói as certezas. Estar tão próximo da dura realidade gera dores que nem sempre são suportadas. Há humoristas que usam um humor autodepreciativo, atacam a si próprios, para seduzir o público. Um humor cruel consigo gera risos, mas é humilhante nos momentos depressivos.

O humor é um jogo irreverente, brinca com as loucuras existenciais. O humorista assume uma posição questionadora e rebelde. Diverte-se com as ilusões, enfrenta as mazelas da vida cotidiana gozando os ideais. Assim, enfrenta o vazio, convive com o desamparo na busca da verdade. O humorista está sempre atrás do outro lado, mas às vezes se desespera com a realidade, e aí pode sucumbir à tristeza. Felizmente, a maioria dos humoristas pode fazer graça suportando as frustrações de suas descobertas. Há nessa arte uma fina sabedoria que ilumina a complexa realidade.

Por outro lado, é frequente nos depressivos certo humor negro. Um colega de escola, quando perguntado como estava, dizia: “Pior que ontem, mas melhor que amanhã”. O deprimido não levanta os olhos, não vê horizontes. As grandes tristezas, expressões das depressões maiores, são em geral incompreensíveis para quem nunca viveu esses estados. Trata-se de um desânimo doloroso com perda de interesse pelo mundo, perda da capacidade de amar, perda de entusiasmo no trabalho. Assim, a autoestima cai a níveis assustadores, ocorrem autorrecriminações e uma expectativa de punição. Os depressivos se sentem pesados, num vazio de sentido. Suas energias de viver vão diminuindo, como as velhas baterias de automóveis, pois vão perdendo sua carga, sua libido, e aos poucos descarregam e não podem sair do lugar.

Quando escrevo agora, recordo o começo da vida em Buenos Aires nos anos 1970. Pude sentir no dia a dia o que estudava ou só escutara falar. Perdi a alegria durante oito longos meses, perdi o riso, fiquei desnorteado. Vieram as lágrimas, buscava nas ruas os coqueiros do Bom Fim e não encontrava. Todas as pessoas eram desconhecidas, tudo era estranho naquele mundo de los hermanos. Gostava de escutar tangos nos solitários sábados à noite. Durante a semana estudava e ia, quase todos os dias, a um divã falar do sofrimento de um brasileiro perdido que mal falava o espanhol. Ali aprendi como uma análise pode aliviar a dor.

O depressivo foge do presente, dorme, não come, ou come muito, não vê graça em acordar, não pode mais brincar. Às vezes, busca na droga alívio passageiro como combustível para seguir em frente. É difícil para o deprimido suportar a falta de visibilidade das provas de amor, sente-se insatisfeito com o que recebe. Não encontra provas suficientes de que é amado, revelando estados regressivos de uma servidão voluntária de caráter sofredor. Não pode existir sem um outro para ampará-lo. Em geral, nas depressões, ocorre uma insuficiência de ausência, ou seja: a criança não pode ficar suficientemente só em suas brincadeiras. Por isso, os depressivos tendem a chorar a perda do visível, como ocorreu, por exemplo, com Roland Barthes, que, diante da morte de sua mãe, disse a quem buscava consolá-lo: “Mas será que você não compreende que não a verei mais?”. Morreu pouco tempo depois.

A humanidade vive tempos de perplexidade diante das velozes mutações. Há certa desilusão quanto aos ideais sociais, bem como os pessoais. Nossa cultura é a do êxito num meio de alta competividade, onde é preciso ser o primeiro. Estamos meio desnorteados, onde cada um luta para buscar seu rumo. Aí pode estar uma das causas, entre outras, do aumento das depressões. As depressões precisam ser abordadas pela psicanálise e pelas psicoterapias, bem como pela psicofarmacologia. Os estudos da doença envolvem a herança, os conflitos psíquicos, os desequilíbrios neuroquímicos, as condições sociais e históricas.

Os humoristas estão para o mundo adulto como os palhaços para o mundo infantil. Entretanto, são seres humanos e não estão sempre bem-humorados, felizes, pois são frágeis como nós. Idealizamos os humoristas, eles nos aliviam o peso da existência. Desenvolvemos diante deles a mais agradável das virtudes, que é a gratidão. Somos gratos aos que são capazes de nos fazer rir. Por isso o diretor de cinema Steven Spielberg disse sobre Robin Williams: “Era uma tempestade de genialidade cômica, e nossa risada era o trovão que o sustentava. Ele era um amigo, e não acredito que se foi”. 

Há um sentimento de tristeza nas declarações dos artistas e do seu grande público. Dizem que o mundo era um lugar melhor com Robin. Seu legado viverá, pois o artista morre, mas sua arte vive.
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* Psicanalista, autor do livro Humor é Coisa Séria (Arquipélago Editora, 2014)
Fonte: ZH online, 17/08/2014
Foto: Robin Williams em cena de "Patch Adams: O Amor é Contagioso", de Tom Shadyac Foto: United International Pictures / Divulgação

Um comentário:

  1. A função primordial do uso de drogas na sociedade é, antes de obter o prazer, é o de evitar em pensar, é de não sofrer. O uso de drogas é uma tentativa então de não sentir a dor existencial e a dor emocional.

    O dependente não ficou doente porque começou a tomar drogas, mais sim por estar doente existencialmente e buscou nas drogas uma ‘solução’ ou ‘cura’ para suas feridas mais íntimas.

    Sendo a drogadição um projeto suicida, o superar esse projeto, o que quer dizer derrotar, pois esse fermento na massa do crescimento espiritual, está apagada e eliminada. Em nossa maneira de ver, ser saudável é ter disposição para superar as contrariedades da existência :- é aprendendo trabalhando o provisório. Isso significa precisamente estar de bem com a vida

    O filme Pescador de Ilusões com a fenomenal atuação de Robin Willians, foram realizados comentarios e trabalhados cientificos, logo abaixo:

    http://www.ufrgs.br/psicopatologia/wiki/index.php/O_Pescador_de_Ilus%C3%B5es

    http://www.cineplayers.com/comentario/o-pescador-de-ilusoes/16195

    http://dairauber.blogspot.com.br/2010/12/pescador-de-ilusoes-analise-do-
    filme_19.html

    http://pt.slideshare.net/cursoraizes/anlise-do-filme-edinolia-o-pescador-de-iluses

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