De passagem por Lisboa, a ex-mulher de Stephen Hawking admitiu que "A
Teoria de Tudo" não mostra um quarto das dificuldades por que passou.
E que a vida do cientista ateu, para ela, é um milagre.
E que a vida do cientista ateu, para ela, é um milagre.
Jane Wilde, mais conhecida como Jane Hawking, esteve em Lisboa para promover a biografia que inspirou o filme “A Teoria de Tudo”,
que se estreia esta quinta-feira nos cinemas portugueses. Acompanhada
pelo atual marido Jonathan Jones, que conheceu no coro da igreja, a
autora da biografia que deu origem ao filme admitiu que há falhas
factuais na história, focada mais nas conquistas do que nos períodos
difíceis. Que foram muitos.
25 anos de vida em comum (30 anos de
casamento) condensados em apenas duas horas. O realizador aproveitou bem
aqueles 123 preciosos minutos de filme, mas haverá sempre coisas que
ficam para trás. “O filme é uma celebração das nossas conquistas”, disse
Jane aos jornalistas, admitindo que no grande ecrã o público vê apenas “um quarto das dificuldades” por que passou durante o casamento. Para saber mais sobre os períodos negros é preciso ler Viagem ao Infinito. Lançado
em Portugal pela editora Marcador, é naquelas páginas que Jane conta a
história de um dos mais consagrados cientistas da atualidade, mas também
a história dos que estiveram com ele durante o aparecimento e o
desenvolvimento da doença.
O casal conheceu-se na Universidade de Cambridge, a 80
quilómetros de Londres, ainda o diagnóstico de esclerose lateral
amiotrófica não era conhecido. Aos 21 anos, os sintomas
apareceram em força e os médicos deram a Stephen Hawking dois a três
anos de vida, mas Jane quis casar-se com ele apesar de todas as
dificuldades que estavam para vir. Passaram dois, doze, vinte e dois anos. Stephen Hawking continuou vivo. Conta hoje 73 anos.
“A Teoria de Tudo” nunca pretendeu ser uma biopic,
mas Jane chegou a mandar para trás o argumento, por exemplo por causa
de cenas que temporalmente não batiam certo, já que se tinham passado em
Oxford e não em Cambridge. Mas a certa altura, a equipa de James Marsh
teve de usar a carta da liberdade artística inerente ao projeto. Já o
desempenho do elenco não podia estar mais próximo da realidade. Tanto o
realizador como Felicity Jones (no papel de Jane Hawking) e Eddie
Redmayne (que dá vida a Stephen Hawking) passaram muito tempo com o
ex-casal.
Quando Jane viu algumas das cenas pela primeira vez, chegou ao pé de Eddie Redmayne e despenteou-o. “Ele parecia muito arrumadinho”
em comparação com o Stephen Hawing dos anos 60, contou. À parte disso,
nada mais a assinalar, a não ser a emoção de viajar no tempo sem ser
através da poesia medieval espanhola, tema em que se doutorou. “Ver o
filme pela primeira vez foi bastante perturbador. O Stephen era tão
real!”. Jonathan Jones, o atual marido, também está “muito bem
retratado”, ainda que fisicamente “não se pareça nada” com ele.
Ela
estudava poesia medieval espanhola, ele traçava um caminho que se
confirmaria brilhante na matemática, na física e na cosmologia. Ela é
anglicana e Deus é uma certeza, ele é ateu e ainda recentemente disse
que “não há Deus nenhum”.
Sobre o primeiro contraste, nada a
declarar, a não ser elogios. “A ciência do Stephen entusiasmava-me”,
disse Jane, que sempre se sentiu fascinada pelo céu, ainda que no
sentido poético e não científico, como Stephen. “Ele descrevia a
sua ciência de forma simples”, como pegar numa ervilha para representar
a física quântica e numa batata para a teoria da relatividade, cena que
pode ser vista no filme.
Mas o segundo potencial
conflito, ciência versus religião, acabou por se tornar uma realidade.
“No início o Stephen respeitava a minha fé”, disse Jane. “Mas com os
anos ele tornou-se mais provocador”. Um dos momentos mais polémicos foi
quando Hawking disse
em Madrid, no ano passado, que Deus não existe. “Sou ateu. A religião
acredita em milagres, mas estes são incompatíveis com a ciência”.
Não
deixa de ser irónico que Jane, para quem a fé era, e ainda é, “uma
coisa muito importante”, ache “um milagre que ele ainda esteja
vivo”. Hoje com 71 anos, Jane define-se, não como religiosa, mas sim
pessoa de fé e espiritualidade. “Não tento converter as outras pessoas,
nem espero que tentem mudar-me”, disse. Talvez por isso algumas atitudes
ao longo da vida em comum com Hawking a tivessem perturbado. Como
quando o cientista esteve em Jerusalém para receber um prémio e disse,
num dos locais do mundo mais associados ao sagrado, que não acreditava
em Deus.
“Escrever o livro foi como tirar um peso dos ombros”
“Eu
era jovem, estava cheia de energia”. A justificação de casar mesmo
sabendo da doença do futuro marido chega sem que lhe seja feita a
pergunta, embora seja esta a questão que vai passar pela cabeça dos
vários espectadores em todo o mundo. “Tinha fé no que estava a fazer,
era a coisa certa”. “Apenas sentia que era a minha missão na vida. E ele
correspondeu”, acrescentou mais tarde.
Hawking correspondeu aos sacrifícios tornando-se “o cientista vivo mais brilhante da atualidade”. Mas quando o autor de Uma Breve História do Tempo
decidiu sair de casa para se juntar com a enfermeira (atual mulher),
Jane sentiu-se magoada. “Escrever o livro foi como tirar um peso dos
ombros. Fi-lo para superar estas memórias, caso contrário não
conseguiria prosseguir com a minha vida. E como o Stephen era muito
famoso, éramos todos afetados”, disse, confessando que se adiantou antes
que alguém escrevesse por ela a história do casal. A partir desta
quinta-feira, uma parte importante dessa história está nos cinemas
portugueses. A 22 de fevereiro vai saber-se se “A Teoria de Tudo” vence
algum dos cinco Óscares para que está nomeado, entre os quais melhor filme dramático, melhor atriz e melhor ator.
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