Escritor
paquistanês diz que terroristas prejudicam os muçulmanos
RIO
— O escritor paquistanês Tariq Ali, autor de “Confronto de fundamentalismos:
cruzadas, jihads e modernidade” e outros livros sobre política e conflitos religiosos,
acredita que o ataque ao jornal “Charlie Hebdo” pode agravar a onda de
islamofobia na Europa. Em entrevista ao GLOBO por telefone, de Londres, onde
vive, Ali critica líderes islâmicos que se preocupam mais com cartuns do que
com “problemas reais” e diz temer um avanço da extrema-direita: “Os
responsáveis por esse atentado, que dizem falar em nome do Islã, na verdade
prejudicam os muçulmanos.”
Quais
foram suas primeiras reações ao atentado contra o “Charlie Hebdo"?
Sou
um grande admirador de (Georges) Wolinski, um talento brilhante. Por que
atacaram esses cartunistas? Embora os responsáveis pelo atentado não tenham
sido identificados, as informações apontam para extremistas islâmicos. O jornal
vinha sendo muito criticado por parte da comunidade islâmica, principalmente
desde 2011, quando republicou os cartuns dinamarqueses que insultavam o profeta
Maomé. Mas o “Charlie Hebdo" sempre foi crítico em relação a cristãos,
judeus, muçulmanos... E mesmo que se considere excessiva a abordagem que o jornal
fazia do Islã, é óbvio que nada justifica o atentado.
Na
época da polêmica sobre os cartuns dinamarqueses, você criticou líderes
islâmicos, que estariam mais preocupados com desenhos de Maomé do que com o
terrorismo ou a violência contra muçulmanos. E hoje?
O
que eu disse, e mantenho agora, é que a reação de líderes islâmicos contra os
cartuns é excessiva, porque ignora os problemas reais. As invasões no Oriente
Médio, a situação dos muçulmanos na Palestina, na Síria, no Iêmen, no Líbano
parecem preocupar menos certos líderes islâmicos do que desenhos de Maomé. Mas
é preciso dizer que hoje, tanto na França quanto no resto da Europa, líderes
muçulmanos estão se solidarizando com as vítimas do atentado e denunciando o
fundamentalismo. Só que o problema é mais amplo. Toda vez que uma atrocidade
dessas é cometida, temos demonstrações de solidariedade. Mas os extremistas não
operam por essas regras.
Você
acredita que esse atentado pode incentivar a islamofobia na Europa?
Sem
dúvida. Já há um grande ambiente de islamofobia na Europa, o que ficou claro
com as manifestações recentes em Berlim contra imigrantes e a “islamização” do
país. Na França há uma corrente forte anti-Islã, representada não só por
políticos de extrema-direita, mas também por intelectuais. O novo romance de
Michel Houellebecq, “Submissão", que está sendo muito debatido, imagina um
presidente islâmico na França em 2020 como um cenário distópico. Claro que há
pessoas tentando mudar esse ambiente, como Edwy Plenel, que publicou ano
passado na França o livro “Para os muçulmanos”, criticando o ódio ao Islã. Mas
agora, muita gente vai pensar que a extrema-direita está certa, que é preciso
combater os imigrantes muçulmanos. Os responsáveis por esse atentado, que dizem
falar em nome do Islã, na verdade prejudicam os muçulmanos.
--------------
Reportagem
por Guilherme Freitas
Fonte: Jornal O GLOBO online, 08/01/2015
Nenhum comentário:
Postar um comentário