David Coimbra*
Já passeio o Réveillon em Paris. Não gostei. Fui para a
Champs-Élysée ao bimbalhar da meia-noite, conduzido pelo meu amigo
Fernando Eichenberg, o Dinho, para ver a clássica celebração de Ano-Novo
dos parisienses. Pelas barbas de Catherine Deneuve, foi horrível! Os
franceses levam champanhe nacional para a rua e, depois de beber tudo
pelo gargalo, abrem grandes círculos humanos e começam a jogar as
garrafas no meio. As garrafas se quebram, naturalmente, e os cacos de
vidro afiados ficam espalhados pelo chão. Às vezes um francês bêbado
atravessa o círculo, em desafio aos outros franceses bêbados, que atiram
as garrafas enquanto ele passa. É um troço PERIGOSO!
Também já passei o Réveillon em vários pedaços das fímbrias do Atlântico, do Rio de Janeiro ao Uruguai, passando por Xangri-lá. Algumas festas foram gloriosas, outras nem tanto. Mas tem uma coisa que me incomoda no Réveillon do litoral: os foguetes. Não os fogos, que são bonitos; os foguetes. Não gosto de foguete. Não gosto, cara, não gosto. Os gatos ficam nervosos, os cachorros ficam nervosos, eu fico nervoso e todos temos razão. Para que aquela barulheira toda? Não consigo entender isso. Sinto-me tão inseguro com as explosões quanto com as garrafas quebradas nas calçadas de Paris.
Nos anos 80, tive um Réveillon singular. Morava em Criciúma, trabalhava no Diário Catarinense e estava duro, durango. Não tinha nenhum, mas nenhum mesmo, nem para comprar um único cachorro-quente sem molho. Brabeza. Namorava a Janinha, que hoje está casada com um grande cara, o Oderson. Com ele, ela tem uma linda filha e vivem, os três felizes, no Paraná.
Ocorre que, meses antes, eu havia feito uma aposta com o Nenê, dono de um bar que ainda vigora na cidade, o Varandas. Havíamos apostado um engradado de cervejas, e eu ganhei. Sentia vergonha de cobrar a aposta, mas a Janinha sempre foi despachada, sobretudo num momento de necessidade como aquele. Ela foi ao bar, lembrou a aposta, pediu o engradado e o Nenê, bom perdedor que é, deu. Para arrematar, ela disse que queria uma pizza e mandou o Nenê pendurar a conta num cabide ali atrás do balcão. Fomos para o meu apartamento, no décimo andar de um edifício a duas quadras de distância, e passamos a noite inteira comendo pizza, bebendo cerveja e rindo, até o alvorecer na região carbonífera. A cidade estava vazia, ninguém fica em Criciúma no Réveillon, tínhamos só pizza e cerveja e nenhum centavo. E foi muito divertido!
O que a gente precisa, para fazer uma boa festa, é gente de quem se gosta. As mais belas praias do mundo ou a avenida por onde desfilou Napoleão são dispensáveis.
Agora, vou passar o Réveillon com minha pequena e unida família, eu, minha mulher e meu filho, no extremo nordeste dos Estados Unidos, numa temperatura de sete graus abaixo de zero, e me sinto muito feliz. Poderia ter mais amigos por perto, poderia estar mais quente, poderia ter o chope brasileiro para brindar antes e depois da champanhe, mas você tem de se divertir com o que está à disposição, não é?
Esse é meio que um lema que me guia.
Uma data como o Réveillon presta-se para exercer esse lema, ou para refletir a respeito. Janeiro, não por acaso, é o mês de Jano, o deus de todos os finais e de todos os começos, o deus de duas faces, uma olhando para frente, outra olhando para trás.
Quando olho para trás, vejo dificuldades que enfrentei, sim, claro que as vejo, mas vejo, também, as pessoas que me ajudaram a enfrentá-las. São tantas e seu amor é tão poderoso… As pessoas. Como já disse, para se fazer da vida uma boa festa, só se precisa de pessoas de quem se gosta. Elas estão ao meu lado aqui, no Norte do mundo, e também aí, no Sul do Brasil. E eu estou com elas. É certo. Como puder, sempre estarei com elas. Olhando para frente, vejo-as comigo. Por isso, a outra face de Jano, a que mira 2015, observe, veja bem: ela está sorrindo.
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* Cronista da ZH. Atualmente mora no EUA onde estuda inglês.
Fonte: ZH online, 31/12/2014
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