sexta-feira, 2 de julho de 2010

Dan Ariely: "A irracionalidade é uma grande professora"

Economista americano afirma que as atitudes irracionais são as responsáveis
pela generosidade e compaixão por outras pessoas

Thiago Cid

O economista e psicólogo americano Dan Ariely estava a caminho de um evento em Bogotá, na Colômbia, quando o motorista de seu carro encontrou dificuldade para entrar em uma avenida. O tráfego estava pesado e os carros não davam passagem. O condutor disse a Ariely que olharia dentro dos olhos do próximo motorista e ele o deixaria passar. Ariely riu e duvidou, mas foi exatamente o que aconteceu. A experiência serviu de ideia para uma nova pesquisa de Ariely. “O economista e o psicólogo tiram suas observações dos eventos banais do dia a dia.” Realizando uma média de duas experiências por semana – ele conduziu 100 experimentos só para escrever seu último livro – Ariely tenta comprovar em laboratório todas as ambiguidades das escolha que fazemos (leia no blog Trabalho & Vida sobre a pesquisa em que Ariely apurou que altos bônus podem prejudicar a qualidade do trabalho).
A comprovação empírica é uma obsessão de Ariely. A outra é o estudo da irracionalidade. Esse interesse começou quando ele tinha 17 anos e sofreu um acidente quando serviu o Exército de Israel. Um sinalizador explodiu perto de Ariely e ele teve 70% do corpo queimado. Os três anos seguintes foram passados no hospital. Foi lá que ele começou a perceber quão irracionais são as atitudes que mais julgamos racionais. “Quando estive internado, os enfermeiros diziam que a melhor forma de tirar os curativos era rapidamente, um depois do outro”, diz Ariely. Ele odiava a dor intensa que essa técnica causava. Quando saiu, foi a uma loja, comprou uma morsa mecânica e a usou para apertar os dedos das pessoas. Ariely concluiu que elas preferiam um tratamento mais longo, com dor mais fraca – os enfermeiros estavam errados. Não que eles não quisessem o melhor para o paciente: só não sabiam qual era a melhor forma de tratamento. “Isso me deixou perplexo e comecei a pensar em outras coisas em que achamos que estamos certos, mas não temos nenhuma base racional para saber se de fato estamos.”
Ariely vai estar no Brasil nesta quarta-feira, 30 de junho, para o 3ª Seminário ANBIMA de Finanças Corporativas, promovido pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais. Ele conversou com ÉPOCA sobre seus experimentos e a irracionalidade de nossas escolhas.

ENTREVISTA - DAN ARIELY

ÉPOCA – Os brasileiros são muito tolerantes com produtos piratas. O senhor conduziu uma pesquisa sobre o efeito, no comportamento das pessoas, de usar óculos escuros falsificados. O que descobriu?
Dan Ariely – Se uma pessoa age mal – por exemplo, usando óculos de marca falsificados –, fica mais fácil para ela dar outro passo à frente e agir ainda pior. Imagine que você sonegue seus impostos ou tire pequenas vantagens do dinheiro da empresa de vez em quando. Depois de algumas vezes, isso tende a se tornar um hábito, uma prática sistemática. Se você faz algo desonesto, é mais fácil se tornar mais desonesto.

ÉPOCA – Mas usar óculos falsificados não é muito diferente de desviar dinheiro?
Ariely – Optamos por usar um objeto de moda porque ele é um símbolo muito forte. Quando você veste algo de marca, você se conecta com outras pessoas e passa uma mensagem de poder e riqueza. Fizemos um experimento com mil mulheres: metade usou óculos escuros de grife autênticos e a outra metade, óculos falsificados, sabendo o que usavam. Depois, demos a todas a oportunidade de roubar pequenas quantias de dinheiro. As mulheres que usaram óculos falsos roubaram mais. Elas foram contaminadas. A pergunta era: ser desonesta, ao usar óculos falsos, faria com que elas hesitassem menos em roubar o dinheiro? A resposta foi sim.

ÉPOCA – Em seu primeiro livro, o senhor mostrou por que tomamos decisões tolas e irracionais. Agora, o senhor parece redimir a nossa irracionalidade. Poderia explicar?
Ariely – O primeiro ponto é que a irracionalidade é uma grande professora. Se você entender em que ponto agiu irracionalmente, pode aprender a solucionar melhor seus problemas no futuro. É difícil ver nossa própria irracionalidade, mas é fácil perceber a dos outros. Fazendo isso, você pode reconhecer situações que viveu e prevenir a repetição de erros. Além disso, a irracionalidade torna o mundo melhor. Você gostaria de viver em um mundo povoado apenas por pessoas racionais? Os racionais calculam o custo-benefício de tudo. Em um mundo de pessoas racionais talvez não houvesse generosidade, caridade, compaixão – atitudes que pressupõem concessões.

ÉPOCA – Até que ponto nossa irracionalidade é útil diante de questões complexas?
Ariely – Comprar uma câmera é uma decisão simples. Ter um filho é uma decisão complexa. Em qual delas as pessoas podem racionalizar e fazer cálculos? Comprar a câmera. As decisões mais difíceis têm variáveis demais. Por isso, somos propensos a usar a intuição nessas questões. Aí falam desejos, emoções, expectativas e acabamos sendo irracionais.

ÉPOCA – Por que pensamos que estamos sendo racionais quando não estamos?
Ariely – Pense no cérebro dividido em duas partes: o cérebro emocional e o novo córtex, ou cérebro superior, responsável pela lógica. As pessoas acreditam que o cérebro superior toma as decisões. Muitas vezes, é o cérebro emocional que decide – o cérebro moderno chega depois e se pergunta por que tomamos determinada decisão. Ou seja, decidimos primeiro e pensamos depois.
 
QUEM É
Nascido em Nova York, cresceu em Israel. Aos 18 anos, quando servia o Exército, teve seu corpo queimado com a explosão de uma bomba. Hoje, vive nos EUA com a mulher e dois filhos

PROFISSIONAL
Formado em Psicologia pela Universidade de Tel-Aviv, é ph.D. em negócios pela Universidade de Duke. É professor titular da Duke e dá aulas no Massachusetts Institute of Technology (MIT) sobre Economia Comportamental.
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Fonte: Revista ÉPOCA online, 02/07/2010

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