Bruno Versiani*
Ao se falar em especismo, começo citando o Velho Testamento, em é
dado o poder ao Homem sobre todas as outras espécies. Ou seja, todas as
outras espécies, categorizadas como não racionais e não tendo liberdade
de escolha, estariam sujeitas ao domínio, vontade e caprichos da espécie
humana. Não causa espanto que, durante milênios, foram massacradas,
extintas, torturadas ou simplesmente domesticadas. Entende-se por
domesticação a seleção e cruzamento dos indivíduos mais “dóceis”, ou
seja, eventualmente com instintos, traços de caráter e inteligência para
sobreviver na natureza menos desenvolvidos, sendo mais aptos ao jugo
imposto pelo homem. Em suma, indivíduos aptos a “conviver” com humanos
foram selecionados, e constituem o hoje os bilhões que integram nossos
vastos rebanhos e granjas.
Muitos entre nós, humanos, advogam que os animais não possuem
consciência, e portanto, não merecem “direitos”. Além desse pensamento
ser fruto da arrogância acima descrita, é cientificamente inválido. O
fenômeno “consciência” é um espectro contínuo, ou seja, não se trata
simplesmente de “ter” ou “não ter” consciência. A consciência se
desenvolve com a evolução filogenética do sistema nervoso, sendo nítida e
experim entalmente comprovada em primatas e outras espécies, como cães e
golfinhos. Não existe um limite nítido na evolução a partir de que
ponto há consciência. Podemos apontar espécies que nitidamente possuem
consciência (como as descritas acima), assim como podemos apontar
espécies que não possuem, como esponjas e estrelas do mar (sistema
nervoso não centralizado). Entre esses extremos, há uma enormidade de
espécies com sistemas nervosos que evoluíram para a centralização, sendo
que aquilo que chamamos de “consciência” foi surgindo gradativamente.
Um segundo argumento é que esses seres que domesticamos para nossa
alimentação e “utilizamos” em nome da pesquisa científica, afora a
questão da consciência, são seres sencientes, ou seja, são seres que
sofrem dor, pois possuem sistema nervoso. Só esse fato em si já deveria
ser um argumento ético suficiente para repensarmos a fundo nossa
postura. Ao imaginar a existência miserável de um dos bilhões de frangos
de granja, enjaulados em um espaço mínimo durante toda sua existência,
deveríamos no mínimo pensar na dor desse ser, e examinarmos nossa
consciência (mesmo acreditando que os outros não possuem). Será que esse
fato justifica nosso apetite insaciável, ou melhor, nosso capricho, por
carne barata e farta ?? A maioria das pessoas que se torna vegetariana
questiona a morte desses animais. Eu questiono sobretudo a vida
miserável que levaram – praticamente todos os animais para abate em
larga escala levam uma vida miserável, não há como negar esse fato. São
criados como “máquinas de produzir carne” e não como seres sencientes –
que sentem dor e alegria. Partindo desse pressuposto, talvez uma minoria
ínfima dos produtores se preocupe minimamente com o bem estar desses
animais, ou talvez, sejam garantidas condições mínimas dentro apenas da
óptica financeira – ou seja, um eventual bem estar mínimo apenas para
que não morram ou adoeçam, o que levaria prejuízos ao dono. Não quero
com isso advogar o veganismo ou vegetarianismo. Gostaria apenas que a
carne com que me alimento fosse proveniente de seres que tiveram um vida
digna e morreram de forma indolor – alguns países da Europa já oferecem
“selos” de animais criados de maneira digna.
Possivelmente, a questão do especismo seja a “uma das últimas
fronteira éticas”. Havia tempos em que os negros não eram considerados
humanos e a escravidão era considerada normal nas nações hoje ditas
civilizadas. Talvez a explicação psicológica para isso é que não temos
consideração ou apreço por tudo que é diferente de nós mesmos. Ou seja,
antigamente como o negro ou índio era considerado diferente, era
considerado como não tendo consciência ou não merecedor de direitos.
Espero sinceramente que a criação em condições cruéis de animais para
o abate e experimentação científica seja no futuro considerada uma
aberração, como a escravidão é considerada hoje.
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* Analista Ambiental / MsC Ecologia
Imagem da Internet
Fonte: http://www.ecodebate.com.br/2015/01/20/especismo-e-arrogancia-humana-artigo-de-bruno-versiani/
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