"As
pessoas têm um pouco de medo
da minha vingança"
O escritor Paulo Coelho acaba de aconselhar-me a trair meu marido.
Não com ele nem por um motivo em particular a não ser o fato de eu estar
longe de casa, ser um feriado nacional suíço e "ninguém estar vendo",
diz ele com um sorriso malicioso. Em sua cobertura com vista para o
lago, estamos discutindo seu novo romance sobre a infidelidade. "Nesta
noite você pode ir até o centro da cidade e cometer adultério - seria
algo apropriado diante do assunto", completa.
Quando "Adultério" chegar às livrarias [nos Estados Unidos], a
publicidade será conduzida quase totalmente pelo escritor de 66 anos, um
pretenso guia espiritual que já vendeu mais de 165 milhões de livros em
cerca de 80 idiomas. O brasileiro tornou-se uma celebridade
internacional em grande medida por causa do seu talento para a
provocação e seu enorme número de seguidores nas mídias sociais.
Blogueiro precoce e usuário do Facebook, ele sabe como atrair os
navegantes da internet (rapidamente endossando assuntos ilícitos durante
suas viagens de negócios) e moldar sua imagem (para depois tentar
retirar o comentário, classificando-o de "brincadeira idiota").
Coelho tem mais de 9 milhões de seguidores no Twitter e mais de 25,6
milhões de fãs nas páginas do Facebook em três idiomas. Ele tem mais
seguidores nessas plataformas que Stephen King, J.K. Rolling, James
Patterson, John Green, Dan Brown, Danielle Steel e John Grisham -
juntos.
Muitos leitores passaram a ver a pessoa do escritor na internet como
uma extensão digital de seus livros. Para alguns fãs, um "retuíte" de
seu escritor favorito é uma emoção maior que um livro autografado. A
influência da mídia social nas vendas de livros vem levando as editoras a
pressionar os escritores para que se exponham na internet com
intensidade nunca vista.
Coelho não chegou ao topo da pirâmide digital por acidente. Seus
arroubos de inspiração sobre os desafios da vida e a satisfação pessoal
aparecem harmoniosamente associados a um link e uma foto nas telas dos
smartphones. Ele se conecta diariamente com os leitores, enviando
mensagens privadas de encorajamento e conforto, ao mesmo tempo em que
atualiza seu blog com instantâneos de sua vida e aforismos de seus
livros. Os fãs afirmam ficar profundamente tocados por suas declarações
on-line, professando seu amor por ele em "retuítes" e comentários.
Católico não praticante que retomou a fé na maturidade, Coelho fez
fortuna com "O Alquimista", conto místico sobre um pastor andaluz
publicado em 1988. O livro foi pegando lentamente até entrar na lista
dos best-sellers do "The New York Times", na qual passou mais de 300
semanas e ainda continua. Os fãs compram ímãs e adesivos de parede com
inscrições do livro como: "Quando você quer algo, todo o universo
conspira a seu favor para que você consiga".
"Adultério", o 27º livro de Coelho, já é um best-seller no Brasil, em
Portugal, França e oito outros países onde foi lançado neste ano.
Coelho o escreveu com a velocidade que lhe é característica, ao longo de
poucas semanas. Sua editora americana, a Knopf, encomendou uma tiragem
inicial de 75 mil exemplares e antecipa vendas digitais vigorosas. Mais
da metade de seu público tem entre os 18 e 30 anos e mais de 60% é do
sexo feminino, segundo a Knopf.
Coelho possui casas e Genebra, Rio, Dubai, Paris e nos Pirineus -
além de um avião para se deslocar entre elas. Genebra tornou-se sua base
em parte por ficar perto de uma zona rural onde ele faz caminhadas (um
aplicativo o ajuda a contar a média de dez mil passos percorridos por
dia). Ele estima seu patrimônio em US$ 535 milhões, observando: "Graças a
Deus sou hiper-rico."
Anos antes de outros romancistas ingressarem no Twitter e no
Facebook, Coelho já tinha uma relação próxima dos fãs no MySpace,
passando, mais tarde, a colocar vídeos curtos no YouTube. Ele tem contas
no Instagram, Tumblr, Google+ e Pinterest. Com frequência ele faz
postagens durante os intervalos de tráfego pesado nos Estados Unidos
para alcançar o maior número possível de leitores. Desde 2012 ele mais
que triplicou seu número de seguidores no Twitter (@paulocoelho). Ele
não costuma acompanhar muitas pessoas - entre elas estão Jeremy Piven,
Jessica Simpson e Deepak Chopra.
Autor tem mais seguidores no Twitter e no Facebook
do que sete dos mais badalados escritores
de best-seller juntos
Ele fala e escreve em português, inglês e francês e faz postagens em
espanhol por meio de um tradutor. Também mantém presença nas mídias
sociais da Rússia e China. No reino digital, Coelho dá saltos onde
outros andam de lado: o mestre da literatura de horror Stephen King só
foi ingressar no Twitter no fim do ano passado. Dan Brown, autor de "O
Código Da Vinci" encarrega seu escritório de conduzir suas atividades no
Facebook e no Twitter.
O premiado romancista Jonathan Franzen evita completamente o Twitter.
No ano passado ele disse que os escritores se sentem "coagidos" a se
promover constantemente nessa plataforma. "Os agentes agora dizem aos
jovens escritores: 'Não vou nem olhar seu manuscrito se você não tiver
pelo menos 250 seguidores no Twitter'", contou à BBC Radio 4.
Obviamente, o tipo certo de engajamento digital movimenta as vendas.
Quando a Grijalbo, uma marca da Random House Spain and Latin America,
colocou na internet no mês passado o primeiro capítulo de "Adultério",
atraiu dez mil visualizações. Coelho então postou o link no Facebook e
em 12 horas o número saltou para 200 mil, segundo sua agente Mônica
Antunes.
Com um cavanhaque grisalho, alguns fios compridos de cabelo descendo
pelo pescoço e roupas todas pretas, Coelho parece mais um hippie velho
do que um mago digital. No teclado do computador ele "cata milho", com o
olhar mudando do monitor para as mãos e vice-versa. Em uma tarde
recente, enquanto pesquisava referências a si mesmo e ao presidente
chinês Xi Jinping, que mencionou seus escritos em uma entrevista, ele
depara com a imagem de um coelho. "Desculpe", comenta, alcançando o
mouse para tentar novamente.
Em uma página marcada no computador de Coelho lê-se: "Sete
ferramentas para monitorar a eficiência de seus tuítes". Ele faz a
postagem de um artigo publicado pela "Variety" sobre "Não Pare na Pista"
(em inglês "The Pilgrim - The Best Story of Paulo Coelho"), sua
cinebiografia que estreou no Brasil na quinta-feira. Para avaliar como a
postagem está se saindo, ele monitora o Facebook, atento a um mapa que
acende quando o item recebe um clique: primeiro, um no Alasca, depois na
Alemanha, Colômbia, Arábia Saudita, Grécia, Polônia e Índia. Em questão
de segundos, ele recebe 74 cliques.
Embora pouco viaje para promover sua obra, Coelho diz que os laços
com seu público nunca estiveram tão fortes. "Agora eu posso realmente
interagir com os leitores", afirma. No passado, cada leitor em uma noite
de autógrafos pedia que ele autografasse cerca de três livros e posasse
para uma foto, o que resultava em um encontro de dois minutos. Ao todo,
isso significava interagir com talvez 90 leitores e algumas dezenas de
eventos relacionados aos seus livros a cada ano.
Agora, ele pode escrever "pelo menos uma palavra gentil" para cerca
de 30 pessoas por dia e alcançar mais de 10 mil por ano. Nos últimos
seis meses, ganhou 4,1 milhões de fãs no Facebook por meio de "curtidas"
em sua página.
On-line, Coelho exala uma aura de intimidade sem revelar muita coisa
além de sua biografia ou se envolver em conflitos de leitores. "Fui até
uma igreja & rezei por você e por mim", tuitou ele recentemente,
postando uma fotografia de uma igreja no topo de uma montanha. "Feliz
aniversário para sua mãe", disse ele a uma fã, que estava dando a ela
uma cópia de "Adultério" como presente de aniversário.
Ultimamente, ele vem tentando compartilhar mais sua vida pela
internet, fazendo o upload de uma coleção de documentos pessoais e
fotografias em seu site - que incluem o álbum de fotos de quando ele era
bebê e boletins com notas escolares de sua infância.
Nascido no Rio, filho de um engenheiro, ele frequentou uma escola
jesuíta rígida, reagindo ao que já chamou de "ameaças constantes do
inferno pelas bocas dos sacerdotes". Rebelde e determinado a se tornar
escritor, conta que foi internado em uma clínica de repouso pelos pais
três vezes, a partir de sua adolescência. Ele recebeu eletrochoques e
fugiu duas vezes.
Quando jovem, frequentou por pouco tempo uma faculdade de direito,
viajou, mergulhou nas drogas e compôs com o músico Raul Seixas. Coelho
diz ter sido preso e torturado por suas supostas atividades subversivas,
em parte devido às letras de música que escrevia.
Relata que, quando estava na casa dos 30 anos, um encontro místico
com um homem a quem ele se refere como J. o levou a percorrer o caminho
de Santiago de Compostela, na Espanha, onde teve um despertar
espiritual. Então, aos 39, iniciou a carreira de escritor com o romance
"Diário de um Mago".
O mais novo livro de Coelho é a história de uma jornalista casada
cuja entrevista com um político suíço e ex-namorado resvala para um
território obsceno. ("Então eu faço algo que sonhei fazer desde que
estava na escola", escreve Coelho. E poucos parágrafos depois: "Tenho
vontade de dizer: sim, fiz algo que não deveria ter feito e mesmo assim
não sinto a menor culpa, apenas medo de ser descoberto".)
"Adultério" reflete o zelo do autor pela mídia social. Para começar,
ele escolheu o título de uma só palavra em parte porque "cabe bem em uma
hashtag". No passado ele recorreu aos fãs em pesquisas, mas a obra
recente marca um novo nível do envolvimento dos leitores. Em novembro,
Coelho pediu a fãs deprimidos que compartilhassem suas histórias. "O
anonimato está garantido, mas eu poderei usar seu texto sem citar você.
Essa é a condição", escreveu em seu blog. Em um único dia ele recebeu
mais de mil e-mails. Em vez de histórias de depressão clínica, conta
ele, os leitores descreveram casos que torpedeavam relações
estabelecidas.
Intrigado com a ideia de que casamentos poderiam ser salvos se as
duas partes tivessem superado a traição, Coelho mudou o foco para o
adultério. Em salas de bate-papo sobre adultério, apresentou-se como
homem e mulher para fazer suas pesquisas. Ele se inspirou no que chama
de "um ou dois" casos que teve no início de seu relacionamento com a
pintora brasileira Christina Oiticica, sua quarta mulher.
"Eu estive com alguém, ela esteve com alguém - mas isso nunca desfez
nosso relacionamento", revela. "Você está viajando, conhece alguém e tem
um caso. Então eu disse: 'Meu Deus, imagine se eu me divorciasse de
minha mulher só porque ela esteve em Madri certa noite e eu não sei
onde!' Mas aí você supera isso. E então a melhor companhia é a dela."
Sua mulher confirma o relato. O casal está junto desde 1979, mas o
casamento só se efetivou no ano passado. (Inspirado por uma passagem de
"Adultério", em que uma personagem faz um voo de parapente, Coelho
recentemente pediu a Christina que ela fizesse o mesmo com ele. Ciente
do que poderia dar errado na aventura, ela lhe disse que não queria
morrer solteira, de modo que eles trocaram os votos perante um juiz de
paz em Genebra em novembro. E ainda não fizeram o voo de parapente.)
A arte de Christina Oiticica está nas paredes do apartamento de
Genebra. A residência do casal é cerca de varandas com vista para o Mont
Blanc e a Jet d'Eau, a histórica fonte no Lago Genebra. O interior
creme e branco, administrado por um pequeno staff, é pontuado por alguns
móveis vermelho-batom. Não há livros - Coelho doou todos e lê tudo em
um Kindle ou um iPad.
De sua mesa, sob uma peça de arte abstrata que representa a Virgem
Maria, ele publica diariamente várias postagens sobre seu novo livro,
sempre com links para sua página de pré-encomendas na Amazon. Na maior
parte dos dias, acorda na parte da tarde e dedica as noites à
atualização de informações a seu respeito na internet. O autor fica
acordado até as 4 horas, lendo jornais e livros.
A maior parte das postagens de Coelho é de "e-cards" -
cartões-postais que podem ser baixados da internet, sempre com uma linha
ou duas de seus romances, em um cenário de nuvens, corações e outros
clip-arts inspiracionais. Nesta semana, um e-card em português com uma
citação sobre o tédio de se ter tudo conseguiu 82 mil curtidas no
Facebook em um único dia. Coelho diz que o formato é o futuro da
editoração.
Ele cria quase todo o seu material on-line, embora seus editores e o
staff de sua agente em Barcelona contribuam com alguns e-cards. Coelho
também é ajudado por fãs apaixonados de parte do mundo onde ele não fala
o idioma local.
Hoje em dia, está de olho na China. "Um bilhão de pessoas!", exclama.
Uma fã chinesa chamada Yan Lu-Schömburg mantém um blog em mandarim para
Coelho e suas páginas em idiomas estrangeiros no Facebook e no Weibo, a
versão chinesa do Twitter. A ex-professora de 35 anos, que vive na
Alemanha com o marido e um filho, vê o trabalho como um exercício de
meditação. "É como repor as energias de minha alma", explica ela, que
não recebe salário. Coelho, que a chama de amiga, a remunera por alguns
projetos.
Quando escreve on-line, Coelho evita assuntos controvertidos, como a
política global. Mas seus comentários em entrevistas podem assombrá-lo.
Em 2012, ele desqualificou "Ulisses", de James Joyce, dizendo a um
jornal brasileiro que o livro era só estilo e a história inteira caberia
em um tuíte. Sua afirmação se transformou em um viral. Em uma postagem
no blog de livros do "The Guardian", o crítico Stuart Kelly atacou o que
chamou de "um caldo repugnante de egoísmo e misticismo rasteiro" de
Coelho.
Essas ataques violentos na internet não são incomuns e Coelho não dá
muita importância a eles. Ele rastreia os endereços dos computadores de
seus observadores mais cruéis e mantém até mesmo uma lista negra para
saber a quem deve rejeitar um favor se for procurado para isso. "As
pessoas têm um pouco de medo da minha vingança", afirma.
(Tradução de Mario Zamarian)
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REPORTAGEM POR Ellen Gamerman | "The Wall Street Journal", de Genebra
Fonte: Valor Econômico online, 22/08/2014
Foto da Internet
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