quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

O PERIGO

Antonio Delfim Netto*
 
 
Depois de um extraordinário e justificado entusiasmo nacional por termos reencontrado o caminho da construção de uma sociedade "civilizada": 
 
1) com o "milagre" da Constituição de 1988; 
 
2) com o movimento de reequilíbrio geral iniciado, mas nunca terminado, pelo Plano Real de 1994/95 e, afinal 
 
3) com a aceleração da inclusão social a partir de 2003 apoiada por um fantástico e passageiro donativo externo, terminamos 2010 com brilhante superação da maior crise econômica e social que o mundo conheceu depois da Segunda Guerra Mundial. 

Com essa história, Dilma Rousseff elegeu-se com relativa facilidade. Os estresses internos estavam escondidos pela velocidade do crescimento e a condição externa estava mudando, o que exigiu um forte ajuste em 2011. O seu primeiro mandato foi testemunha do primeiro grito de desconforto da sociedade brasileira nos últimos 30 anos, e a sua reeleição marcada por um embate político de rara agressividade.

Nossa situação econômica é certamente delicada, mas claramente superável. O fenômeno mais grave que estamos vivendo, entretanto, é a generalização da recusa à política que está se apropriando de boa parte da juventude brasileira.

Sem perceber, ela tem sido vítima da mais incompetente história "engajada" ensinada há décadas nas escolas de todo nível (da base às universidades), sob os auspícios do MEC e de sindicatos de funcionários públicos que se acreditam "professores".

Com raras exceções, não aprenderam nada, nem da história pátria, nem da universal. Continuam comparando o socialismo "ideal" com o capitalismo "real", esquecendo o socialismo "real". Continuam ensinando que a "verdadeira" democracia é o sistema em que a "maioria" decide que a "minoria" não tem outro direito que não o de obedecer-lhes. É a matriz do pensamento autoritário que infecciona a sociedade e que sempre terminará numa "verdadeira" democracia de direita que dura 20 anos, ou numa "verdadeira" democracia de esquerda, em geral mais competente, que costuma durar pelo menos 70...

Quando a maioria da sociedade empodera pelo sufrágio universal um governo para atender a todas as suas vontades, o mais provável é que (inclusive a minoria que se negou a fazê-lo) vai entregar-lhe tudo, a começar por sua liberdade. Disso já sabiam os "founding fathers" da nação americana que construíram, na sua Constituição os mais altos obstáculos ao autoritarismo, sob o controle de um Supremo Tribunal, cuja função básica é garantir os inalienáveis direitos das minorias.

Os fatos dão razão à História: quem a ignora –que é o caso das nossas "direita" boçalizada e "esquerda" imbecilizada– está mesmo destinado a repeti-la.
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 * Antonio Delfim Netto, ex-ministro da Fazenda (governos Costa e Silva e Médici), é economista e ex-deputado federal. Professor catedrático na Universidade de São Paulo. 
Fonte: Folha online, 14/01/2015
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