domingo, 18 de janeiro de 2015

'Execução não resolve criminalidade', diz ativista francês



Para vice-presidente da Coalizão Mundial Contra a Pena de Morte, caso de brasileiro expõe intransigência 
de governos asiáticos 

SAMY ADGHIRNI DE CARACAS 

A pena capital é inútil no esforço para reduzir a criminalidade, diz Raphaël Chenuil-Hazan, vice-presidente da Coalizão Mundial Contra a Pena de Morte, uma das maiores entidades globais de militância contra a prática. 

Em entrevista à Folha, por telefone, o francês Chenuil-Hazan, 39, falou sobre a execução do brasileiro Marco Archer na Indonésia, neste sábado (17). Leia a seguir. 

Folha - Como vê a execução de Marco Archer?
Raphaël Chenuil-Hazan - O caso expõe a situação na Ásia, onde a pena capital ainda é disseminada e onde governos dificultam procedimentos diplomáticos de praxe. Dos seis executados, cinco são estrangeiros. 

A situação é ainda mais inadmissível porque autoridades anunciam ao brasileiro que ele vai morrer e como vai morrer, mas o deixam de molho na cadeia por 12 anos. Isso é tortura psicológica. 

Convenções internacionais exigem a aplicação da pena só para "crimes mais graves". O que isso significa?
É uma questão filosófica. No caso do brasileiro, a situação se complica pela questão religiosa. O islã não se abre ao debate sobre pena de morte. Mas o problema vai além dos países islâmicos. O Vietnã é comunista e Cingapura, ditadura capitalista. Ambos têm leis antidrogas tão duras quanto as da Indonésia. 

Não seria justo aceitar a pena capital na Indonésia, já que sua população é a favor?
Quando usamos ferramentas precisas, percebemos que o apoio é menor do que se imagina. Em muitos países, ninguém discute se as pessoas querem vingança, reparação ou apenas evitar que crimes se reproduzam. 

Em Belarus, único país europeu que ainda executa, dizia-se que 86% da população era a favor. Mas, quando fizemos perguntas abertas e mais complexas, percebemos que a maioria aceitaria prisão perpétua ou moratória sobre pena de morte. 

Na Califórnia, Estado recordista em condenações, o respaldo caiu para cerca de 50%. Na França, François Mitterrand aboliu a pena em 1981, quando 65% eram a favor das execuções. Desde então, a criminalidade baixou. 

Qual a relação entre pena de morte e criminalidade?
Nos EUA, nenhum dos Estados que aboliram a pena de morte teve aumento significativo da criminalidade. Entre 1973 e 1977, o país decretou moratória e deixou de aplicar a pena. Nem assim houve explosão do crime. 

No Irã, onde a maior parte das execuções é por narcotráfico, a aplicação da pena aumenta sem parar, e o problema da droga também. Cadê a eficácia das execuções? 

No Iraque, há um salto nas execuções de pessoas acusadas de ser da Al Qaeda, mas atentados continuam. Quanto mais se responde à violência com violência, mais essa violência se torna natural. 

Qual a situação da pena de morte no mundo?
Há 20 anos, dois terços dos países aplicavam pena de morte. Hoje, dois terços não a aplicam. A cada ano um país deixa de executar pessoas, em média. Em 2014 foi Madagascar. 

O mundo percebe que a pena capital não resolve nada. Além disso, o tema está atrelado à injustiça social. Em todos os países, os executados são quase sempre pobres e minorias étnicas e religiosas. Nos EUA, um negro que mata um branco tem cinco vezes mais chances de ser executado do que um branco que mata um negro. 

Após os ataques em Paris, a extrema-direita francesa quer a volta da pena de morte...
É uma reação epidérmica e irracional, até porque a França ratificou convenções internacionais e teria de sair da União Europeia para mudar. Leis não podem ser ditadas pela fúria e pelo medo. 
--------------
Fonte: Folha online, 18/01/2015
Imagem da Internet

Nenhum comentário:

Postar um comentário