Juremir Machado da Silva*
O grande escritor argentino Borges, que terminou a vida cego,
escreveu luminosamente que a realidade gosta de simetrias
e de leves
anacronismos.
Ontem, pela manhã, comecei a escrever um texto sobre Eduardo
Campos. Pretendia fazer quatro parágrafos sobre a entrevista que ele
dera à televisão na noite anterior. Ao meio-dia, parei. Decidi continuar
no dia seguinte. Queria englobar as entrevistas de Aécio Neves, Eduardo
Campos e Dilma Rousseff. Meu artigo nunca será concluído. Eduardo
Campos jamais será presidente da República. A morte o tirou da corrida
eleitoral. Quando soube da notícia, pensei imediatamente nos acidentes
aéreos que mataram personagens da nossa história, entre os quais
Fernando Ferrari e Salgado Filho. O senador Pedro Simon, no Esfera
Pública, na Rádio Guaíba, também se lembrou dessas perdas históricas em
quedas de avião. Eduardo se foi cedo.
O grande escritor argentino Borges, que terminou a vida cego,
escreveu luminosamente que a realidade gosta de simetrias e de leves
anacronismos. Em outras palavras, a vida, muito mais do que as novelas e
os romances, é pródiga em coincidências. Eduardo Campos morreu, como
seu avô e referência política, em desastre de avião num 13 de agosto.
Agosto, mês de desgosto, do suicídio de Getúlio Vargas, há 60 anos, da
renúncia de Jânio Quadros, há 53 anos, e de todo um imaginário de
tristezas e medos. Marina Silva pretendia viajar no avião com Eduardo
Campos. Mudou de ideia na última hora. Poderia ter morrido também. Ou,
quem sabe, o acidente não teria acontecido. Ficamos perplexos e
começamos a pensar em todas essas possibilidades. Gostaríamos de parar o
tempo e mudar a direção dos ventos e das coisas. Não dá. Ninguém escapa
de um pensamento trivial e atroz:
– Não somos nada.
Bolha de sabão. Uma sensação terrível de finitude e de fragilidade
toma conta da gente. Foi disso que falamos, Taline Oppitz e eu, com a
senadora Ana Amélia Lemos, visivelmente chocada, e com a deputada
Manuela d’Ávila, que, com muita sensibilidade, referiu-se à esposa de
Eduardo. A morte fez o seu estrago. A vida continuará implacável. A
campanha eleitoral parou por um dia, talvez dois, mas terá de continuar.
A ex-senador Marina Silva assumirá a candidatura de Eduardo Campos, de
quem era vice? Muito provavelmente. Eduardo passará a ser um poderoso
cabo eleitoral sob o impacto da emoção.
Por um momento, no entanto, diferenças políticas esboroaram-se.
Jornalistas e políticos, aproximados pelo labor cotidiano, olharam-se
perdidos, arrepiados, buscando palavras para tentar expressar o que não
tem expressão. A morte de um homem de 49 anos, no auge das suas ambições
e determinações, produz uma sensação estranha. Eu, que só falei uma
vez, por telefone, com Eduardo Campos, fiquei atônito.
– Por que ele?
As campanhas eleitorais aumentam as probabilidades desse tipo de
acidente para candidatos, que se obrigam a voar de um lado para o outro,
com qualquer tempo, em aviõezinhos quase de brinquedo. Eduardo Campos
não mudará o Brasil. Não era favorito nas pesquisas. Tinha as suas
contradições. Mas tinha também as suas qualidades. Uma delas era o
desejo de fazer campanha com alegria. Acreditava na vida. Acabou.
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* Escritor. Prof. Universitário.
Fonte: Correio do Povo online, acesso 16/08/2014
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Que texto! Sem contradições...
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