por Carol Zaleski*
tradução: Sieni Maria Campos
Caro Padre Louis,
O sol passou por Aquário cem vezes desde o seu nascimento no “último dia de
janeiro de 1915, sob o signo do Portador de Água, em um ano de uma grande
guerra”. Faz quase três quartos de século que você entrou para a Abadia de
Nossa Senhora de Getsêmani como postulante, penitente e convertido; encerrou-se
nas “quatro paredes de liberdade” em 10 de dezembro de 1941, quando os Estados
Unidos entravam na Segunda Guerra Mundial, um mês e meio antes do seu 27º
aniversário. Você morreu em 10 de dezembro de 1968, exatamente 27 anos depois,
após fazer uma palestra sobre “Marxismo e Perspectivas Monásticas” em uma
reunião em Bancoc. Sua vida se divide em uma metade secular e outra religiosa;
e esta é quase a única coisa a seu respeito que podemos equacionar nitidamente.
Ouvi falar de você pela primeira vez na infância, na periferia do movimento pacifista em Nova York; lembro-me de ouvir as queixas de alguns ativistas do Catholic Worker quando você se recusou a apoiar a queima das cartas de convocação para o serviço militar durante a guerra do Vietnã; você conseguia desconcertar até quem o considerava um profeta. Na época da faculdade, descobri os seus livros, das clássicas memórias, A Montanha dos Sete Patamares, às suas reflexões sobre Zen, Taoísmo e Sufismo. Você me convenceu de que a vida contemplativa continua sendo não só viável como essencial. Meu futuro marido imaginou que poderia me conquistar carregando no bolso um exemplar de Contemplative Prayer; conseguiu. Nessa época você tinha se tornado o que o seu nome sugere em anagrama: mentor de milhões de pessoas que nunca tiveram a oportunidade de conhecê-lo face a face.
Mas desejamos conhecê-lo face a face; daí a profusão de biografias notáveis – entre as quais a investigação levemente psicanalítica de Monica Furlong, a escrita por Michael Mott cheia de fatos da vida cotidiana, os estudos empáticos de Lawrence Cunningham e William Shannon, o retrato de grupo traçado por Paul Elie que o relacionava com seus companheiros americanos de peregrinação Dorothy Day, Walker Percy e Flannery O’Connor, o filme biográfico de Paul Wilkes e Audrey Glynn – e os numerosos livros de fotos de Ed Rice, John Howard Griffin, Jim Forest e outros. Como você era fotogênico de hábito branco e escapulário preto contra o fundo dos campos de pasto e alfafa, ou de roupas de trabalho de jeans e chapéu de palha na varanda do seu eremitério, ou, livre das suas quatro paredes de liberdade, desfrutando da companhia dos novos irmãos Thich Nhat Hanh e Dalai Lama!
Ouvi falar de você pela primeira vez na infância, na periferia do movimento pacifista em Nova York; lembro-me de ouvir as queixas de alguns ativistas do Catholic Worker quando você se recusou a apoiar a queima das cartas de convocação para o serviço militar durante a guerra do Vietnã; você conseguia desconcertar até quem o considerava um profeta. Na época da faculdade, descobri os seus livros, das clássicas memórias, A Montanha dos Sete Patamares, às suas reflexões sobre Zen, Taoísmo e Sufismo. Você me convenceu de que a vida contemplativa continua sendo não só viável como essencial. Meu futuro marido imaginou que poderia me conquistar carregando no bolso um exemplar de Contemplative Prayer; conseguiu. Nessa época você tinha se tornado o que o seu nome sugere em anagrama: mentor de milhões de pessoas que nunca tiveram a oportunidade de conhecê-lo face a face.
Mas desejamos conhecê-lo face a face; daí a profusão de biografias notáveis – entre as quais a investigação levemente psicanalítica de Monica Furlong, a escrita por Michael Mott cheia de fatos da vida cotidiana, os estudos empáticos de Lawrence Cunningham e William Shannon, o retrato de grupo traçado por Paul Elie que o relacionava com seus companheiros americanos de peregrinação Dorothy Day, Walker Percy e Flannery O’Connor, o filme biográfico de Paul Wilkes e Audrey Glynn – e os numerosos livros de fotos de Ed Rice, John Howard Griffin, Jim Forest e outros. Como você era fotogênico de hábito branco e escapulário preto contra o fundo dos campos de pasto e alfafa, ou de roupas de trabalho de jeans e chapéu de palha na varanda do seu eremitério, ou, livre das suas quatro paredes de liberdade, desfrutando da companhia dos novos irmãos Thich Nhat Hanh e Dalai Lama!
E, apesar de todos os seus escritos
que o revelavam, como você era inescrutável! Você escreveu memórias dignas de
serem comparadas com as Confissões de
Agostinho – não fossem elas arranhadas por uma rebeldia metafísica - contemptus mundi – parecida com a do
personagem Holden Caulfield de o Apanhador
no Campo de Centeio. Você bebeu nas fontes da espiritualidade monástica por
meio de erudição e reflexão sobre a Regra de São Bento, os Padres do Deserto,
João Cassiano, Bernardo de Claraval, e depois traduziu essa espiritualidade em
um idioma de autenticidade e distanciamento que agora parece antiquado. Você devolveu
à contemplação o lugar central que lhe pertence de direito na vida cristã e fez
muito “para assegurar ao mundo moderno que, na luta entre pensamento e
existência, nós [monges] estamos do lado da existência, não da abstração”, e
depois retratou a contemplação como um esvaziamento de si tão radical que esta perde
muito de seu conteúdo especificamente religioso. Você lutou pelo privilégio de
viver como eremita no terreno da abadia, mas permitiu que o eremitério se
tornasse lugar de reunião para seus amigos não monásticos durante um período em
que você estava (como disse a Rosemary Radford Ruether) “contrariado com os
católicos e com medo deles”.
Em uma leitura psicanalítica
reducionista, você era um órfão à procura dos pais perdidos, um amante
reprimido, um narcisista se afogando em sua própria reflexão. Em uma leitura
agostiniana com mais discernimento, contudo, você era um Homem Comum cujo
coração está inquieto enquanto não repousa em Deus; em uma leitura monástica
sensata, você era um dos milhares de monges essencialmente bons que se extraviaram
mas mantiveram o rumo. Acredito que você de fato manteve o rumo. Se não tivesse
sido pela falha do ventilador elétrico, ou pela falha no seu próprio coração,
acredito que, depois de passadas as tempestades da juventude, você teria
retornado a Getsêmani e seria um modelo de sabedoria monástica.
Você disse que o propósito do monaquismo não é sobrevivência, e sim profecia. O que você talvez não tenha percebido – pois sua entrada na vida monástica foi o ponto alto do renascimento desta durante a guerra e o pós-guerra – é que a sobrevivência do monaquismo é profecia, um tipo especial de profecia que serena as paixões políticas e sobrevive a elas.
Você disse que o propósito do monaquismo não é sobrevivência, e sim profecia. O que você talvez não tenha percebido – pois sua entrada na vida monástica foi o ponto alto do renascimento desta durante a guerra e o pós-guerra – é que a sobrevivência do monaquismo é profecia, um tipo especial de profecia que serena as paixões políticas e sobrevive a elas.
O Diário da Ásia de Thomas Merton diz que as palavras com que você terminou sua intervenção na reunião de
Bancoc foram “Então irei desaparecer”. No entanto, a citação completa de suas
palavras lhes tira o sentido de despedida: “Então irei desaparecer de vista e
todos poderemos tomar uma Coca-Cola ou
algo parecido.” Então você morreu, com sua história inacabada. Mas, a partir de
suas cartas, poemas, diários, romances, homilias e gravações de suas palestras
aos seminaristas de Getsêmani, podemos montar a imagem de um escritor
brilhante, monge comprometido e homem frágil que buscou a Deus com todo o seu
coração e nos convida a fazer o mesmo.
Pax.
Pax.
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(fonte (inglês): http://www.christiancentury.org/article/2014-12/letter-thomas-merton)
Em português: http://reflexoes-merton.blogspot.com.br/2015/01/uma-carta-para-thomas-merton.html
*Carol Zaleski is professor of world religions at Smith College in Northampton, Massachusetts.