Ruy Calor Ostermann*
É a morte. Para ela, não tem consolo. Ela vem e
fica.
Nela fica essa memória, que é perdida, também.
Mas é uma memória
que atualiza um fato:
nós prestamos pouca atenção na vida.
A morte
não tem consolo. Não só a morte, é verdade, mas ela, particularmente.
Quer dizer, não há como substituí-la por outra coisa. Ela é o
encerramento de uma memória, o encerramento de um fato. Assim como ela é
também capaz de reabilitar, uma vez exercida, as relações de
conhecimento, de admiração e até mesmo aquelas que invadiriam o futuro,
se houvesse futuro.
O candidato à presidência da república pelo
partido PSB, Eduardo Campos, não era suficientemente conhecido. Era um
homem vivo, ativo, surpreendente até, de boa frase, de boas ideias, um
socialista moderado, que tinha uma visão de mundo. Não seria agora,
talvez. Talvez fosse nas próximas eleições. Mas agora ele começava
gradativamente a exercitar uma posição. E o que é importante é que essa
posição ficou clara só com a sua morte.
Quando morreu, todos se
deram conta de que tinha se perdido uma oportunidade, uma saída para
acontecimentos políticos nacionais. Morreu e com ele ficou a memória
póstuma, em que todos reabilitam o homem público, o ex-governador de
Estado, o sujeito que se elegeu com mais de 60% dos votos e se reelegeu
com quase 90%. Todos estão a falar daquilo que era uma frase limpa, uma
frase clara e uma visão de mundo razoável. Mas, era tudo muito cedo. Era
tudo muito inoportuno ainda.
A morte, sob a forma como se fez,
numa tragédia, num avião que cai, na qual morrem os amigos, morrem os
companheiros, morre ele, reabilita exatamente essa memória póstuma. Vem
toda ela, inteira. E nisso, exatamente, começam a aparecer algumas
coisas que de outro modo não apareceriam.
Curiosamente, essa é
uma virtude da morte, porque ela reabilita alguma coisa que, enquanto
ela não foi chamada, não foi requerida, não faz sentido. Não faria
sentido ficar discutindo o projeto de governo futuro de Eduardo Campos.
Não faria sentido. Mas, com a sua morte, não só tudo se abreviou como
tudo se tornou perdido. E na perda, uma reavaliação, que continua sendo
feita, ampliando muito o quadro.
Hoje, todos têm certeza de uma
coisa impossível de ser confirmada. Inacreditavelmente distante da
realidade, mas todos têm o mesmo sentimento: ele certamente seria um
presidente da república muito competente, muito surpreendente e ainda
muito jovem.
É a morte. Para ela, não tem consolo. Ela vem e
fica. Nela fica essa memória, que é perdida, também. Mas é uma memória
que atualiza um fato: nós prestamos pouca atenção na vida.
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* Jornalista. Escritor.
Fonte: http://www.encontroscomoprofessor.com.br/index.php 14/08/2014
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