domingo, 25 de janeiro de 2015

O pensamento positivo, sozinho, não vence batalhas. Pode até atrapalhar

Entrevista - Gabriele Oettingen

Gabriele Oettingen, autora do livro 'Rethinking Positive Thinking' (Repensando o Pensamento Positivo, em tradução livre), lançado nos Estados Unidos
Gabriele Oettingen, autora do livro 'Rethinking Positive Thinking' (Repensando o Pensamento Positivo, 
em tradução livre), lançado nos Estados Unidos (Divulgação/VEJA)
“O pessimismo nunca ganhou nenhuma batalha”, disse certa vez o presidente americano Dwight Einsenhower (1890-1969). 
Para a psicóloga alemã Gabriele Oettingen, ele deveria acrescentar que o otimismo
 também é incapaz de vencer qualquer combate.

Para a psicóloga alemã Gabriele Oettingen, o otimismo é o pior caminho para alcançar os desejos. Nesta entrevista ao site de VEJA, uma das maiores especialistas em pensamento positivo explica como combinar imagens de um futuro feliz a seus obstáculos é a melhor forma de tornar os sonhos realidade


Apoiada em 20 anos de pesquisas sobre o pensamento positivo, a professora da Universidade de Nova York, nos Estados Unidos, e da Universidade de Hamburgo, na Alemanha, derrubou em mais de uma centena de experimentos científicos a crença de que, para alcançar um sonho na vida, basta imaginá-lo realizado. De acordo com Gabriele, o universo não conspira a favor de ninguém. Ao contrário do que afirmam gurus e best-sellers de autoajuda, como o livro O Segredo, o caminho para alcançar uma meta não é esperar que ela se realize em um passe de mágica, mas trabalhar duro.

“Em qualquer perspectiva, a sabedoria convencional da psicologia e da literatura de autoajuda está errada: o pensamento positivo não ajuda sempre”, diz a psicóloga, autora do livro Rethinking Positive Thinking (Repensando o Pensamento Positivo), lançado recentemente nos Estados Unidos.

​Esperança — Gabriele começou a pesquisar o tema quando vivia na Alemanha, na época em que o Muro de Berlim (1981-1989) separava a cidade em duas. Seu interesse era a esperança que os habitantes de Berlim Oriental alimentavam de poder sair da cidade ou viver dias melhores, apesar de não existir qualquer perspectiva de mudança. A então bióloga queria entender o propósito das fantasias e imagens positivas que povoam a mente de milhares de pessoas que passam por situações difíceis.

Na metade dos anos 1980, Gabriele foi para os Estados Unidos trabalhar com o psicólogo americano Martin Seligman, mais conhecido por seus estudos sobre felicidade e um dos principais representantes de uma corrente chamada psicologia positiva, que pesquisa o papel das emoções no equilíbrio físico e mental. Uma década depois, quando começou seus próprios experimentos sobre o pensamento positivo, os dados mostraram à pesquisadora que fantasiar ou imaginar um futuro em que os desejos são realizados não ajuda a consegui-los. Gabriele replicou os estudos com diversos grupos de idades e sexo diferentes, nos Estados Unidos e Europa, com objetivos de saúde, trabalho ou relacionamentos. Os resultados foram sempre os mesmos. Viver mentalmente os sonhos apenas baixa a pressão sanguínea, causando um estado prazeroso de letargia.

A partir dessa descoberta, Gabriele analisou as táticas daqueles que se saíram melhor em seus experimentos e começou a sistematizá-las. Desenvolveu uma técnica que leva em conta obstáculos reais que precisam ser superados quando se persegue um objetivo e a batizou de "contraste mental" – também exaustivamente testada em laboratório durante as duas últimas décadas.

Costumamos acreditar que visualizar os sonhos e imaginar sua realização ajuda a alcançá-los. No entanto, seu livro mostra o contrário. Quando percebeu que estava indo contra a corrente? No início, eu também acreditava fortemente no poder do pensamento positivo. Então, em 1991, fiz um estudo com 25 mulheres obesas que participavam de um programa de redução de peso. Pedi que contassem como se viam no futuro e como se sentiam diante dos maiores obstáculos para que emagrecessem. Depois de um ano, voltei a falar com elas. Aquelas que acreditavam que iriam emagrecer tinham perdido cerca de 10 quilos a mais que as que não achavam que iriam perder peso. No entanto, as mulheres que imaginavam que teriam dificuldades perderam ainda 10 quilos a mais que as que tinham imagens muito positivas do futuro. As mulheres que se imaginavam longilíneas ou passando pela mesa de doces sem olhar tiveram os piores resultados. Sonhar com o desejo realizado não ajudou e, mais que isso, impediu que ele fosse realizado.

Por que isso aconteceu? Fiquei curiosa e comecei a replicar esses estudos, com mais pessoas, com outros objetivos, para ter certeza do que estava começando a descobrir. Na época, a crença no pensamento positivo era muito forte e ele era pouco estudado. Durante 20 anos, analisei estudantes que queriam tirar boas notas, recém-formados que começavam no mercado de trabalho, homens e mulheres que queriam iniciar uma relação amorosa, discursos otimistas de presidentes e sua relação com a economia e mais dezenas de sonhos. Medimos a pressão sanguínea e descobrimos que as imagens positivas do futuro fazem as pessoas relaxar e induz um estado de prazer. Todos os resultados de nossos estudos, em grupos pequenos e grandes, com diferentes faixas etárias, gêneros, nos Estados Unidos e Europa mostraram o mesmo.

Relaxar e aproveitar o sonho não pode ser positivo? Isso rouba a energia e tira a motivação para seguir o difícil caminho de conquista dessas metas na vida real. Desse modo, as pessoas não se sentem preparadas para superar as adversidades e não percebem quais atitudes são necessárias para tornar os sonhos realidade.

O otimismo nunca é útil? Se estiver interessado em alguns momentos de prazer é muito interessante imaginar quão maravilhoso o futuro será. Ele também ajuda a explorar as diversas possibilidades da vida. Se não estou certa se quero ser cientista ou artista, qual é minha grande paixão, então fantasiar e imaginar como seria o futuro é uma boa ideia. O pensamento positivo também é útil quando estamos presos em situações nas quais não podemos agir. Como os alemães que estavam cercados em Berlim Oriental querendo passar para o outro lado. Ou quando fazemos uma prova ou entrevista de emprego e estamos esperando o resultado. Imaginamos como seria trabalhar na empresa ou receber uma boa nota e isso nos deixa relaxados. Sonhar acordado é necessário para entender o que queremos e dar direção às ações, mas não é o suficiente. Se ficarmos apenas nisso, estaremos tão felizes que é impossível tirar as dificuldades do caminho para alcançar qualquer coisa.

Entretanto, diversas pesquisas mostraram que pessoas otimistas têm melhor saúde cardiovascular, são mais magras e saudáveis. O otimismo não faz bem à saúde? Nossos estudos mostraram que quando o pensamento positivo ou as altas expectativas são construídos com base em sucessos passados, ele é realmente útil. Mas, nossos estudos com jovens deprimidos mostraram que, se essas imagens de um futuro brilhante são boas no curto prazo, elas promovem a doença no longo prazo. Elas agem de forma semelhante aos mecanismos que aliviam dores extremas, como medicamentos ou drogas. São boas no momento, mas tornam as pessoas passivas, inábeis para mudar sua situação. Um experimento que fizemos com pacientes que se recuperaram de cirurgias no quadril mostrou que, quanto mais essas pessoas imaginavam uma recuperação fácil e rápida, pior era sua reabilitação. Aquelas que imaginavam que estariam bem e compreendiam todos os passos necessários para a reabilitação mostraram os melhores resultados.

Ou seja, o segredo para conseguir nossos desejos não é imaginar um futuro dourado, mas, simplesmente, olhar para a realidade e trabalhar duro? Sim, é exatamente isso. Não podemos explorar demais as imagens positivas a ponto de estarmos desligados da realidade. A ideia é: por que vamos nos esforçar em conseguir algo se podemos aproveitar os resultados em nossa mente? Para o cérebro, viver as experiências na imaginação ou na realidade tem o mesmo impacto. Sonhar não é agir. E precisamos sentir a resistência da vida real para sabermos que ainda não chegamos lá.

Como fazemos isso? Contrastando as fantasias com seus obstáculos. Quem ensinou isso foram as pessoas que fizeram parte dos meus estudos. Os participantes que pensavam em um futuro positivo considerando os obstáculos e as tentações no caminho eram os que se saíam melhor. Então vimos que essa estratégia, que batizamos de contraste mental, poderia ser uma saída. O que fizemos foi imitá-los e submeter essa técnica a novos experimentos. Basicamente ela consiste em nomear os desejos e metas e enumerar os obstáculos importantes. Fazendo isso, a pressão sanguínea aumenta, fornecendo a energia e motivação necessárias para a ação.

Em vez de criar essa estratégia não seria mais simples diminuir as expectativas? Por que o contraste mental é melhor que assumir nossos limites? Se você está falando de expectativas no sentido de aspirações ou padrões, sim, baixar os padrões ou ajustar os desejos é muito bom. É isso que o contraste mental faz. Vamos supor que o grande desejo de alguém é correr sete dias por semana. Mas para isso, essa pessoa terá que passar por alguns obstáculos e ela não pode, por exemplo, chegar mais tarde ao trabalho ou deixar o filho sozinho todos os dias. Mas ela pode fazer isso três vezes durante sua semana. Então ela vai correr não sete, mas três vezes. O que fez foi ajustar o desejo e compreender o que impedia de realizá-lo, agindo para isso. Dessa forma, é possível ter uma vida construída em ações e não em sonhos.

As pessoas otimistas que conseguem seus objetivos não poderiam estar utilizando essa técnica inconscientemente? Nossos estudos mostraram que, espontaneamente, poucas pessoas utilizam o contraste mental. Apenas uma em cada seis faz isso instintivamente. O comum é fantasiar em relação ao futuro e parar por aí. Ou então ruminar os obstáculos e se sentir paralisado. O grande segredo é combinar as duas coisas: fantasiar positivamente e considerar as pedras do caminho.

Essa estratégia é bastante racional para algo que, durante muito tempo, foi considerado um mistério. Ela pode ser tão controlada? O mais interessante sobre o contraste mental ou WOOP [sigla em inglês para wish, outcome, obstacle, plan ou, em português, desejo, resultado, obstáculo, plano], que é o contraste mental planejado, é que ele funciona inconscientemente. É uma técnica de visualização consciente e racional, que faria algo como ‘limpar’ a vida por meio da compreensão do que podemos realizar. É uma espécie de ‘pegar ou largar’ que nos deixa com a consciência tranquila sobre o que queremos e podemos fazer, abandonando os objetivos inalcançáveis. O que ocorre é que o futuro e a realidade, as imagens positivas e seus obstáculos se tornam muito conectados. E isso faz com que a realidade ganhe novos sentidos.

Como assim? Tanto a realidade como os obstáculos são vistos no mesmo plano. Por exemplo, vamos imaginar que há uma reunião importante na segunda-feira, mas você foi convidada para uma festa incrível no sábado anterior. Essa festa pode atrapalhar sua preparação. Quando você faz o contraste mental, a festa não se torna apenas diversão, mas também um obstáculo para o sucesso da reunião. Ou seja, você percebe a realidade de outra forma. Sua pressão aumenta e sua energia também. Há mudanças no processo motivacional que não são conscientes e que têm efeito no comportamento. Nossa pesquisa mostrou que, após um tempo usando essa estratégia, chegamos ao fim do dia, ou de meses, e percebemos que os desejos realmente vão sendo realizados. É como se funcionasse por conta própria.

Mais ou menos como ensinam os livros de autoajuda sobre o pensamento positivo. Mas sou uma cientista que observa o mundo e aprendo com o que os dados mostram. O mais interessante é que é possível sentir os resultados e conseguimos medi-los estatisticamente.

Há alguma área da vida em que essa técnica é mais eficaz? Ela ajuda a melhorar a saúde, os relacionamentos pessoais, ser bem-sucedido no estudo e trabalho. Temos os primeiros resultados de um estudo randomizado com pessoas deprimidas que, usando o contraste mental, conseguiram sair de casa, fazer exercícios ou conversar com amigos durante um curto período de tempo. A estratégia também ajudou adolescentes que são estigmatizados a ser mais bem aceitos por seu grupo. 

Seu livro menciona que o contraste mental é um caminho para encontrar a liberdade. O que isso quer dizer? Essa nova forma de pensamento positivo é capaz de dar direção aos nossos desejos, bem como energia e motivação para consegui-los. Hoje, ninguém nos diz o que fazer ou como devemos conduzir nossas vidas e, por isso, essa estratégia pode ser um guia que usamos sozinhos, que mostra o que vale a pena e o que pode ser deixado de lado. Ela nos dá uma sensação de poder e liberdade para descobrir quem somos. É preciso um pouco de humor também, porque nem sempre essa descoberta é agradável. Há coisas em nós que são obstáculos não só para um sonho, mas para várias metas de nossa vida.

Por que ainda acreditamos que o pensamento positivo é o caminho certo para a felicidade? Há muito workshops, treinamentos e coachs que, o tempo todo, nos dizem para pensar positivo, ser otimista e acreditar em nossos sonhos. Uma das razões para essa crença é que é muito prazeroso pensar em um futuro positivo. Ficamos relaxamos e somos recompensados quando falamos às pessoas para serem otimistas – é bem mais agradável incentivar um sonhador que enumerar as dificuldades ou questioná-lo. 

Biblioteca

Livro Rethinking Positive ThinkingRethinking Positive Thinking
 

Uma das maiores especialistas no mundo em pensamento positivo, a psicóloga alemã Gabriele Oettingen mostra visualizar os sonhos realizados não é o caminho para alcançar o que deseja. Reunindo duas décadas de pesquisas no tema, a professora da Universidade de Nova York, nos Estados Unidos, explica como, junto ao otimismo é necessário juntar os obstáculos da realidade e trabalhar duro para que sejam superados. Assim, garante, os sonhos têm mais probablidade se tornarem reais.

Autor: OETTINGEN, GABRIELE
Editora: CURRENT/PENGUIN GROUP

Divulgação/VEJA
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Reportagem por Rita Loiola
Fonte: Revista Veja online, 24/01/2015

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