segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

PELA LIBERDADE

 Ricardo Noblat*
Charlie Hebdo (Foto: Charlie)
A mentira é a mais poderosa arma de guerra
Quem disse sobre o assassinato, em Paris, no último dia 7, dos jornalistas do semanário satírico Charlie Hebdo: “Esses ataques que vocês chamam de terrorista são uma resposta a tanta barbaridade que acontece contra os muçulmanos. Nossa religião não incentiva violência, jamais incentiva derramamento de sangue, só que, infelizmente, essa é a resposta à crueldade. Vocês podem esperar coisa pior”?

E quem disse sobre o mesmo assunto: “Nós somos defensores do profeta. Não matamos ninguém. Se alguém ofender o profeta, então não há problema. Nós podemos matá-lo, sim. Não matamos mulheres. Não somos como vocês. Vocês são aqueles que matam mulheres e crianças na Síria, no Iraque e no Afeganistão. Se buscamos vingança? Disseram bem. Buscamos vingança”?

A primeira fala foi de Maha Abdelaziz, professora do Centro Islâmico de Brasília, em entrevista ao repórter Gabriel Garcia, publicada em meu blog.

A segunda, de Chérif Kouachi, um dos terroristas responsáveis pelo massacre, em entrevista por telefone ao canal de televisão francesa BFMTV.

A ideologia que Maha ensina foi a mesma que apertou o gatilho das armas de Chérif e do seu irmão.
Pessoas como Maha e Chérif são movidas pelo ódio e, portanto, bastante perigosas. Mas Maha é mais perigosa do que Chérif.

Ela pensa, reflete, elabora, conceitua e dissemina valores que colidem com aqueles aceitos pelas sociedades mais civilizadas.

Chérif era o braço armado de Maha. O executor. Aquele que matava e também podia morrer. Matou e acabou morto.

Concedamos que não há religião superior às demais. Nem por isso todas se equivalem.

Há religiões que são usadas como pretextos para a pregação da violência e a imposição dos seus dogmas.

No passado remoto, o cristianismo se comportou assim. Hoje, mais cristãos são mortos no mundo por serem cristãos do que muçulmanos radicais que se dizem perseguidos.

O trágico episódio do aniquilamento de quase toda a redação de um jornal não se assemelha a nenhum outro ocorrido da segunda metade do século passado para cá.

E serve para confirmar que não há país a salvo de ataques de fanáticos, nem mesmo a França, principalmente ela, habitada por pouco mais de seis milhões de muçulmanos, e coração de uma Europa puxada pela Alemanha.

A primeira vítima de uma guerra é a verdade. A mentira é a mais poderosa arma de guerra.

A segunda vítima é a liberdade. Não só do lado mais fraco. Também do lado mais forte que, para vencer, considera necessário sacrificar princípios e valores.

Foi isso o que aconteceu com os Estados Unidos depois do 11/09. Para esmagar o terror, tudo valeria a pena.

Pois o terror ainda vive.

"Nós estamos sendo atacados pelo que somos”, declarou Madeleine Albright, secretária de Estado do governo Bil Clinton, antes mesmo que se apagassem as chamas que consumiram as Torres Gêmeas, em Nova Iorque. “Apoiamos a democracia, a liberdade e uma sociedade livre. Essa é a essência da América da qual não podemos escapar”.

Uma pena, mas a essência da América desfigurou-se.

Espera-se que seja diferente na Europa ainda em estado de choque desde o 07/01.

Na França, a lei assegura o direito à livre expressão com tudo o que faz parte dela – da irreverência à sátira, do achincalhe à zombaria.

O governo pediu moderação aos cartunistas do Charlie Hebdo prevendo algum tipo de retaliação. Como não foi atendido, tentou protegê-los. Sem sucesso.

Pois a liberdade ainda vive.
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* Jornalista.
Fonte: O Globo online, 19/01/2015

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