Gustavo Gitti*
Você e eu em outros corpos, mentes e vidas… Fotos da exposição “7 bilhões de Outros”
As pessoas que encontramos são lembretes de nossas
próprias confusões e obstáculos, qualidades
e potencialidades
A internet nos faz conviver com pessoas de outros
países, culturas, tempos… A cada alteridade, podemos ampliar nosso
círculo de identificação humana ou nos fechar ainda mais. Um exemplo
recente foi a reação ao vídeo de uma festa da classe média alta de SP
durante o jogo do Brasil. Quem tirou sarro talvez buscasse por risos
para se afirmar como diferente: “Não somos estúpidos como eles, né?”
Quanto mais desconfio de que sou um pouco assim, mais zombo.
Ora, como sempre afirma o Dalai Lama, nós somos iguais — mentalmente,
emocionalmente, fisicamente. Se um amigo querido falasse besteiras por
aí ou se nossa irmã agredisse alguém, buscaríamos entender o que nos
levaria a tal situação, em vez de se envergonhar ou desprezar. Lembro de
Terêncio (poeta romano do século II a.C.): “Nada do que é humano me é
estranho.”
Uma pessoa tagarela e autocentrada é um lembrete: às vezes somos
assim. Uma pessoa generosa e serena também nos lembra do que podemos
ser. Todos os seres, lugares, objetos e situações que encontramos
expressam qualidades, obstáculos, possibilidades sempre disponíveis para
nós. Competimos, nos irritamos, ofendemos, culpamos, tememos ou nos
apegamos às outras faces da vida na medida em que não as vemos como
outras faces de nós mesmos.
Um ritmo só me perturba quando ele parece vir de fora. Assim que o
reconheço como algo que também sou, posso tocar junto, dançar, brincar,
direcionar, me apropriar, agir em vez de reagir, o que imediatamente
remove seu poder de me atrapalhar. Quando a realidade vem como o mar
derrubando nossos castelos de areia, sofremos porque nos sentimos
separados do fluxo da vida, nos identificando mais com a construção do
que com a água. Mas somos também o caos, a incoerência, a impermanência,
a morte. Somos aquilo que constrói e somos aquilo que derruba.
Sobre as ações humanas, Espinosa escreveu na Ética: “Não rir, não
lastimar nem detestar, mas entender.” Se investigo como o ciúme opera em
minha mente, em vez de me abalar com uma pessoa ciumenta, posso
ajudá-la. Ao cultivar uma intimidade diária com nosso mundo interno, nos
tornamos cada vez mais íntimos de todos os seres. Não mais nos sentimos
atacados ou traídos pela vida.
Pelo contrário, nos tornamos cúmplices de cada ação dessa imensa
família, sem exclusão. Responsabilidade universal é isso: se há pessoas
que se agridem, não importa onde, isso é problema meu, eu participo do
tecido social que gera a violência. De algum modo, se alguém matou, eu
matei também. Somos inseparáveis.
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* Publicado originalmente na coluna “Quarta pessoa” (revista Vida Simples de agosto 2014)Fonte: http://olugar.org/nossas-outras-faces/
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