sexta-feira, 8 de agosto de 2014

O EXECUTIVO VAI OUVIR O MONGE OUTRA VEZ

 
  Hunter inicia o novo livro falando de seu espanto com o sucesso no Brasil. 
Diz que não conhece um motivo que justifique o fenômeno. 
Argumenta que se "você sabe explicar o milagre, não é obra de Deus". 
Arrisca imaginar, contudo, que uma das razões seria o prazer 
do brasileiro em ouvir histórias, como indica a 
perpetuação da indústria noveleira.

O novo livro do best-seller americano James Hunter vai ser lançado em português, no mercado brasileiro. A edição em inglês deve sair dentro de seis meses. Explica-se. O Brasil o vem tratando muito bem, segundo Hunter disse em entrevista por telefone ao Valor: cerca de 80% dos quase 5 milhões de exemplares vendidos dos seus dois primeiros livros circulam nas mãos de brasileiros - apesar de "O Monge e o Executivo" e "Como se Tornar um Líder Servidor" terem sido publicados em duas dúzias de idiomas. Nos últimos dez anos, Hunter fez cerca de 70 palestras em 30 cidades brasileiras. O novo livro já nasce com status de best-seller. A primeira tiragem totaliza 150 mil exemplares. A meta da editora é vender 300 mil até o fim do ano.

Assim como no prefácio da edição mais recente do primeiro título, Hunter inicia o novo livro falando de seu espanto com o sucesso no Brasil. Diz que não conhece um motivo que justifique o fenômeno. Argumenta que se "você sabe explicar o milagre, não é obra de Deus". Arrisca imaginar, contudo, que uma das razões seria o prazer do brasileiro em ouvir histórias, como indica a perpetuação da indústria noveleira. Outra, a atual inclinação para refletir sobre líderes, processos, corrupção. "Acredito que o brasileiro vive um momento de discutir o papel da liderança. Por isso, o livro fez muito sentido. Como diz o ditado, quando o aluno está pronto, o professor aparece", comenta Hunter, reproduzindo provérbio semelhante que cita no livro - um entre vários.

Certamente, há vários motivos para Hunter frequentar as listas brasileiras de best-sellers desde o lançamento do primeiro livro, há dez anos. A opção por apresentar os conceitos da liderança servidora a partir de uma história fictícia é um deles. Em "De Volta para o Mosteiro", o protagonista John Daily faz um segundo retiro, no qual revela aos colegas seu fracasso em colocar em prática o que aprendeu no primeiro - relatado em "O Monge e o Executivo". A linguagem simples e as explicações recorrentes também contribuem. Tornam a leitura ágil e acessível. Quando Hunter quer usar alguma palavra menos corriqueira, a personagem Teresa saca o celular, procura o significado na internet e lê para os colegas.

O conteúdo muito bem estruturado também ajuda. Os conceitos são serenamente apresentados ao longo de 27 capítulos, correspondentes a três dias de retiro. É o tempo necessário para o professor e monge Simeão conduzir uma espécie de terapia coletiva entre os sete participantes e instigá-los a discutir, comentar, retrucar, dar exemplos e falar de suas vidas. Com a descrição cinematográfica das cenas, é difícil não se sentir no meio do grupo.

O que também ajuda a aproximar os leitores é a a citação de ditados populares e conceitos de senso comum ao longo das quase 200 páginas do livro. Um deles é a regra de ouro da convivência social, que manda tratar os outros como gostaríamos de ser tratados. Outro é o entendimento de que as atitudes que mais irritam o protagonista são justamente seus próprios defeitos.

Repetir conceitos conhecidos tem lá sua finalidade pedagógica. Se não fosse assim, as empresas parariam de repisar mensagens sobre sua missão, visão, valores. Revisitar o que já se aprendeu intelectualmente é uma forma de incorporar o aprendizado ao estilo de vida, diz Hunter. Em outras palavras, ele conclui afirmando que "nos Estados Unidos há um ditado que diz: há um motivo para que haja missa todos os domingos".

Valor: Valor: Por que o senhor escreve sobre liderança a partir de uma história fictícia?
James Hunter: Acredito que as histórias são uma boa forma de ensinar. É mais eficiente. Quando Jesus ensinava, sempre falava a partir de parábolas. E acredito que as parábolas permitem que as pessoas absorvam melhor [o conteúdo] do que um texto de não ficção. E acredito que essa é uma grande verdade no Brasil, onde as pessoas adoram histórias, como as novelas.

Valor: O senhor é católico? É por isso que cita Jesus Cristo?
Hunter: Sou cristão. Apenas me considero um seguidor de Jesus Cristo. Não coloco um rótulo em minha crença.

Valor: Em seu novo livro, o senhor faz o personagem principal, John Daily, voltar para a sala de aula e para o mosteiro que ele frequentou no primeiro livro. É uma metáfora para falar sobre o fracasso?
Hunter: Sim. Uma coisa é você aprender intelectualmente. Outra é trazer esse conhecimento para seu dia a dia, colocá-lo em prática e incorporá-lo ao seu estilo de vida. No livro, eu quis demonstrar que, apesar de ter aprendido e de adorar os conceitos sobre liderança, Daily também tem dificuldade para incorporá-los em sua vida. E isso é muito comum entre os líderes.

Valor: No prefácio, o senhor comenta que lhe perguntam por que escrever mais um livro sobre liderança. Qual é a motivação?
Hunter: Antes, é preciso dizer que escrevi "O Monge e o Executivo" há 17 anos. [No Brasil, o livro foi lançado em 2004.] Ao longo desses anos todos, aprendi muito com meu trabalho como consultor, em minhas viagens, nas empresas, no Brasil. Fui acumulando novas ideias sobre as organizações, sobre cultura, sobre conexões emocionais. Decidi compartilhar todo esse aprendizado.

Valor: Como um executivo pode se tornar um líder servidor?
Hunter: O primeiro passo é educação. Temos de ser ensinados a ser líderes servidores. Acredito que essa é a parte mais fácil. Os princípios para ser um líder servidor são universais. Ser gentil, humilde, paciente, honesto, saber ouvir. A questão é que as pessoas precisam ser lembradas desses princípios. O segundo passo é entender quais são minhas dificuldades, em que pontos tenho de crescer. O terceiro passo é praticar. A liderança é uma habilidade que se conquista praticando. É como no esporte. Ninguém se torna um atleta ou aprende a jogar futebol lendo um livro. É preciso praticar. Nas empresas dos Estados Unidos para as quais presto consultoria, há um investimento contínuo na formação e educação das lideranças.

Valor: O senhor discorre sobre a missão do líder de distinguir o que os subordinados precisam daquilo que desejam. Também reafirma o dever de o líder dizer "não" quando o subordinado não precisa de algo que pede. Não é difícil avaliar o que um adulto necessita sem ser autoritário?
Hunter: O princípio que uso para conseguir avaliar uma demanda é aonde ela vai nos levar. O que vai acontecer como resultado desse comportamento? Será importante para a pessoa, para a equipe, para a empresa? Por exemplo, se eu deixar um funcionário fazer uma hora de intervalo e não apenas 15 minutos, como todos os outros, vai ser ruim. Vai gerar uma desmotivação na equipe. O teste de sua liderança é se seus liderados saem melhor do que quando chegam. Estão crescendo sob sua liderança? E a equipe? Por isso, sempre aplico, como líder, o princípio que questiona se algo está realmente servindo à pessoa e à equipe. É o melhor para ela e para a equipe? Muitas vezes, vou errar [ao responder a essa pergunta]. Somos todos imperfeitos. Mas aprendemos com nossos erros.

Valor: E um líder tem de dizer sempre muitos "nãos"...
Hunter: Sim. E como! Grandes líderes sabem afagar, mas também dão as palmadas necessárias. Falo bastante sobre isso no livro.

Valor: Essa prática lembra a liderança baseada em "recompensa ou punição", reconhecida por outros autores como antiquada. Qual é a diferença?
Hunter: A diferença é que o sistema de recompensa ou punição manipula as pessoas e atende a anseios individuais. O que digo no livro trata de relaciona mento e de fazer a pessoa crescer. É influenciar para benefício mútuo: do subordinado, da equipe e da empresa. Afagar é ser gentil, paciente, ouvir a pessoa, perguntar sobre a família, levar em conta sentimentos. Dar palmadas é sentar para conversar sobre o mau desempenho, sobre como melhorar. Vejo uma grande diferença entre os dois sistemas. No primeiro, a pessoa manipula o subordinado. Na política de afagos e palmadas, falamos em construir um bom relacionamento.

"De Volta ao Mosteiro


James Hunter. Tradução: Vera Ribeiro. Editora: Sextante/GMT. R$ 24,90
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REPORTAGEM Por Karla Spotorno | Para o Valor, de São Paulo
FONTE: Valor Econômico online, 05/08/2014
Imagem da Internet 

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