quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

A lição do Holocausto: «Nunca mais odiar»

Marco Impagliazzo*
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A 27 de janeiro de 1945 tropas russas entraram em Auschwitz, epicentro do sistema nazi de extermínio. Libertaram 2819 prisioneiros reduzidos à exaustão, entre os quais 180 crianças, muitas das quais vítimas das experimentações do médico Josef Mengele. É um pequeno número, diante dos milhões de pessoas tragadas por aquele enorme “lager” [campo] (com os judeus morreram também milhares de polacos, russos e pessoas de muitas nacionalidades), verdadeira fábrica de morte. 

Nos armazéns os soldados soviéticos encontraram igualmente os despojos que os nazis tinham recolhido para deles receber dinheiro: milhares de pares de óculos, mais de 800 mil vestidos de mulher, montanhas de sapatos, acumulações de cabelos. Nos meses e anos seguintes, a Europa haveria de tomar consciência da enormidade da “Shoah”, com os seis milhões de judeus mortos e a criação de um sistema concentracionário que não tem igual na história humana. 

Hoje é o 70.º aniversário da libertação de Auschwitz, o Dia da Memória, instituído há 10 anos pela ONU. Não faltam interrogações em torno deste aniversário, porque por vezes se tem a impressão de que as celebrações são de circunstância, pouco participadas a nível popular. Alguns colocaram o risco de uma “hipertrofia da memória”, devida à multiplicação de eventos, a maior parte de carácter político ou académico, com escassa incidência na cultura e na consciência dos povos. 

Todavia, recordar é um imperativo. É necessário fazer com que o Dia da Memória não se reduza a uma reevocação do passado, mas nos interrogue também sobre o presente e sobre a realidade das sociedades europeias. Com efeito, o antissemitismo, que foi a antecâmara dos “lager”, permanece ainda hoje um problema europeu. Não só por causa dos recentes e trágicos acontecimentos de Paris, em que além da sede do “Charlie Hebdo” foi atingida uma loja judaica, com quatro vítimas. 

Basta recordar o ataque à escola judaica de Toulouse, a 19 de março de 2012, com quatro mortos, dos quais três crianças, ou ao Museu Judaico de Bruxelas, a 24 de maio de 2014, também com quatro vítimas. São os episódios mais graves, mas muitos, demasiados, são os de menor dimensão. Em 2014 mais de cinco mil judeus franceses optaram por transferir-se para Israel. Cerca de 15 mil foram os judeus que deixaram outros países europeus. A retomada da emigração judaica é sinal de profunda incerteza. A Europa arrisca-se a perder a estrada da convivência entre pessoas de fés religiosas, culturas e tradições diferentes. 

Em 2015, Auschwitz pode parecer longínquo. Há poucas semanas morreu um dos últimos sobreviventes da “Shoah”, Enzo Camerino, que a 16 de outubro de 1943 foi deportado, com apenas 14 anos. Recentemente contou de maneira simples a sua história, para a transmitir aos jovens, aos quais repetia as palavras que o pai lhe disse no “lager”: «Nunca mais odiar». É um ensinamento a não perder. 

Como transmitir às novas gerações a memória da “Shoah”, agora que os últimos testemunhos desaparecem? As visitas das escolas a Auschwitz têm um grande significado. Os meios de comunicação podem dar um contributo. Sobretudo, no entanto, é preciso ligar a memória da guerra e da “Shoah” à realidade do nosso tempo, para compreender como o racismo e o antissemitismo foram elementos de uma catástrofe para a Europa, e como, hoje, é urgente reencontrar o fio de uma sociedade em que todos possam viver juntos de maneira pacífica. Políticas de longo alcance, boa informação, envolvimento dos líderes religiosos numa rede de encontro e diálogo, atenção às periferias, são alguns dos passos a dar rumo a uma sociedade da convivência onde haja espaço para todos. 

Que Auschwitz, lugar que talvez mais do que todos viu manifestar-se a força do mal na história, seja ocasião de uma reflexão sobre a Europa. A pluralidade, elemento ineludível das sociedades contemporâneas, pode conduzir ao conflito ou, pelo contrário, ser o fundamento da civilização do conviver. Era o sonho que João Paulo II confiou ao mundo e às religiões em Assis, em 1986, e que hoje é o caminho a percorrer para a Europa: uma cultura da convivência na paz, no sentido do bem comum universal e no respeito das diferentes identidades.
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* Consultor do Pontifício Conselho da Cultura e do Pontifício Conselho para a Pastoral dos Migrantes e Itinerantes; presidente da Comunidade de Santo Egídio
In "Avvenire"
Trad.: Rui Jorge Martins
Publicado em 27.01.2015

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