quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Colocar-se no lugar de bilhões de estranhos? O problema da empatia como solução para a humanidade

 

"Uma análise racional da obrigação moral e de suas consequências é um guia mais efetivo para planejar 
o futuro do que a pancada da empatia."
 - Paul Bloom

Quando adolescente, o psicólogo canadense Paul Bloom trabalhou extensivamente com crianças autistas. Ao se graduar em psicologia pela Universidade de McGill, ele esperava se tornar um psicólogo clínico de crianças. Seus interesses mudaram quando conheceu o professor John Macnamara, que havia estudado a interface entre psicologia e filosofia. Bloom trabalhou com Macnamara como graduando e se especializou em desenvolvimento cognitivo e aquisição da linguagem no MIT.

Como professor – primeiro, na Universidade do Arizona e, depois, em Yale – Bloom desenvolveu uma teoria da aprendizagem das palavras que inclui, em seu núcleo, a cognição social e a teoria da mente. A teoria da mente é uma competência cognitiva específica que reconhece os outros como agentes intencionais, capazes de interpretar as mentes, seus desejos e crenças.

Diretamente dependente da linguagem, é esta capacidade que nos permite avaliar nosso estado mental e o das pessoas ao nosso redor - resultando em empatia ou julgamento - mesmo que tais observações venham de sinais indiretos. A grande questão da ciência cognitiva é compreender como aprendemos a formar estas crenças e quando esta capacidade surge na evolução humana. Para solucionar este desafio, Bloom e seus estudantes começaram a explorar uma série de desafios relacionados à natureza, à arte, ao prazer, à religião e à moral, descobrindo que alguns valores tidos como cruciais para uma humanidade mais igualitária podem ser justamente aqueles que nos fazem agir de forma egoísta - como a empatia, quando destituída de um sentido racional de justiça.

Ex-presidente da Sociedade pela Filosofia e Psicologia (SPP) e coeditor do periódico Behavioral and Brain Sciences, um dos mais importantes na área, Paul Bloom escreve sobre o papel da empatia e da razão no progresso moral da sociedade. Para Bloom, a empatia não tem valor absoluto. Colocamos nossas famílias acima dos outros justamente por sentirmos mais empatia por aqueles mais próximos. Ainda, Bloom argumenta ser impossível desenvolver empatia por sete bilhões de estranhos no planeta, refutando a ideia de que precisamos ver a humanidade como uma família. Para ele, o que devemos fazer é ensinar o valor universal da vida, seguindo a linha de Steven Pinker, que defende que faculdades mentais mais complexas - como razão e justiça - são mais eficazes como um guia para o futuro. Leia abaixo:

PAUL BLOOM | As pesquisas atuais sobre empatia estão florescendo, enquanto a neurociência cognitiva passa pelo que alguns chamam de “revolução afetiva”. Existe um crescente foco nas emoções, especialmente naquelas que envolvem pensamento e ação morais. Aprendemos, por exemplo, que alguns sistemas neurais ativos quando sentimos dor são acionados quando observamos o sofrimento alheio. Outros pesquisadores estão explorando como a empatia emerge em chimpanzés e noutros primatas, bem como se desenvolve em crianças e quais circunstâncias são necessárias para dispará-la.

Este interesse não é apenas teórico. Se conseguirmos compreender como funciona a empatia, poderemos produzir mais empatia. Alguns indivíduos são empáticos a apoios políticos ou a ideologias religiosas que promovem crueldade aos seus adversários, enquanto outros são deficientes de empatia por questões genéticas, pais abusivos, experiências brutais ou por uma mistura de todos acima. No extremo disso, reside 1% das pessoas que são clinicamente chamadas de psicopatas. Uma lista padrão da condição inclui “insensibilidade e falta de empatia”; muitos outros traços da psicopatia são consequência deste déficit fundamental, como a falta de culpa e a mentira patológica. Alguns culpam o déficit de empatia como grande culpado pelo sofrimento no mundo. (...)

“O declínio da violência pode dever algo à expansão da empatia”, escreveu o psicólogo Steven Pinker, “mas também deve muito a difíceis faculdades como prudência, razão, justiça, autocontrole, normas e tabus e formação de direitos humanos.” Uma análise racional da obrigação moral e de suas consequências é um guia mais efetivo para planejar o futuro do que a pancada da empatia.

Jeremy Rifkin [autor de The empathic civilization] e outros têm argumentado, razoavelmente, que o progresso moral envolve expandir nossa preocupação com a família e com a tribo para toda humanidade. Mas, é impossível ter empatia com sete bilhões de estranhos ou sentir por um desconhecido o mesmo que você sente por seu filho, seu amigo ou seu companheiro. Nossa melhor esperança para o futuro não é pensar na humanidade como uma família, mas sim apreciar o fato de que, mesmo que não tenhamos empatia por estranhos distantes, suas vidas têm o mesmo valor que a vida daqueles que amamos.

Isso não é um chamado para um mundo sem empatia. Uma comunidade de psicopatas poderia ser suficientemente inteligente para inventar princípios de solidariedade e de justiça (pesquisas sugerem que criminosos psicopatas são adeptos de julgamentos morais). O problema com aqueles vazios de empatia é que, mesmo que reconheçam o que é correto, eles não possuem motivação para agir em direção a isso. Uma centelha de sentimentos comunitários é necessária para converter inteligência em atitude.

Mas, uma centelha pode ser tudo que precisamos. Colocando de lado os extremos da psicopatia, não há evidência que sugira que pessoas com menos empatia são piores do que os outros. Simon Baron-Cohen [professor de Psicopatologia Desenvolvimental em Cambridge] observa que algumas pessoas que sofrem de autismo ou da síndrome de Asperger, mesmo que sejam deficientes de empatia, são altamente morais e possuem um forte desejo de seguir as regras e de assegurar que sejam justamente aplicadas.

Onde a empatia realmente importa é nos nossos relacionamentos pessoais. Ninguém quer viver como Thomas Gradgrind – o utilitarista caricato de Charles Dickens, que ameaça todas as interações, incluindo aquelas com seus filhos, por questões explicitamente econômicas. Empatia é aquilo que nos torna humanos; é aquilo que nos torna tanto sujeitos quanto objetos de preocupação moral. Empatia apenas nos trai quando a levamos como um guia moral.
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Fonte: http://www.fronteiras.com/canalfronteiras/noticias/?16,262

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