Abrão Slavutzky*
Suicídio do ator, na última terça-feira,
faz pensar sobre como a depressão por vezes pode sobrepor-se até à mais
poderosa arma do espírito humano, o humor
Os símbolos do Teatro Grego são duas máscaras. Uma é a do riso, como
expressão da comédia, e a outra é a tristeza da tragédia. Quando morre
um humorista, a máscara da alegria desaparece. O mundo fica mais triste,
e só com o tempo o riso voltará. A notícia da morte de Robin Williams,
do filme Patch Adams: O Amor é Contagioso, inquietou o mundo,
que busca explicações dos porquês. Na verdade, foi um homem que lutou
muitos anos contra as drogas e a depressão. Mesmo assim, é difícil
entender como um palhaço ou um humorista interrompem suas existências. O
efeito imediato é não aceitar, sentir-se angustiado, depois viver o
peso traumático da morte.
“A única arma que temos é o humor”, disse Robin numa de suas
entrevistas. Por que, então, o humor, uma vacina contra o desespero,
falhou com o talentoso humorista? Na verdade, vários profissionais do
riso destruíram suas vidas. No livro autobiográfico de Charles Chaplin,
Minha Vida, há relatos de alguns cômicos que optaram por um destino
destrutivo devido às depressões. A proximidade entre humor e depressão
também deu origem a uma recorrente lenda de que todo palhaço é um homem
triste. O palhaço, como o humorista, vê o mundo à distância, brinca com
as crenças. O humor busca o sem sentido do excesso de sentido da
seriedade e assim desconstrói as certezas. Estar tão próximo da dura
realidade gera dores que nem sempre são suportadas. Há humoristas que
usam um humor autodepreciativo, atacam a si próprios, para seduzir o
público. Um humor cruel consigo gera risos, mas é humilhante nos
momentos depressivos.
O humor é um jogo irreverente, brinca com as loucuras existenciais. O
humorista assume uma posição questionadora e rebelde. Diverte-se com as
ilusões, enfrenta as mazelas da vida cotidiana gozando os ideais.
Assim, enfrenta o vazio, convive com o desamparo na busca da verdade. O
humorista está sempre atrás do outro lado, mas às vezes se desespera com
a realidade, e aí pode sucumbir à tristeza. Felizmente, a maioria dos
humoristas pode fazer graça suportando as frustrações de suas
descobertas. Há nessa arte uma fina sabedoria que ilumina a complexa
realidade.
Por outro lado, é frequente nos depressivos certo humor negro. Um
colega de escola, quando perguntado como estava, dizia: “Pior que ontem,
mas melhor que amanhã”. O deprimido não levanta os olhos, não vê
horizontes. As grandes tristezas, expressões das depressões maiores, são
em geral incompreensíveis para quem nunca viveu esses estados. Trata-se
de um desânimo doloroso com perda de interesse pelo mundo, perda da
capacidade de amar, perda de entusiasmo no trabalho. Assim, a autoestima
cai a níveis assustadores, ocorrem autorrecriminações e uma expectativa
de punição. Os depressivos se sentem pesados, num vazio de sentido.
Suas energias de viver vão diminuindo, como as velhas baterias de
automóveis, pois vão perdendo sua carga, sua libido, e aos poucos
descarregam e não podem sair do lugar.
Quando escrevo agora, recordo o começo da vida em Buenos Aires nos
anos 1970. Pude sentir no dia a dia o que estudava ou só escutara falar.
Perdi a alegria durante oito longos meses, perdi o riso, fiquei
desnorteado. Vieram as lágrimas, buscava nas ruas os coqueiros do Bom
Fim e não encontrava. Todas as pessoas eram desconhecidas, tudo era
estranho naquele mundo de los hermanos. Gostava de escutar tangos nos
solitários sábados à noite. Durante a semana estudava e ia, quase todos
os dias, a um divã falar do sofrimento de um brasileiro perdido que mal
falava o espanhol. Ali aprendi como uma análise pode aliviar a dor.
O depressivo foge do presente, dorme, não come, ou come muito, não vê
graça em acordar, não pode mais brincar. Às vezes, busca na droga
alívio passageiro como combustível para seguir em frente. É difícil para
o deprimido suportar a falta de visibilidade das provas de amor,
sente-se insatisfeito com o que recebe. Não encontra provas suficientes
de que é amado, revelando estados regressivos de uma servidão voluntária
de caráter sofredor. Não pode existir sem um outro para ampará-lo. Em
geral, nas depressões, ocorre uma insuficiência de ausência, ou seja: a
criança não pode ficar suficientemente só em suas brincadeiras. Por
isso, os depressivos tendem a chorar a perda do visível, como ocorreu,
por exemplo, com Roland Barthes, que, diante da morte de sua mãe, disse a
quem buscava consolá-lo: “Mas será que você não compreende que não a
verei mais?”. Morreu pouco tempo depois.
A humanidade vive tempos de perplexidade diante das velozes mutações.
Há certa desilusão quanto aos ideais sociais, bem como os pessoais.
Nossa cultura é a do êxito num meio de alta competividade, onde é
preciso ser o primeiro. Estamos meio desnorteados, onde cada um luta
para buscar seu rumo. Aí pode estar uma das causas, entre outras, do
aumento das depressões. As depressões precisam ser abordadas pela
psicanálise e pelas psicoterapias, bem como pela psicofarmacologia. Os
estudos da doença envolvem a herança, os conflitos psíquicos, os
desequilíbrios neuroquímicos, as condições sociais e históricas.
Os humoristas estão para o mundo adulto como os palhaços para o mundo
infantil. Entretanto, são seres humanos e não estão sempre
bem-humorados, felizes, pois são frágeis como nós. Idealizamos os
humoristas, eles nos aliviam o peso da existência. Desenvolvemos diante
deles a mais agradável das virtudes, que é a gratidão. Somos gratos aos
que são capazes de nos fazer rir. Por isso o diretor de cinema Steven
Spielberg disse sobre Robin Williams: “Era uma tempestade de genialidade
cômica, e nossa risada era o trovão que o sustentava. Ele era um amigo,
e não acredito que se foi”.
Há um sentimento de tristeza nas declarações dos artistas e do seu
grande público. Dizem que o mundo era um lugar melhor com Robin. Seu
legado viverá, pois o artista morre, mas sua arte vive.
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* Psicanalista, autor do livro Humor é Coisa Séria (Arquipélago Editora, 2014)
Fonte: ZH online, 17/08/2014
Foto: Robin Williams em cena de "Patch Adams: O Amor é Contagioso", de Tom Shadyac
Foto:
United International Pictures / Divulgação
A função primordial do uso de drogas na sociedade é, antes de obter o prazer, é o de evitar em pensar, é de não sofrer. O uso de drogas é uma tentativa então de não sentir a dor existencial e a dor emocional.
ResponderExcluirO dependente não ficou doente porque começou a tomar drogas, mais sim por estar doente existencialmente e buscou nas drogas uma ‘solução’ ou ‘cura’ para suas feridas mais íntimas.
Sendo a drogadição um projeto suicida, o superar esse projeto, o que quer dizer derrotar, pois esse fermento na massa do crescimento espiritual, está apagada e eliminada. Em nossa maneira de ver, ser saudável é ter disposição para superar as contrariedades da existência :- é aprendendo trabalhando o provisório. Isso significa precisamente estar de bem com a vida
O filme Pescador de Ilusões com a fenomenal atuação de Robin Willians, foram realizados comentarios e trabalhados cientificos, logo abaixo:
http://www.ufrgs.br/psicopatologia/wiki/index.php/O_Pescador_de_Ilus%C3%B5es
http://www.cineplayers.com/comentario/o-pescador-de-ilusoes/16195
http://dairauber.blogspot.com.br/2010/12/pescador-de-ilusoes-analise-do-
filme_19.html
http://pt.slideshare.net/cursoraizes/anlise-do-filme-edinolia-o-pescador-de-iluses