Do discurso de Patrick Modiano quando recebeu o Prémio Nobel da Literatura, a 7 de dezembro de 2014, em Estocolmo:
«Sempre acreditei que o poeta e o romancista conferem mistério a
seres humanos que parecem submersos pela vida quotidiana, às coisas
aparentemente banais, e isso à força de os observar com uma atenção
sustentada e de maneira quase hipnótica. Sob o seu olhar, a vida de
todos os dias acaba por se envolver de mistério e por tomar uma espécie
de fosforescência que não tinha à primeira vista mas que estava oculta
em profundidade. O papel do poeta e do romancista, e também do pintor,
é revelar o mistério e a fosforescência que se encontram em cada
pessoa.
Penso no meu longínquo primo, o pintor Amedeo Modigliani, cujas
telas mais comoventes são aquelas em que ele escolheu para modelos
pessoas anónimas, rapazes e raparigas das ruas, serventes, pequenos
agricultores, jovens aprendizes. Ele pintou-os com traços precisos que
lembram a grande tradição toscana, de Botticelli e dos pintores de
Siena do séc. XV. Desta maneira ele deu-lhes - ou melhor, revelou-lhes -
toda a graça e a nobreza que existiam neles sob a sua humilde
aparência.
O trabalho do romancista deve ir neste sentido. A sua
imaginação, longe de deformar a realidade, deve penetrá-la em
profundidade e revelar esta realidade como ela é, com a força dos
infravermelhos e ultravioletas para detetar o que se esconde por trás
das aparências. E não estarei de longe de acreditar que, no melhor dos
casos, o romancista é uma espécie de vidente, e mesmo de visionário. E
também um sismógrafo, pronto a registar os movimentos mais
impercetíveis.»
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Fonte: www.snpcultura.org . Citado por Silvia Guidi
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