Entrevista - Gabriele Oettingen
Gabriele Oettingen, autora do livro 'Rethinking Positive
Thinking' (Repensando o Pensamento Positivo,
em tradução livre), lançado
nos Estados Unidos
(Divulgação/VEJA)
“O pessimismo nunca ganhou nenhuma batalha”, disse certa vez o
presidente americano Dwight Einsenhower (1890-1969).
Para a psicóloga
alemã Gabriele Oettingen, ele deveria acrescentar que o otimismo
também é
incapaz de vencer qualquer combate.
Para a psicóloga alemã Gabriele Oettingen, o otimismo é o pior caminho para alcançar os desejos. Nesta entrevista ao site de VEJA, uma das maiores especialistas em pensamento positivo explica como combinar imagens de um futuro feliz a seus obstáculos é a melhor forma de tornar os sonhos realidade
Apoiada em 20 anos de pesquisas sobre o pensamento positivo, a
professora da Universidade de Nova York, nos Estados Unidos, e da
Universidade de Hamburgo, na Alemanha, derrubou em mais de uma centena
de experimentos científicos a crença de que, para alcançar um sonho na
vida, basta imaginá-lo realizado. De acordo com Gabriele, o universo não
conspira a favor de ninguém. Ao contrário do que afirmam gurus e
best-sellers de autoajuda, como o livro O Segredo, o caminho para alcançar uma meta não é esperar que ela se realize em um passe de mágica, mas trabalhar duro.
“Em qualquer perspectiva, a sabedoria convencional da psicologia e da literatura de autoajuda está errada: o pensamento positivo não ajuda sempre”, diz a psicóloga, autora do livro Rethinking Positive Thinking (Repensando o Pensamento Positivo), lançado recentemente nos Estados Unidos.
“Em qualquer perspectiva, a sabedoria convencional da psicologia e da literatura de autoajuda está errada: o pensamento positivo não ajuda sempre”, diz a psicóloga, autora do livro Rethinking Positive Thinking (Repensando o Pensamento Positivo), lançado recentemente nos Estados Unidos.
Esperança — Gabriele começou a pesquisar o tema quando vivia na Alemanha, na época em que o Muro de Berlim (1981-1989) separava a cidade em duas. Seu interesse era a esperança que os habitantes de Berlim Oriental alimentavam de poder sair da cidade ou viver dias melhores, apesar de não existir qualquer perspectiva de mudança. A então bióloga queria entender o propósito das fantasias e imagens positivas que povoam a mente de milhares de pessoas que passam por situações difíceis.
Na metade dos anos 1980, Gabriele foi para os Estados Unidos
trabalhar com o psicólogo americano Martin Seligman, mais conhecido por
seus estudos sobre felicidade e um dos principais representantes de uma
corrente chamada psicologia positiva, que pesquisa o papel das emoções
no equilíbrio físico e mental. Uma década depois, quando começou seus
próprios experimentos sobre o pensamento positivo, os dados mostraram à
pesquisadora que fantasiar ou imaginar um futuro em que os desejos são
realizados não ajuda a consegui-los. Gabriele replicou os estudos com
diversos grupos de idades e sexo diferentes, nos Estados Unidos e
Europa, com objetivos de saúde, trabalho ou relacionamentos. Os
resultados foram sempre os mesmos. Viver mentalmente os sonhos apenas
baixa a pressão sanguínea, causando um estado prazeroso de letargia.
A partir dessa descoberta, Gabriele analisou as táticas daqueles que
se saíram melhor em seus experimentos e começou a sistematizá-las.
Desenvolveu uma técnica que leva em conta obstáculos reais que precisam
ser superados quando se persegue um objetivo e a batizou de "contraste
mental" – também exaustivamente testada em laboratório durante as duas
últimas décadas.
Costumamos acreditar que visualizar os sonhos e imaginar sua
realização ajuda a alcançá-los. No entanto, seu livro mostra o
contrário. Quando percebeu que estava indo contra a corrente? No
início, eu também acreditava fortemente no poder do pensamento
positivo. Então, em 1991, fiz um estudo com 25 mulheres obesas que
participavam de um programa de redução de peso. Pedi que contassem como
se viam no futuro e como se sentiam diante dos maiores obstáculos para
que emagrecessem. Depois de um ano, voltei a falar com elas. Aquelas que
acreditavam que iriam emagrecer tinham perdido cerca de 10 quilos a
mais que as que não achavam que iriam perder peso. No entanto, as
mulheres que imaginavam que teriam dificuldades perderam ainda 10 quilos
a mais que as que tinham imagens muito positivas do futuro. As mulheres
que se imaginavam longilíneas ou passando pela mesa de doces sem olhar
tiveram os piores resultados. Sonhar com o desejo realizado não ajudou
e, mais que isso, impediu que ele fosse realizado.
Por que isso aconteceu? Fiquei curiosa e comecei a
replicar esses estudos, com mais pessoas, com outros objetivos, para ter
certeza do que estava começando a descobrir. Na época, a crença no
pensamento positivo era muito forte e ele era pouco estudado. Durante 20
anos, analisei estudantes que queriam tirar boas notas, recém-formados
que começavam no mercado de trabalho, homens e mulheres que queriam
iniciar uma relação amorosa, discursos otimistas de presidentes e sua
relação com a economia e mais dezenas de sonhos. Medimos a pressão
sanguínea e descobrimos que as imagens positivas do futuro fazem as
pessoas relaxar e induz um estado de prazer. Todos os resultados de
nossos estudos, em grupos pequenos e grandes, com diferentes faixas
etárias, gêneros, nos Estados Unidos e Europa mostraram o mesmo.
Relaxar e aproveitar o sonho não pode ser positivo? Isso
rouba a energia e tira a motivação para seguir o difícil caminho de
conquista dessas metas na vida real. Desse modo, as pessoas não se
sentem preparadas para superar as adversidades e não percebem quais
atitudes são necessárias para tornar os sonhos realidade.
O otimismo nunca é útil? Se estiver interessado
em alguns momentos de prazer é muito interessante imaginar quão
maravilhoso o futuro será. Ele também ajuda a explorar as diversas
possibilidades da vida. Se não estou certa se quero ser cientista ou
artista, qual é minha grande paixão, então fantasiar e imaginar como
seria o futuro é uma boa ideia. O pensamento positivo também é útil
quando estamos presos em situações nas quais não podemos agir. Como os
alemães que estavam cercados em Berlim Oriental querendo passar para o
outro lado. Ou quando fazemos uma prova ou entrevista de emprego e
estamos esperando o resultado. Imaginamos como seria trabalhar na
empresa ou receber uma boa nota e isso nos deixa relaxados. Sonhar
acordado é necessário para entender o que queremos e dar direção às
ações, mas não é o suficiente. Se ficarmos apenas nisso, estaremos tão
felizes que é impossível tirar as dificuldades do caminho para alcançar
qualquer coisa.
Entretanto, diversas pesquisas mostraram que pessoas
otimistas têm melhor saúde cardiovascular, são mais magras e saudáveis. O
otimismo não faz bem à saúde? Nossos estudos mostraram que
quando o pensamento positivo ou as altas expectativas são construídos
com base em sucessos passados, ele é realmente útil. Mas, nossos estudos
com jovens deprimidos mostraram que, se essas imagens de um futuro
brilhante são boas no curto prazo, elas promovem a doença no longo
prazo. Elas agem de forma semelhante aos mecanismos que aliviam dores
extremas, como medicamentos ou drogas. São boas no momento, mas tornam
as pessoas passivas, inábeis para mudar sua situação. Um experimento que
fizemos com pacientes que se recuperaram de cirurgias no
quadril mostrou que, quanto mais essas pessoas imaginavam uma
recuperação fácil e rápida, pior era sua reabilitação. Aquelas que
imaginavam que estariam bem e compreendiam todos os passos necessários
para a reabilitação mostraram os melhores resultados.
Ou seja, o segredo para conseguir nossos desejos não é
imaginar um futuro dourado, mas, simplesmente, olhar para a realidade e
trabalhar duro? Sim, é exatamente isso. Não podemos explorar
demais as imagens positivas a ponto de estarmos desligados da realidade.
A ideia é: por que vamos nos esforçar em conseguir algo se podemos
aproveitar os resultados em nossa mente? Para o cérebro, viver as
experiências na imaginação ou na realidade tem o mesmo impacto. Sonhar
não é agir. E precisamos sentir a resistência da vida real para sabermos
que ainda não chegamos lá.
Como fazemos isso? Contrastando as fantasias com
seus obstáculos. Quem ensinou isso foram as pessoas que fizeram parte
dos meus estudos. Os participantes que pensavam em um futuro positivo
considerando os obstáculos e as tentações no caminho eram os que se
saíam melhor. Então vimos que essa estratégia, que batizamos de
contraste mental, poderia ser uma saída. O que fizemos foi imitá-los e
submeter essa técnica a novos experimentos. Basicamente ela consiste em
nomear os desejos e metas e enumerar os obstáculos importantes. Fazendo
isso, a pressão sanguínea aumenta, fornecendo a energia e motivação
necessárias para a ação.
Em vez de criar essa estratégia não seria mais simples
diminuir as expectativas? Por que o contraste mental é melhor que
assumir nossos limites? Se você está falando de expectativas no
sentido de aspirações ou padrões, sim, baixar os padrões ou ajustar os
desejos é muito bom. É isso que o contraste mental faz. Vamos supor que o
grande desejo de alguém é correr sete dias por semana. Mas para isso,
essa pessoa terá que passar por alguns obstáculos e ela não pode, por
exemplo, chegar mais tarde ao trabalho ou deixar o filho sozinho todos
os dias. Mas ela pode fazer isso três vezes durante sua semana. Então
ela vai correr não sete, mas três vezes. O que fez foi ajustar o desejo e
compreender o que impedia de realizá-lo, agindo para isso. Dessa forma,
é possível ter uma vida construída em ações e não em sonhos.
As pessoas otimistas que conseguem seus objetivos não poderiam estar utilizando essa técnica inconscientemente? Nossos
estudos mostraram que, espontaneamente, poucas pessoas utilizam o
contraste mental. Apenas uma em cada seis faz isso instintivamente. O
comum é fantasiar em relação ao futuro e parar por aí. Ou então ruminar
os obstáculos e se sentir paralisado. O grande segredo é combinar as
duas coisas: fantasiar positivamente e considerar as pedras do caminho.
Essa estratégia é bastante racional para algo que, durante
muito tempo, foi considerado um mistério. Ela pode ser tão controlada? O
mais interessante sobre o contraste mental ou WOOP [sigla em inglês
para wish, outcome, obstacle, plan ou, em português, desejo, resultado,
obstáculo, plano], que é o contraste mental planejado, é que ele
funciona inconscientemente. É uma técnica de visualização consciente e
racional, que faria algo como ‘limpar’ a vida por meio da compreensão do
que podemos realizar. É uma espécie de ‘pegar ou largar’ que nos deixa
com a consciência tranquila sobre o que queremos e podemos fazer,
abandonando os objetivos inalcançáveis. O que ocorre é que o futuro e a
realidade, as imagens positivas e seus obstáculos se tornam muito
conectados. E isso faz com que a realidade ganhe novos sentidos.
Como assim? Tanto a realidade como os obstáculos são
vistos no mesmo plano. Por exemplo, vamos imaginar que há uma reunião
importante na segunda-feira, mas você foi convidada para uma festa
incrível no sábado anterior. Essa festa pode atrapalhar sua preparação.
Quando você faz o contraste mental, a festa não se torna apenas
diversão, mas também um obstáculo para o sucesso da reunião. Ou seja,
você percebe a realidade de outra forma. Sua pressão aumenta e sua
energia também. Há mudanças no processo motivacional que não são
conscientes e que têm efeito no comportamento. Nossa pesquisa
mostrou que, após um tempo usando essa estratégia, chegamos ao fim do
dia, ou de meses, e percebemos que os desejos realmente vão sendo
realizados. É como se funcionasse por conta própria.
Mais ou menos como ensinam os livros de autoajuda sobre o pensamento positivo. Mas
sou uma cientista que observa o mundo e aprendo com o que os dados
mostram. O mais interessante é que é possível sentir os resultados e
conseguimos medi-los estatisticamente.
Há alguma área da vida em que essa técnica é mais eficaz? Ela
ajuda a melhorar a saúde, os relacionamentos pessoais, ser bem-sucedido
no estudo e trabalho. Temos os primeiros resultados de um estudo
randomizado com pessoas deprimidas que, usando o contraste mental,
conseguiram sair de casa, fazer exercícios ou conversar com amigos
durante um curto período de tempo. A estratégia também ajudou
adolescentes que são estigmatizados a ser mais bem aceitos por seu
grupo.
Seu livro menciona que o contraste mental é um caminho para encontrar a liberdade. O que isso quer dizer? Essa
nova forma de pensamento positivo é capaz de dar direção aos nossos
desejos, bem como energia e motivação para consegui-los. Hoje, ninguém
nos diz o que fazer ou como devemos conduzir nossas vidas e, por isso,
essa estratégia pode ser um guia que usamos sozinhos, que mostra o que
vale a pena e o que pode ser deixado de lado. Ela nos dá uma sensação de
poder e liberdade para descobrir quem somos. É preciso um pouco de
humor também, porque nem sempre essa descoberta é agradável. Há coisas
em nós que são obstáculos não só para um sonho, mas para várias metas de
nossa vida.
Por que ainda acreditamos que o pensamento positivo é o caminho certo para a felicidade? Há
muito workshops, treinamentos e coachs que, o tempo todo, nos dizem
para pensar positivo, ser otimista e acreditar em nossos sonhos. Uma das
razões para essa crença é que é muito prazeroso pensar em um futuro
positivo. Ficamos relaxamos e somos recompensados quando falamos às
pessoas para serem otimistas – é bem mais agradável incentivar um
sonhador que enumerar as dificuldades ou questioná-lo.
Biblioteca
Rethinking Positive ThinkingAutor: OETTINGEN, GABRIELE
Editora: CURRENT/PENGUIN GROUP
/VEJA
-----------------
Reportagem por Rita Loiola
Fonte: Revista Veja online, 24/01/2015
Nenhum comentário:
Postar um comentário