Sistema falha em proteger seus valores
SLAVOJ ZIZEK
TRADUÇÃO CLARA ALLAIN
RESUMO Após os acontecimentos recentes na França, o filósofo esloveno
Slavoj Zizek diz que é hora de pensar. Ele argumenta que o fundamentalismo é
uma reação falsa e mistificadora contra o que seria uma falha real do
liberalismo, cujos valores fundamentais precisariam ser " salvos" por
uma "esquerda renovada".
Agora, quando estamos todos em estado de choque após a orgia de mortes na
redação do "Charlie Hebdo", é o momento certo para criarmos coragem
para pensar. Agora, e não mais tarde, quando as coisas se acalmarem, como
procuram nos convencer os proponentes da sabedoria barata: o difícil é
justamente combinar o calor do momento com o ato de pensar. Pensar na calma e
frieza do dia seguinte não gera uma verdade mais equilibrada; em vez disso,
normaliza a situação, permitindo que evitemos enxergar o fio cortante da
verdade.
Pensar quer dizer avançar além do "páthos" de solidariedade
universal que explodiu nos dias seguintes ao acontecimento e culminou no
domingo, 11 de janeiro, com a visão de grandes nomes políticos de todo o mundo
se dando as mãos, desde Cameron a Lavrov, de Netanyahu a Abbas. Se alguma vez
houve uma imagem de falsidade hipócrita, foi essa. O verdadeiro gesto digno do
"Charlie Hebdo" teria sido publicar em sua capa uma grande caricatura
satirizando esse evento de modo brutal e de mau gosto, com desenhos de
Netanyahu e Abbas, Lavrov e Cameron e outras duplas abraçando e beijando-se com
paixão, ao mesmo tempo em que afiam facas pelas costas.
Devemos, é claro, condenar os assassinatos inequivocamente, enxergando-os
como um ataque contra a própria tessitura de nossas liberdades, e condená-los
sem quaisquer condicionais ocultas (do tipo "mas o 'Charlie Hebdo' estava
provocando e humilhando demais os muçulmanos"). Devemos rejeitar toda e
qualquer referência semelhante a um contexto mitigador mais amplo: os irmãos
atiradores foram profundamente afetados pelos horrores da ocupação americana do
Iraque (ok, mas então por que não atacaram alguma instalação militar dos EUA,
em vez de um semanário satírico francês?), os muçulmanos no Ocidente são uma
minoria explorada e mal tolerada (os africanos negros são tudo isso, ainda
mais, mas não detonam bombas nem matam) etc.
O problema com tal evocação do pano de fundo complexo é que ele pode muito
ser usado também com relação a Hitler: também ele conseguiu mobilizar a
injustiça do tratado de Versalhes, mas, mesmo assim, foi plenamente justificado
combater o regime nazista com todos os meios que tínhamos à disposição. O
importante não é se as queixas que condicionam os atos terroristas são
fundamentadas ou não. O importante é o projeto político-ideológico que emerge
como reação contra injustiças.
SUPEREGO Tudo isso não basta: precisamos pensar mais à frente, e esse
pensar a mais não guarda nenhuma relação com a relativização simplista do crime
(o mantra de "quem somos nós, no Ocidente, responsáveis por massacres
terríveis no Terceiro Mundo, para condenar tais atos"). Tem menos relação
ainda com o medo patológico que muitos esquerdistas liberais ocidentais têm de
serem islamófobos. Para esses falsos esquerdistas, qualquer crítica ao islã é
denunciada como expressão de islamofobia ocidental, Salman Rushdie foi
denunciado por ter provocado os muçulmanos desnecessariamente, logo foi
responsável (pelo menos parcialmente) pela "fatwa" que o condenou à
morte etc. O resultado dessa posição é o que se pode esperar em tais casos:
quanto mais os esquerdistas liberais ocidentais se afundam no sentimento de
culpa, mais são acusados por fundamentalistas muçulmanos de serem hipócritas
que tentam ocultar seu ódio pelo islã. Essa constelação reproduz perfeitamente
o paradoxo do superego: quanto mais você obedece ao que o Outro exige de você,
mais você é culpado. É como se, quanto mais você tolerasse o islã, mais forte
fosse a pressão do islã sobre você.
É por isso que também considero insuficientes os chamados por moderação na
linha da afirmação feita por Simon Jenkins, no "Guardian" de 7 de janeiro,
de que o que precisamos fazer é "não reagir exageradamente, não divulgar
demais o dia seguinte ao acontecido. É tratar cada acontecimento como um
acidente passageiro de horror". O ataque ao "Charlie Hebdo" não
foi um mero "acidente passageiro de horror", ele seguiu uma agenda
religiosa e política precisa e, como tal, evidentemente fez parte de um quadro
muito maior. É claro que não devemos reagir exageradamente, se com isso se quer
dizer sucumbir à islamofobia irrestrita. Mas precisamos analisar a fundo o
quadro maior.
Muito mais necessário, mais forte e mais eficiente que a demonização dos
terroristas e sua retratação como fanáticos suicidas heroicos é desmistificar
esse mito demoníaco. Muito tempo atrás Nietzsche percebeu como a civilização
ocidental se deslocava na direção do Último Homem, um ser apático, destituído
de grande paixão ou engajamento. Incapaz de sonhar, cansado da vida, ele não
assume riscos, buscando apenas o conforto e a segurança, uma expressão de
tolerância uns com os outros: "Um pouquinho de veneno de quando em quando:
isso garante sonhos agradáveis. E muito veneno no final, para uma morte
agradável. Eles têm seus pequenos prazeres para o dia e seus pequenos prazeres
para a noite, mas se preocupam com a saúde. 'Descobrimos a felicidade', dizem
os Últimos Homens, e piscam".
Pode realmente parecer que a cisão entre o permissivo Primeiro Mundo e a
reação fundamentalista contra ele segue cada vez mais as linhas da oposição
entre viver uma vida longa e satisfatória, cheia de riqueza material e
cultural, e dedicar a vida a alguma causa transcendental. Não seria esse
antagonismo o mesmo que Nietzsche descreveu como a oposição entre o niilismo
"passivo" e o "ativo"? Nós, no Ocidente, somos os Últimos
Homens nietzschianos, imersos em estúpidos prazeres diários, enquanto os
radicais muçulmanos se dispõem a arriscar tudo, engajados na luta até sua
autodestruição. O poema "The Second Coming" (A segunda vinda), de
William Butler Yeats, parece expressar nosso dilema atual à perfeição:
"Falta aos melhores convicção, enquanto os piores /Estão cheios de ardor
apaixonado" [em tradução de Péricles Eugênio]. É uma excelente descrição
da divisão atual entre liberais anêmicos e fundamentalistas intensos. "Os
melhores" não conseguem mais engajar-se plenamente, e "os
piores" se engajam com o fanatismo racista, religioso e sexista.
Mas será que os fundamentalistas terroristas realmente se enquadram nessa
descrição? O que faz falta evidente a eles é um elemento que é fácil discernir
em todos os fundamentalistas autênticos, desde budistas tibetanos até os amish,
nos Estados Unidos: a ausência de ressentimento ou inveja, a indiferença
profunda em relação ao modo de vida dos não crentes. Se os chamados
fundamentalistas de hoje realmente acreditam ter encontrado o caminho que
conduz à Verdade, por que se sentem ameaçados por não crentes, por que deveriam
invejá-los? Quando um budista encontra um hedonista ocidental, ele não o
condena. Apenas observa, com espírito gentil, que a busca de felicidade do
hedonista encerra em si mesma as sementes de seu próprio fracasso.
Em contraste com os verdadeiros fundamentalistas, os pseudofundamentalistas
terroristas se sentem profundamente incomodados, intrigados e fascinados pela
vida pecaminosa dos não fiéis. Percebe-se que, quando combatem o outro
pecaminoso, estão combatendo sua própria tentação.
É aqui que o diagnóstico de Yeats não cobre por completo a situação atual: a
intensidade e paixão dos terroristas aponta para uma ausência de convicção
real. Quão frágil deve ser a crença de um muçulmano se ele se sente ameaçado
por uma caricatura estúpida publicada num semanário satírico? O terror
fundamentalista islâmico não é baseado na convicção dos terroristas de sua
própria superioridade e seu desejo de proteger sua identidade
cultural-religiosa do ataque da civilização consumista global. O problema dos
fundamentalistas não é que nós os consideremos inferiores a nós, mas que eles
próprios, secretamente, se enxergam como sendo inferiores. Por isso nossas
afirmações politicamente corretas de que não sentimos superioridade em relação
a eles só os enfurecem mais, alimentando seu ressentimento.
IDENTIDADE O problema não é a diferença cultural (o esforço deles
para preservar sua identidade), mas o fato oposto de que os fundamentalistas já
são como nós --que, em segredo, eles já internalizaram nossos padrões e já se
medem por eles. Paradoxalmente, o que falta realmente aos fundamentalistas é
precisamente uma dose daquela verdadeira convicção "racista" de sua
própria superioridade.
As vicissitudes recentes do fundamentalismo muçulmano confirmam a velha
ideia de Walter Benjamin de que "cada ascensão do fascismo é testemunha de
uma revolução falida": a ascensão do fascismo é a falência da esquerda,
mas, ao mesmo tempo, uma prova de que existiu um potencial revolucionário, uma
insatisfação, que a esquerda não conseguiu mobilizar. E a mesma coisa não se
aplica ao chamado "islamofascismo" de hoje? A ascensão do islamismo
radical não se correlaciona exatamente com o desaparecimento da esquerda
secular nos países muçulmanos? Quando, na primavera de 2009, o Taleban assumiu
controle do vale do Swat, no Paquistão, o "New York Times" informou
que o grupo arquitetou "uma revolta de classes que explora divisões
profundas entre um grupo pequeno de latifundiários ricos e os sem-terra que
arrendam suas terras". Mas se o Taleban, ao "tirar vantagem" da
situação dos camponeses, "gera preocupação com os riscos disso para o
Paquistão, país ainda em grande medida feudal", o que impede democratas
liberais no Paquistão e nos EUA de igualmente "tirar vantagem" da
situação e tentar ajudar os camponeses sem-terra? A triste implicação é que as
forças feudais no Paquistão são as "aliadas naturais" da democracia
liberal.
Então como ficam os valores fundamentais do liberalismo --liberdade,
igualdade etc.? O paradoxo é que o próprio liberalismo não é forte o suficiente
para proteger seus valores contra o ataque fundamentalista. O fundamentalismo é
uma reação --uma reação falsa, mistificadora, é claro-- contra uma falha real
do liberalismo, e é por isso que ele é gerado repetidas vezes pelo liberalismo.
Deixado por conta própria, o liberalismo vai lentamente solapar a si mesmo; a
única coisa capaz de salvar seus valores fundamentais é uma esquerda renovada.
Para que esse legado crucial possa sobreviver, o liberalismo precisa da ajuda
fraterna da esquerda radical. Essa é a única maneira de derrotar o
fundamentalismo, de lhe tirar o chão.
Pensar em resposta à matança de Paris quer dizer abandonar a autoconfiança
arrogante de um liberal permissivo e reconhecer que o conflito entre a
permissividade liberal e o fundamentalismo é, em última análise, um conflito
falso --um ciclo vicioso de dois polos que geram e pressupõem um ao outro. O
que Horkheimer disse a respeito do fascismo e do capitalismo já na década de
1930 --que quem não quer falar criticamente sobre o capitalismo também deveria
se calar em relação ao fascismo-- também se aplica ao fundamentalismo de hoje:
posso defender seu direito de publicar alguma coisa e ainda assim condenar o
que você publica. Posso defender o que você diz e ainda dizer que está errado.
Rezando pela cartilha
Não
é o Ocidente que deve mudar, mas o islã
JOÃO PEREIRA COUTINHO
RESUMO
Contra o texto do filósofo, o cientista político português defende a
necessidade de mudança do islamismo por uma reforma que desvincule a vida
cotidiana da religião. Para ele, a utopia de uma esquerda radical capaz de
salvar o Ocidente da letargia do liberalismo aproxima-se dos ideais que moveram
Hitler e Lênin.
Slavoj
Zizek tem razão: depois dos massacres de Paris, é preciso coragem para pensar.
Mas alguém deveria ter explicado a Zizek que coragem, por vezes, não chega. É
preciso ter algum material na massa cinzenta para realizar tal tarefa.
O
texto de Zizek alimenta as minhas dúvidas: ele é contraditório, historicamente
relapso --e, no essencial, apenas debita a velha cartilha totalitária de que o
"liberalismo", pela sua intrínseca "fragilidade", é uma
presa fácil para o terrorismo islamita. Se eu tivesse lido o texto de Zizek sem
conhecer a verdadeira autoria, diria que alguém tinha ressuscitado Carl
Schmitt, o ilustre jurista do Terceiro Reich, e as suas considerações nefandas
sobre a democracia liberal.
Comecemos
pelas contradições: Zizek recusa a litania de Nietzsche e de todos os seus
imitadores menores (como Oswald Spengler ou Werner Sombart) de que o
"declínio do Ocidente" se explica pelo seu rasteiro materialismo:
nós, ocidentais, anestesiados pela afluência do capitalismo (sempre essa
temível besta!), deixamos de ser "heróis" e de servir uma causa transcendente.
Preferimos o conforto dos nossos "hobbies" infantis ao desafio
homérico de nos superarmos em nome de um ideal.
UTOPIA
O problema é que Zizek afirma tudo isso --por outras palavras-- ao considerar
as "virtudes burguesas" das democracias liberais, que na verdade são
indissociáveis das sociedades capitalistas, como incapazes de proteger o
Ocidente de predações islamitas. Só a esquerda radical pode insuflar no
liberalismo decadente a dose certa de vigor político e moral, diz ele (sem
rir). Como é evidente, Zizek limita-se a repetir o que qualquer revolucionário
utópico --de Lênin a Hitler-- defendeu nos inícios do século 20 para justificar
as suas utopias. Relembrar os resultados dessas utopias sangrentas seria apenas
uma perda de tempo e de espaço.
Mas
Zizek não é apenas contraditório e pouco original. Historicamente falando, o
seu texto é um pequeno desastre. Começa logo na escolha de certas palavras. Um
exemplo: "fundamentalismo", que Zizek usa livremente, não é o mesmo
que "radicalismo", muito menos que "jihadismo". Por mais
bizarro que possa parecer a Zizek, é possível ser um fundamentalista islâmico
(procurando a interpretação mais rigorosa do Corão) sem advogar a matança dos
"infiéis". E é possível advogar a matança dos "infiéis" sem
nunca ter lido o Corão na vida. Não é por acaso que os infelizes que partiram
para o Iraque e para a Síria para lutarem em nome do Estado Islâmico fizeram do
"Koran for Dummies" (corão para leigos) um best-seller da Amazon.
Por
outro lado, e ao contrário do que argumenta Zizek sem conhecimento de causa, o
terrorismo islâmico não se limita a atacar as "democracias liberais"
do Ocidente, muito menos as alegadas "fraquezas" que as definem. Para
começar, a lista de países não ocidentais (e não "liberais") que o jihadismo
atacou nas últimas décadas --Quênia, Arábia Saudita, Rússia, Argélia etc.--
desautoriza a tese simplória de Zizek. E ela é reduzida a pó quando sabemos,
historicamente falando, que é a força da democracia liberal, e não a sua
"fraqueza", que explica a loucura homicida e suicida dos terroristas.
O
historiador Bernard Lewis relembra esses fatos básicos: em finais do século 19,
o desenvolvimento material das sociedades industrializadas do Ocidente
contrastava com a estagnação das sociedades muçulmanas. Esse sentimento de
atraso agravou-se com a desagregação do Império Otomano depois da Primeira
Guerra Mundial, na medida em que Constantinopla, desde o século 16, pelo menos
mantinha a unidade do Califado.
Depois
de 1918, é a força do Ocidente, e não a sua "fraqueza", que passa
também a dominar politicamente o Oriente Médio --uma força que, aos olhos dos
extremistas, adquire contornos assustadores.
O
parlamentar inglês Michael Gove, no seu breve tratado sobre a ameaça jihadista
na Europa ("Celsius 7/7"), revisita esses contornos. Na década de
1920, quando Hassan al-Banna defende "a jihad como método e o martírio
como desejo", o fundador da Irmandade Muçulmana revelava esse temor ante a
"ocidentalização" do Egito. Um temor que seria continuado por Sayyid
Qutb (seguramente o mais importante teórico sunita do islamismo radical) que,
depois das suas viagens pelos Estados Unidos, deixou páginas pungentes de ódio
à democracia liberal (e, em particular, às mulheres gostosas que ele viu por lá
sem burca).
É
esse ódio que Osama bin Laden ou o sucessor Ayman al-Zawahiri destilam nas suas
diatribes contra o Ocidente e os países árabes contaminados pela sua
influência. O que inquieta esse par maravilha não é a "fraqueza" da
democracia liberal. É, obviamente, a sua força e a sua capacidade de sedução.
Por
último, não deixa de ser sofrível que Zizek disserte com tanta autoridade sobre
o fundamentalismo islâmico sem estabelecer uma diferença importante entre o
jihadismo sunita e o milenarismo xiita.
Uma
vez mais, não é questão de pormenor. É não compreender que na tradição xiita,
que teve no Irã o seu momento áureo com Khomeini na revolução de 1979, não há
nenhum sentimento de inferioridade, como afirma Zizek sobre os terroristas em
nova contradição: se a democracia liberal é um poço de fraquezas, como explicar
os problemas de "autoestima" que afligem os terroristas?
Obviamente,
não há falta de autoestima alguma. Pelo contrário: como explica o mesmo Michael
Gove no seu breve ensaio, Khomeini agiu com o mesmo sentido de superioridade
vanguardista e de urgência revolucionária que Lênin exibira em 1917. Na Rússia
analfabeta e rural dos czares, era preciso apressar a revolução, ou seja,
recusar as imprecisões "profetistas" de Marx sobre a queda inexorável
do capitalismo.
Na
Teerã de 1979, o regresso do "mahdi" --o imã escondido que um dia
chegará para redimir a humanidade-- implicava igualmente alguma celeridade nos
procedimentos. No caso, um Estado teocrático e a exportação do modelo para as
terras do Profeta. Se isso é "inferioridade", eu gostaria de saber em
que consiste a "megalomania".
RADICAIS
Não, não é o Ocidente que tem de mudar, muito menos pela adoção do radicalismo
de esquerda que, tal como o radicalismo de direita, já deixou um longo cortejo
de cadáveres no século 20. É o islã que tem de mudar --de passar pelo seu
"Iluminismo", se quisermos, um esforço dantesco que, é justo
reconhecer, é possível encontrar nos trabalhos "reformistas" de
autores como Mahmud al-Qimani ou Abdolkarim Soroush. E que nos dizem eles?
Contra
Zizek, que é preciso repensar as virtudes do liberalismo, moderando a ambição
do poder político em "interferir na alma dos homens", para citar o
patrono John Locke. Não é tarefa fácil. Basta consultar o gigantesco estudo que
o Pew Research Center realizou em 39 países muçulmanos, com entrevistas
presenciais a 38 mil pessoas. Já escrevi nesta Folha sobre as conclusões gerais
do estudo (intitulado "The World's Muslims: Religion, Politics and
Society" e disponível na internet). Mas nunca é demais relembrar uma das
suas conclusões mais relevantes: a maioria dos muçulmanos não admite uma vida
moral sem caução religiosa. Isso leva a maioria a defender a sharia (a lei
islâmica que tutela a vida cotidiana) como um documento legal insubstituível.
Conceder a Deus o que é de Deus e a César o que é de César --a separação
crucial do Ocidente cristão-- é ainda uma escalada íngreme para quem atribui a
Deus o que é de César.
Quando
Zizek grita bem alto que liberalismo é decadência, ele não atraiçoa apenas os
esforços, ainda tímidos, dos reformistas que remam contra a maré. Ele repete,
palavra por palavra, a mensagem odiosa dos próprios terroristas.
---------------------
Fonte: Folha online, 18/01/2015
Imagem da Internet
Imagem da Internet
Nenhum comentário:
Postar um comentário