Para
vice-presidente da Coalizão Mundial Contra a Pena de Morte, caso de brasileiro
expõe intransigência
de governos asiáticos
SAMY ADGHIRNI DE
CARACAS
A
pena capital é inútil no esforço para reduzir a criminalidade, diz Raphaël
Chenuil-Hazan, vice-presidente da Coalizão Mundial Contra a Pena de Morte, uma
das maiores entidades globais de militância contra a prática.
Em
entrevista à Folha, por telefone, o francês Chenuil-Hazan, 39, falou sobre a
execução do brasileiro Marco Archer na Indonésia, neste sábado (17). Leia a
seguir.
Folha
- Como vê a execução de Marco Archer?
Raphaël
Chenuil-Hazan - O caso expõe a situação na Ásia,
onde a pena capital ainda é disseminada e onde governos dificultam
procedimentos diplomáticos de praxe. Dos seis executados, cinco são
estrangeiros.
A
situação é ainda mais inadmissível porque autoridades anunciam ao brasileiro
que ele vai morrer e como vai morrer, mas o deixam de molho na cadeia por 12
anos. Isso é tortura psicológica.
Convenções
internacionais exigem a aplicação da pena só para "crimes mais
graves". O que isso significa?
É
uma questão filosófica. No caso do brasileiro, a situação se complica pela
questão religiosa. O islã não se abre ao debate sobre pena de morte. Mas o
problema vai além dos países islâmicos. O Vietnã é comunista e Cingapura,
ditadura capitalista. Ambos têm leis antidrogas tão duras quanto as da
Indonésia.
Não
seria justo aceitar a pena capital na Indonésia, já que sua população é a
favor?
Quando
usamos ferramentas precisas, percebemos que o apoio é menor do que se imagina.
Em muitos países, ninguém discute se as pessoas querem vingança, reparação ou
apenas evitar que crimes se reproduzam.
Em
Belarus, único país europeu que ainda executa, dizia-se que 86% da população
era a favor. Mas, quando fizemos perguntas abertas e mais complexas, percebemos
que a maioria aceitaria prisão perpétua ou moratória sobre pena de morte.
Na
Califórnia, Estado recordista em condenações, o respaldo caiu para cerca de
50%. Na França, François Mitterrand aboliu a pena em 1981, quando 65% eram a
favor das execuções. Desde então, a criminalidade baixou.
Qual
a relação entre pena de morte e criminalidade?
Nos
EUA, nenhum dos Estados que aboliram a pena de morte teve aumento significativo
da criminalidade. Entre 1973 e 1977, o país decretou moratória e deixou de
aplicar a pena. Nem assim houve explosão do crime.
No
Irã, onde a maior parte das execuções é por narcotráfico, a aplicação da pena
aumenta sem parar, e o problema da droga também. Cadê a eficácia das execuções?
No
Iraque, há um salto nas execuções de pessoas acusadas de ser da Al Qaeda, mas
atentados continuam. Quanto mais se responde à violência com violência, mais
essa violência se torna natural.
Qual
a situação da pena de morte no mundo?
Há
20 anos, dois terços dos países aplicavam pena de morte. Hoje, dois terços não
a aplicam. A cada ano um país deixa de executar pessoas, em média. Em 2014 foi
Madagascar.
O
mundo percebe que a pena capital não resolve nada. Além disso, o tema está
atrelado à injustiça social. Em todos os países, os executados são quase sempre
pobres e minorias étnicas e religiosas. Nos EUA, um negro que mata um branco
tem cinco vezes mais chances de ser executado do que um branco que mata um
negro.
Após
os ataques em Paris, a extrema-direita francesa quer a volta da pena de
morte...
É
uma reação epidérmica e irracional, até porque a França ratificou convenções
internacionais e teria de sair da União Europeia para mudar. Leis não podem ser
ditadas pela fúria e pelo medo.
--------------
Fonte: Folha online, 18/01/2015
Imagem da Internet
Nenhum comentário:
Postar um comentário