Thomas Reese*
"Tente fazer a seguinte experiência: Vá a uma comunidade
católica em que nunca esteve e veja quanto tempo leva até que alguém
puxe conversa com você. Depois, vá a uma igreja evangélica e faça o
mesmo. Os evangélicos irão
vencer em todas as vezes"
Qualquer um que lê esta coluna sabe que sou um grande fã do Papa Francisco.
Nunca pensei que iria ver um papa assim em minha vida. A sua
simplicidade, compaixão e compromisso para com os pobres são reflexos
genuínos da mensagem evangélica de Jesus. O seu apoio
no sentido da abertura, discussão e debate honesto na Igreja são marcas
de sua confiança no Espírito. A sua ênfase na justiça, paz e cuidado com
o meio ambiente mostra que o seu foco está direcionado a questões
fundamentais do século XXI.
Dito isso, eu gostaria de que ele soubesse como falar sobre as
mulheres de uma forma que fosse mais aceitável. Gostaria que ele pedisse
pela renúncia dos bispos que perderam a credibilidade ao não seguirem
as regras da Igreja no que diz respeito a lidar com padres abusadores.
Fico também preocupado quando as pessoas colocam todas as suas esperanças e sonhos de Igreja nos ombros do Papa Francisco.
O papa não é a Igreja Católica. Ele tem um papel muito importante na
Igreja, mas ela é muito maior do que ele. Ela inclui a todos nós.
Por exemplo, muitos jornalistas me perguntam sobre o “efeito Francisco”. Francisco está trazendo as pessoas de volta para a Igreja?
Curiosamente, ouvimos de pais e avós que seus filhos, que não vão à
igreja, gostam do papa e dizem que ele mudou a atitude que tinham em
relação à Igreja. Mas, até agora, não temos nenhuma pesquisa que mostre
este efeito Francisco.
Parte da explicação é que o papa não é a Igreja Católica. Tip O’Neil [ex-presidente da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos] disse que toda política é local. Eu diria que toda religião é local também.
Depois de uma entrevista à televisão, conversei com uma jovem
produtora que me contou sua experiência. Ela foi criada católica, mas
parou de ir à igreja durante a faculdade. Atualmente está envolvida na
comunidade e foi incentivada pelo seu noivo e pelo papa Francisco a voltar a frequentar. Após ir à igreja por algumas vezes, ela se sentiu chamada a ir para o Sacramento da Reconciliação.
Foi um desastre. O padre gritou com ela e disse que tudo de ruim que
havia acontecido com ela era devido ao seu afastamento da Confissão
nestes 10 anos.
Não haverá nenhum “efeito Francisco” se quando as pessoas voltam a frequentar a igreja elas não encontram alguém como Francisco em suas paróquias. Ir ao confessionário, hoje, é como jogar roleta russa. Não sabemos se iremos encontrar o Jesus
compassivo ou um alguém furioso, julgador, que pensa ser o seu trabalho
dizer às pessoas quão ruins elas são. Esta é uma forma de abuso sobre a
qual a Igreja nada tem feito.
Nós não devemos nos limitar ao clero aqui. A equipe de funcionários
paroquiais pode estar tentada ao clericalismo, e as comunidades
paroquiais muitas vezes ignoram os novos paroquianos, que podem se
sentir perdidos na multidão.
Tente fazer a seguinte experiência: Vá a uma comunidade católica em
que nunca esteve e veja quanto tempo leva até que alguém puxe conversa
com você. Depois, vá a uma igreja evangélica e faça o mesmo. Os
evangélicos irão vencer em todas as vezes.
Os teóricos organizacionais lembram que reformar uma instituição
exige mais do que apenas rearranjar o quadro organizativo. Exige também
uma mudança cultural, ou aquilo que nós cristãos chamamos de conversão
espiritual. Um papa pode apontar o caminho a percorrermos via palavras e
exemplo, mas uma mudança permanente na Igreja só irá acontecer quando
nós mudarmos.
Por exemplo, a Igreja Católica presumiu que o papel do clero é ser ativo e que o papel dos leigos é ser passivo. O Concílio Vaticano II tentou acabar com esta noção, mas padrões antigos morrem lentamente.
No Brasil, Francisco conduziu os bispos a um exame de consciência, que incluiu a pergunta: “Damos a liberdade aos leigos para irem discernindo, de acordo com o seu processo de discípulos, a missão que o Senhor lhes confia? Apoiamo-los e acompanhamos, superando qualquer tentação de manipulação ou indevida submissão?”
Quando a conversa se volta à escassez de padres, eu às vezes brinco: “Talvez Deus saiba o que está fazendo. Talvez esta seja a única forma para se acabar com o clericalismo na Igreja”.
O lado bom da escassez sacerdotal é que os poucos padres (e irmãs)
remanescentes não conseguem fazer tudo e se a Igreja quer sobreviver, os
leigos devem vir à frente e se empoderarem, fazendo a Igreja prosperar.
Um pastor que eu admirava costumava dizer: “Mais poder às pessoas; menos trabalho para o padre”.
Francisco nos deu esperanças e nos mostrou o
caminho, mas cabe a nós entrarmos no jogo e fazer a diferença. Não há
lugar na Igreja para observadores passivos; todos somos chamados a ser o
corpo de Cristo ativo em nosso mundo atual. Isso significa participar
ou apoiar os programas paroquiais, nas músicas litúrgicas, na
hospitalidade, na educação continuada, no estudo bíblico, no ministério
jovem e na justiça social, só para mencionar alguns.
O desejo do Papa Francisco por uma “Igreja pobre para os pobres” ou de que a Igreja seja um “hospital de campanha” precisa ser incorporado no nível paroquial, ou ele não irá acontecer.
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* Thomas Reese, ex-editor-chefe da revista America, dos jesuítas dos EUA, de 1998 a 2005, e autor de O Vaticano por dentro (Ed. Edusc, 1998), em artigo, publicado pela National Catholic Reporter, 16-01-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Fonte: IHU online, 21/01/2015
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